Discurso no Senado Federal

DESTEMPERO VERBAL DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NOS ULTIMOS DIAS, QUE QUALIFICOU AQUELES QUE SE APOSENTARAM ANTES DOS 50 ANOS DE IDADE COMO VAGABUNDOS. SOLIDARIEDADE AO POVO DA INDONESIA QUE, EM ATOS DE GRANDE AÇÃO CIVICA, MANIFESTA-SE CONTRARIAMENTE A DITADURA SUHARTO. POSICIONAMENTO FAVORAVEL AO REFERENDUM POPULAR, CASO A PROPOSTA QUE DISPÕE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DOS JOGOS DE AZAR E CASSINOS SEJA APROVADA PELO CONGRESSO NACIONAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL. JOGO DE AZAR.:
  • DESTEMPERO VERBAL DO PRESIDENTE DA REPUBLICA NOS ULTIMOS DIAS, QUE QUALIFICOU AQUELES QUE SE APOSENTARAM ANTES DOS 50 ANOS DE IDADE COMO VAGABUNDOS. SOLIDARIEDADE AO POVO DA INDONESIA QUE, EM ATOS DE GRANDE AÇÃO CIVICA, MANIFESTA-SE CONTRARIAMENTE A DITADURA SUHARTO. POSICIONAMENTO FAVORAVEL AO REFERENDUM POPULAR, CASO A PROPOSTA QUE DISPÕE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DOS JOGOS DE AZAR E CASSINOS SEJA APROVADA PELO CONGRESSO NACIONAL.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1998 - Página 8407
Assunto
Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL. JOGO DE AZAR.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OFENSA, APOSENTADO, REGISTRO, IMPRENSA, REPUDIO, POVO.
  • ANALISE, PREJUIZO, REELEIÇÃO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, OMISSÃO, PROVIDENCIA, SECA, REGIÃO NORDESTE, INCENDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), PERSEGUIÇÃO, LIDERANÇA, SEM-TERRA, ATRASO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, BENEFICIO, CANDIDATURA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT).
  • SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, INDONESIA, LUTA, OPOSIÇÃO, DITADURA, DEFESA, DEMOCRACIA.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, EMENDA, PROJETO DE LEI, CASSINO, SIMILARIDADE, ARTUR DA TAVOLA, SENADOR, OBRIGATORIEDADE, REFERENDO, POPULAÇÃO, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, LIBERAÇÃO, JOGO DE AZAR.
  • OPOSIÇÃO, ORADOR, PROJETO DE LEI, JOGO DE AZAR, ANALISE, CRITICA, PROVOCAÇÃO, PREJUIZO, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de fazer uma reflexão a respeito do destempero verbal do Presidente da República nestes últimos dias. Causou enorme impacto na opinião pública o fato de Sua Excelência qualificar como vagabundas as pessoas que pediram aposentaria antes dos cinqüenta anos.

Há dois fatos intrigantes que podem ser associados a essa estória. O primeiro é que, ao dizer isso, Sua Excelência esqueceu-se dele próprio, que aos trinta e oitos anos, por ato da ditadura militar, foi aposentado, mas que, aos quarenta e oito, com plenos direitos de poder voltar a lecionar, preferiu permanecer aposentado.

O segundo é que, do seu próprio Governo, o Ministro que apresentou e conduziu a proposta de Reforma da Previdência também se aposentou antes dos cinqüenta anos - refiro-me ao Ministro Reinhold Stephanes, Deputado Federal. Com a sua declaração, o Presidente deixou em situação extremamente difícil um dos principais componentes de seu Governo.

Centenas - senão milhares - de cartas foram recebidas por todos os órgãos da imprensa pelo Brasil afora. Foram enviadas por pessoas que estão se manifestando indignadas com a declaração de Sua Excelência. Refiro-me, sobretudo, àquelas pessoas que começaram a trabalhar muito jovens - às vezes crianças ou aos treze ou catorze anos. Tendo contribuído durante trinta e cinco anos para a Previdência, essas pessoas adquiriram o direito legal de se aposentar antes dos cinqüenta anos. Isso se deu exatamente pelo fato de estarem numa situação muito mais difícil: pertenciam a famílias carentes, cujos pais não puderam colocá-las na escola - mesmo mais tarde - ou mesmo, fazer com que chegassem à universidade. Foram essas pessoas, sobretudo, que se indignaram.

