Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A REUNIÃO DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO - BID, REALIZADA EM CARTAGENA, NA COLOMBIA, EM QUE COLOCA A VIOLENCIA COMO UMA DAS PRINCIPAIS BARREIRAS PARA O DESENVOLVIMENTO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A REUNIÃO DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO - BID, REALIZADA EM CARTAGENA, NA COLOMBIA, EM QUE COLOCA A VIOLENCIA COMO UMA DAS PRINCIPAIS BARREIRAS PARA O DESENVOLVIMENTO.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/1998 - Página 8526
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, REUNIÃO, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), DEBATE, REFORMULAÇÃO, AMERICA LATINA, CONCLUSÃO, PRIORIDADE, VIOLENCIA, OBSTACULO, DESENVOLVIMENTO.
  • ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, CUSTO, VIOLENCIA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA LATINA, RELAