Discurso no Senado Federal

ELOGIOS A DECISÃO DE JUSTIÇA DE INDEFERIR O PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA DO LIDER DO MST, JOÃO PEDRO STEDILE. IMPORTANCIA DA IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE RENDA MINIMA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA CULTURAL.:
  • ELOGIOS A DECISÃO DE JUSTIÇA DE INDEFERIR O PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA DO LIDER DO MST, JOÃO PEDRO STEDILE. IMPORTANCIA DA IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO PROGRAMA DE RENDA MINIMA.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1998 - Página 8514
Assunto
Outros > JUDICIARIO. POLITICA SOCIO ECONOMICA. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, ABEL FERNANDES GOMES, JUIZ, VARA DA JUSTIÇA FEDERAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), INDEFERIMENTO, PEDIDO, PRISÃO PREVENTIVA, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, SEM-TERRA, ACUSADO, INCITAMENTO, ROUBO, ALIMENTOS.
  • RECLAMAÇÃO, DEMORA, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, PAIS.
  • QUESTIONAMENTO, DEPOIMENTO, EDWARD AMADEO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DO TRABALHO (MTB), COMISSÃO DE TRABALHO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUSENCIA, REFERENCIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, DESCONHECIMENTO, EFICACIA, EFEITO, IMPLANTAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO.
  • COMENTARIO, LIVRO, AUTORIA, PHILIPPE VAN PARIJS, ECONOMISTA, DEFESA, NECESSIDADE, GARANTIA, RENDA MINIMA, PESSOAS, SOCIEDADE.
  • REGISTRO, INICIATIVA, NELO RODOLFO, PRESIDENTE, CAMARA MUNICIPAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PROMULGAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RENDA MINIMA, AUTORIA, ARSELINO TATO, VEREADOR.
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), FEIRA DO LIVRO, AMBITO INTERNACIONAL, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, SENADO.

      O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Nabor Júnior, Srs. Senadores, Srªs. Senadoras, em primeiro lugar, quero registrar a importante decisão do Juiz da 4ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Abel Fernandes Gomes, que indeferiu, ontem, o pedido de prisão preventiva do líder do MST, João Pedro Stédile, encaminhado pela Polícia Federal, que o acusava de incitar saques. Na decisão, o Juiz afirmou não lhe parecer que somente as declarações de uma única pessoa tenham tido o condão de deflagrar tamanha quantidade de saques.

      Queremos ressaltar que João Pedro Stédile expressou a sua opinião em solidariedade àqueles que hoje estão atingidos pelo flagelo da seca, sem que o Governo Federal tenha tomado as medidas suficientes para fazer com que não houvesse brasileiro passando fome. Expressou opinião que, na sua e na minha avaliação, é condizente com a de tantos bispos da CNBB e, inclusive, com a do Ministro Sepúlveda Pertence, do STF. Afirmou o líder que, diante de uma situação de fome, pode perfeitamente uma pessoa procurar adquirir alimentos para as suas crianças, para si próprio, para a sua família, em estado de necessidade; inclusive isso é previsto no Código Penal Brasileiro.

      Portanto, a Justiça colocou as coisas no devido lugar.

      Mas, conforme declaração de Dom Tomás Balduíno, em entrevista ao jornal El Clarín, ontem, o Governo não tem tomado as devidas medidas para erradicação da miséria.

      E, mais uma vez, Sr. Presidente, quero reclamar da insensibilidade do Governo quanto à possibilidade de instituir, com muito mais rapidez, um programa de renda mínima no País.

      Ainda ontem, assisti ao depoimento do Ministro do Trabalho Edward Amadeo na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, onde S. Exª falou das tendências do mercado de trabalho brasileiro, dos programas e ações do Ministério do Trabalho e mencionou o que se faz com o FAT, com o Programa de Seguro-Desemprego, com o Proger, com o Planfor. Falou ainda sobre as ações de fiscalização de saúde e segurança do trabalho, a modernização das relações trabalhistas, o contrato por prazo determinado, a contribuição sindical negocial, o trabalho rural.