Digno de menção também é o caso daquelas pessoas que, por exercerem funções de grande risco para a sua saúde, têm a possibilidade legal de se aposentar mais cedo - depois de trabalharem anos e anos em funções de risco para a sua saúde.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte com muita honra ao Senador Lauro Campos que, certamente, compreende muito bem este assunto.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senador Eduardo Suplicy, tenho também estranhado o comportamento de Sua Excelência, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que costumava ser outrora um ser tão equilibrado, capaz de manifestações percucientes no ramo das Ciências Sociais a que se dedicou, dono de um equilíbrio emocional e intelectual que eram realmente invejáveis. Agora, talvez devido a esses vórtices provocados pela crise mundial, pela crise internacional, pela crise do Sudeste Asiático que abala profundamente o País, Sua Excelência vem agindo estranhamente. Talvez o tenha afetado esse período de reeleição, que é um período muito perigoso, como alertam os cientistas políticos dos quatro cantos do mundo. Sua Excelência tem manifestado coisas estranhas e estranháveis diante desse quadro, como, por exemplo, ao afirmar, agora, que é neo-republicano, quando em Portugal havia dito que era neo-socialista. Ora, a Nova República foi de Getúlio Vargas e Sua Excelência, que estava querendo justamente acabar com os resquícios getulistas no País, declara-se neo-republicano, ou seja, da Nova República. O Presidente deveria, realmente, olhar para o espelho ao fazer as suas críticas, porque, como lembrou V. Exª, se aposentou aos trinta e oito anos de idade e percebe hoje uma aposentadoria de mais de R$5 mil por mês. Sua Excelência disse também que a sua inteligência é superior ao seu narcisismo, que a sua inteligência supera esse outro traço de seu caráter. Parece-me que, ao dizer que sua inteligência é maior do que sua auto-admiração, do que o seu narcisismo, Sua Excelência está se reafirmando narcisista, porque está colocando sua inteligência acima de uma qualidade potencial que todo mundo reconhece nele. De modo que, diante dessas afirmativas reiteradas do Presidente da República, penso que seria conveniente, para que a sociedade brasileira pudesse se acalmar diante de tantos problemas reais que já existem, que Sua Excelência reduzisse sua campanha eleitoral, porque, realmente, ao se tornar um boquirroto ou se tornar uma pessoa com essas qualidades verbais transbordantes e exuberantes, tem incorrido em uma série de falas que não correspondem ao seu passado de professor, de homem ponderado e de admirável capacidade intelectual.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Prezado Senador Lauro Campos, o que fico pensando é que, a continuar assim, com esse destempero, na verdade, a exposição do Presidente Fernando Henrique Cardoso, mais acentuada até, vai acabar provocando reações tão fortes que provocarão uma diminuição na aprovação que Sua Excelência tem hoje perante a opinião pública. Então, a continuar com essa linguagem, o Presidente Fernando Henrique Cardoso acabará diminuindo em muito a sua preferência entre os eleitores brasileiros. E, nesse sentido, o que posso prever é que, como resultado, outro será eleito Presidente da República; aliás, haverá uma alternativa muito significativa, refiro-me a Luiz Inácio Lula da Silva. O candidato do PT à Presidência da República agora conta com o apoio do PDT e do PCdoB e, possivelmente, dependendo de uma decisão a ser tomada na reunião do Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro, que está acontecendo em Brasília, também como o apoio do PSB.

Tenho convicção de que, se continuar na prática de ações como mandar prender os líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pelo simples fato de terem externado opiniões de solidariedade aos flagelados da seca no Nordeste; ofender com determinadas expressões tantos trabalhadores no Brasil que se aposentaram legitimamente, de acordo com a legislação ainda vigente; demorar a resolver problemas dramáticos como o do incêndio na floresta amazônica em Roraima; retardar o socorro aos flagelados da seca no devido tempo, ainda que alertado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais de que haveria uma seca terrível, que inclusive está sendo prevista como mais grave ainda nos meses que se seguem; postergar, não sei até quando, a implementação de um projeto que venha assegurar uma renda mínima a todos os cidadãos brasileiros avalio que a proposição alternativa que Lula apresentará poderá ganhar cada vez mais adeptos, com uma modificação histórica de grande relevância para o Brasil.

Senador Lauro Campos, também quero, nesta oportunidade, expressar a minha solidariedade ao povo da Indonésia. Percebo que a Indonésia está passando por momentos de extraordinária transformação. Há 30 anos que o ditador Suharto continua mantendo-se no poder, graças muitas vezes a injeções de recursos de instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Mas, agora, são os jovens e os trabalhadores que saem às ruas, em manifestações de grande coragem cívica, enfrentando a brutalidade da polícia de Suharto.

Queremos aqui expressar a nossa solidariedade aos jovens que, pelas ruas, estão a enfrentar as baionetas, as bombas de gás lacrimogêneo, as motocicletas, os homens encapuzados, armados fortemente com escudos, que estão a reprimir as manifestações pela liberdade, pela democracia, na Indonésia. Nós, que também vivemos sob regime militar, por quase três décadas, queremos expressar a nossa solidariedade ao movimento do povo indonésio que, nas ruas, hoje, clama por democracia, por liberdades, por direito à cidadania.

Sr. Presidente, vou tratar de um terceiro assunto nesta minha fala.

Na segunda-feira, o Senador Artur da Távola expressou sua opinião a respeito dos jogos de azar e dos cassinos, colocando proposta que condiz com a que eu havia preparado, em artigo para o jornal O Globo, enviado na semana passada e que ainda está por ser publicado. Como S. Exª externou que é sua intenção apresentar proposta de referendum sobre essa proposição, caso seja aprovada pelo Senado Federal e pelo Congresso, como essa proposição também tem a minha solidariedade, inclusive havia escrito a respeito, quero dizer que também apresentarei proposta no mesmo sentido.

A sociedade brasileira convive, hoje, com as mais variadas formas de jogos de azar. A Caixa Econômica Federal, por exemplo, administra a Loteria Esportiva, Loteria Federal, Sena, Megasena, Supersena e Quina, além das loterias estaduais que são administradas pelos Estados. Inúmeras outras formas de jogos de legalidade questionável são admitidas, mesmo na clandestinidade. Apostas em corridas de cavalos, brigas de galo, rinha de cachorro, que também são uma forma de jogo, são aceitas, isso sem mencionar os bingos. As ligações 0900, cuja publicidade invade diariamente nossos lares através da televisão, apesar de não estarem autorizadas pela legislação vigente no País, a cada dia que passa, aumentam nos programas, principalmente aqueles dirigidos às camadas de menor renda da população. O jogo do bicho, máquinas de video poker e cassinos funcionam à luz do dia sem serem coibidos pelas autoridades competentes.

Nessa situação, não seria hipocrisia manter a proibição dos jogos de azar? É o que perguntam aqueles que se empenham na aprovação da lei. Esse é, obviamente, um argumento pouco consistente, pois ninguém defende o adultério, apesar de ser praticado em larga escala. Trata-se de uma questão que envolve o espectro das liberdades do ser humano numa sociedade. Sendo assim, no caso de a população entender que a prática de jogos de azar envolve mais danos do que benefícios à maioria de seus membros, ela tem todo o direito de optar, democraticamente, pela sua não legalização. Considero que a questão da discriminação do jogo é de tal forma importante, que, quando da discussão do projeto no Plenário do Senado, no momento em que isso for viável, apresentarei uma emenda, no mesmo sentido da proposta pelo Senador Artur da Távola, para que, no caso de sua aprovação, a lei só entre em vigor após ser referendada pelo povo brasileiro.

Muitos atribuem aos cassinos uma possibilidade de crescimento econômico regional e conseqüente geração de empregos, graças ao incentivo que sua legalização proporcionará ao turismo. Algumas regiões possuem potencial para incrementar seu fluxo de turistas com a construção de cassinos integrados a grandes complexos hoteleiros; todavia, essa argumentação cai por terra na medida em que o projeto permite uma ampla disseminação dos cassinos em todo o território nacional, o que significa dizer que haverá sempre um cassino perto da nossa casa.

Os argumentos contrários e favoráveis à tese da legalização dos jogos são muitos. Hoje estou convencido de que os fatores negativos associados ao jogo superam os positivos. Além do mais, o projeto não cria instrumentos que possibilitem uma fiscalização eficaz para uma atividade que, reconhecidamente, potencializa inúmeras ilegalidades, tais como: lavagem de dinheiro, contrabando e sonegação fiscal. Também não garante o aumento da arrecadação de impostos, como seus defensores alardeiam. O projeto permite a abertura de cassinos em todos os Estados, antes mesmo da promulgação da regulamentação do texto legal. O açodamento que está sendo dado a sua tramitação, num ano em que as atenções estão voltadas para a Copa do Mundo e a eleição presidencial, tende a beneficiar determinados grupos em detrimento do interesse da maioria da população.

O PT apresentará emendas no plenário do Senado com vistas a sanar essas distorções. Inclusive, agora, a matéria foi encaminhada para um melhor exame na Comissão de Assuntos Sociais, apesar das conhecidas dificuldades para sua aprovação. Acreditamos poder sensibilizar a população para sua efetiva participação em questão de tamanha importância. A decisão compete ao Senado Federal, mas o azar pode ser de todos.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1998 - Página 8407