      Na ocasião, resolvi argüir o Ministro do Trabalho pelo fato de S. Exª não ter feito qualquer referência ao imposto de renda negativo ou a um programa de garantia de renda mínima, dentre os instrumentos que o Governo estaria utilizando. O Sr. Ministro justificou não ter falado sobre o assunto em função de não estar no âmbito de sua Pasta.

      Estranhei a resposta de S. Exª, porque o ex-Ministro Paulo Paiva, que o antecedeu, havia me informado que o Ministério do Trabalho, por intermédio da Fundacentro, durante os meses de setembro e outubro passados, havia gasto R$5,2 milhões na publicidade do Programa Bolsa Criança-Cidadã, enquanto, no ano todo, aquele programa - que beneficiou mais de trinta mil crianças - gastou R$15 milhões. Portanto, um terço do total gasto foi destinado apenas à publicidade.

      Estranhei ainda que o Ministro do Trabalho não tivesse maior preocupação em conhecer inclusive os efeitos considerados positivos da adoção, em outros países, de instrumentos de imposto de renda negativo ou mesmo de programas de renda mínima. Nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos anos, sobretudo desde 1993, quando se expandiu o programa denominado Crédito Fiscal por Remuneração Recebida - o Earned Income Tax Credit -, houve uma diminuição significativa da taxa de desemprego.

      Tenho a convicção, baseado em estudos teóricos e nas análises de diversos economistas, como Robert Greenstein e Arthur Shapiro, em documento publicado recentemente pelo Center of Budget Studies, que a expansão do Crédito Fiscal por Remuneração Recebida contribuiu em muito para que houvesse essa diminuição da taxa de desemprego nos Estados Unidos.

      Gostaria de recomendar a todos a leitura de um livro sobre um tema fundamental: “O que é uma sociedade justa?” do Professor Phillippe Van Parijs, filósofo e economista da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, um dos fundadores, em 1986, da Rede Européia da Renda Básica. Van Parijs parte dos célebres princípios de justiça que foram elaborados por John Rawls em “Uma Teoria da Justiça”, originalmente publicado pela Universidade de Harvard, em 1971, e pela Universidade de Brasília, onde foi traduzido pelo Professor Vamireh Chacon, em 1981.

      São estes os princípios:

      1) Toda pessoa tem um direito igual ao conjunto mais extenso de liberdades fundamentais que seja compatível com a atribuição a todos desse mesmo conjunto de liberdades. (princípio de igual liberdade);

      2) As desigualdades de vantagens socioeconômicas só se justificam se: a) contribuem para melhorar a sorte dos membros menos favorecidos da sociedade (princípio da diferença); e b) são ligadas a posições que todos têm oportunidades equitativas de ocupar (princípio de igualdade de oportunidades).

      Sr. Presidente, Srs. Senadores, para compreender esses princípios, vamos dar um exemplo. Suponhamos que formemos um bom time de futebol, em que joguem Ronaldinho e Romário; e também eu e os Senadores Lauro Campos, Elcio Alvares e Jefferson Péres. Não somos tão bons de bola como Ronaldinho e Romário. Por entendimento consensual, entretanto, concordamos que, para a finalidade de alcançar o melhor resultado possível, vamos pagar uma melhor remuneração para aqueles craques. A diferença de remuneração será de tal ordem a beneficiar os que menos qualidades têm.

      Vamos, agora, supor um time feminino de basquete, em que joguem Hortênsia, Paula e outras pessoas, como nossas colegas, Senadoras Marluce Pinto, Benedita da Silva, Marina Silva, Júnia Marise e Emilia Fernandes. Assim como no exemplo do futebol masculino, haveria um consenso de que Paula e Hortência, por serem excepcionais jogadoras, receberiam uma remuneração maior, de tal maneira a fazer com que o time tivesse o melhor resultado possível, e a diferença de remuneração entre as pessoas seria de tal ordem a fazer com que todos se beneficiassem, inclusive aquelas com menor capacitação ou qualidade.

      Esse seria o critério adotado pelo filósofo John Rawls - no meu entender, porque esse exemplo não está no seu livro. Esse exemplo parece-me muito interessante para ilustrar aqueles princípios que podem parecer abstratos, os quais procuro transmitir aos meus alunos.

      Para que aqueles fundamentos de John Rawls possam ser colocados em prática, ele defende a instituição de um imposto de renda negativo, que, justamente, proporcionaria um renda mínima para cada pessoa: quem não receber até determinado patamar de renda teria direito a uma proporção da diferença entre aquele patamar e a sua renda.

      O Professor Philippe Van Parijs, em seu livro “Teoria da Justiça”, desenvolve a mesma preocupação de James Edward Meade, laureado com o Nobel de Economia de 1977, um autor falecido em dezembro de 1995, que, em seu último ano de vida, deixou o livro “Full Employment Regained? An Agathotopian Dream”, publicado pela Cambridge University Press, em 1995, com respeito aos três objetivos básicos que a humanidade e os economistas de há muito procuram alcançar simultaneamente: a liberdade, no sentido de as pessoas poderem trabalhar na sua vocação e de poderem gastar o que ganham no que bem quiserem; a igualdade, no sentido de não haver grandes disparidades de renda e de riqueza e considerando que a desigualdade só pode ser tolerada se beneficiar aquelas que dela são “vítimas”; e a eficiência, no sentido de se alcançar o maior padrão de vida possível, com os recursos existentes e a tecnologia vigente, já que, permanecendo constantes as outras condições, aumentar a eficiência é aumentar a liberdade real.

      Segundo o Professor Philipe Van Parijs, “para assegurar a maior liberdade real possível, conseqüentemente, é essencial que a forma tomada pela renda mínima garantida evite dois obstáculos. À medida que o nível de renda aumenta, é preciso que ela não aprisione um número crescente de pessoas no que foi convencionado denominar “armadilha do desemprego”, devido ao fato de o montante que poderiam ganhar por seu trabalho tornar-se inferior ao rendimento que recebem se não trabalham. Além disso, o direito à renda mínima garantida não pode ser subordinado à prestação de trabalho e à vontade de trabalhar, porque isso colocaria seu beneficiário em uma situação de poder bem mais desfavorável em relação ao seu empregador (público ou privado) do que se o direito à renda mínima não fosse subordinado a tal condição. Para dizer de outro modo, a consideração da dimensão do poder exige que a garantia de uma liberdade real de construir não se faça em detrimento da liberdade real de trabalhar, portanto, sem a armadilha de desemprego, nem da liberdade de não trabalhar - sem restrição aos que procuram emprego.

      Ora, o desenho do imposto de renda negativo procura evitar exatamente essas armadilhas de desemprego e de pobreza. Entretanto, para se dar um passo além, para se alcançar a liberdade real para todos, em decorrência, advoga Phelippe Van Parijs, será necessário proporcionar uma renda básica universal; uma pequena, porém, incondicional renda mínima garantida a cada pessoa na sociedade, não importando a origem, a raça, a idade, o sexo, a condição civil ou socioeconômica.

      Imagino que isso será um avanço. No próximo século, a humanidade poderá ter uma renda básica universal.

      A primeira vez que me deparei com esse conceito, pensei que seria importante iniciar, de acordo com o formato do Imposto de Renda negativo, pela proporção da diferença entre um certo patamar e o nível de renda da pessoa, porque estaríamos concedendo recursos primeiramente às pessoas que pouco ou nada têm. Obviamente, considero isso prioritário. Mas percebo que esse passo está além da renda básica universal, porque não se estaria estigmatizando qualquer pessoa que precisasse declarar o que ganha. Seria facilitada administrativamente a concessão, a cada pessoa, de receber uma renda anual ou mensal. Poder-se-ia fazer isso até por meio de um cartão de crédito: “todo brasileiro, esse ano, vai receber “x” reais”. De início, poderiam ser R$20 mensais - ou R$240 anuais -, o que seriam equivalentes a R$100 por mês - recebidos por cada pessoa no Alasca pelo simples fato de estar vivendo. No ano passado, foram U$1.290, automaticamente depositados na conta bancária. O interessante é o seguinte: se for criado um mecanismo como esse, obviamente todos estarão contribuindo. Aqueles que normalmente recebem mais recursos estariam contribuindo para um fundo que pagaria a todos indistintamente. Há racionalidade nisso.

      Quero registrar que continuam se expandindo as experiências de renda mínima e bolsa-escola, por iniciativa dos prefeitos, senão das Câmaras Municipais. 

      Ontem, o Presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Nelo Rodolfo, promulgou a Lei de Renda Mínima, de autoria do Vereador Arselino Tato, que tinha sido aprovada, por maioria de votos, na Câmara Municipal de São Paulo, ao tempo em que era Prefeito o Sr. Paulo Maluf. O então prefeito resolveu vetar aquela proposição, encaminhando uma outra alternativa, denominada “Sobrevivência”, mas muito inferior à proposta do Sr. Arselino Tato. Como ainda não havia sido tomada uma providência a respeito, a Câmara Municipal, no mês de abril, resolveu derrubar o veto do Prefeito Paulo Maluf e aprovou novamente o direito à renda mínima no Município de São Paulo. Já que o Prefeito estava resistindo, coube ao Presidente da Câmara Municipal promulgar a lei, passado o prazo regimental ou previsto na Lei Orgânica do Município.

      O Programa de Renda Mínima Municipal, do Município de São Paulo, deverá beneficiar todas as famílias que têm renda mensal inferior a três salários mínimos e cujos filhos, entre zero e 14 anos, estiverem matriculados em escolas e creches públicas. O programa consistirá na complementação mensal do rendimento familiar em valor equivalente a 33% da diferença entre esse rendimento e três salários mínimos. Exemplififcando: uma família composta por pai, mãe e dois filhos, na faixa de 0 a 14 anos, sem rendimentos, terá direito a receber R$128,70, ou seja, 33% de três salários mínimos - equivalentes a R$390. Caso essa família tenha um rendimento mensal de 1 salário mínimo, R$130, teria direito a receber R$85,80, ou seja, 33% de R$260. Ficariam, portanto, com uma renda total de R$215,80.

      Menciona o Vereador Arselino Tato que, sem dúvida, o Programa de Renda Mínima ajuda a combater, de forma eficaz, os problemas de evasão escolar e de miséria urbana.

      Ressalto também que, hoje, na cidade de Paracatu, a 230Km de Brasília, o Prefeito Almir Paraca, que foi autor do Projeto de Renda Mínima e de Bolsa-Escola na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, quando era Deputado Federal, lança, às 11h, o Programa de Bolsa-Escola, que inclusive contará com a minha presença e a do Governador Cristovam Buarque.

      Portanto, os Municípios continuam a adotar essa proposição. Tivéssemos isso nacionalmente já, não estaríamos com a preocupação dos cercos a supermercados, dos saques, porque as pessoas estariam garantidas com um mínimo de renda, como um direito à cidadania.

      Sr. Presidente, permita-me apenas, na minha conclusão, fazer um registro sobre a XV Bienal Internacional do Livro de São Paulo, da qual o Senado Federal participou, que se estendeu de 29 de abril a 10 de maio.

      O estande do Senado, que se localizou no pavilhão verde, levou oitenta e seis títulos e dois mil e setecentos exemplares para venda, incluindo Dados Biográficos dos Senadores Paulistas, O Senado na História do Brasil, O Velho Senado. Sua presença recebeu o apoio de 99% dos visitantes, o que pode ser comprovado pelos questionários respondidos pelo público e pelas entrevistas gravadas pela Rádio Senado, e a maioria das pessoas sugeriu uma maior divulgação dos livros editados pela Casa.

      Eu mesmo, Sr. Presidente, no último dia da exposição, das 16 às 18 horas, lá estive, autografando o livro que contém os meus projetos para mais de trezentas pessoas. Além disso, recebemos opiniões muito significativas, que foram registradas pelos responsáveis pelo estande.

      Assim, Sr. Presidente, gostaria de deixar a informação completa desse evento, em que o Senado vendeu um total de mil e duzentas e cinco obras. A obra mais vendida, obviamente, foi a Constituição, em forma de livro ou de disquete, seguida do Código de Trânsito e do Manual de Padronização de Textos.

      O estande do Senado também prestou inúmeros outros serviços, como a transmissão ao vivo das sessões da Casa, a distribuição do Jornal do Senado e outros, que constam desta comunicação que, peço, seja registrada na íntegra.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1998 - Página 8514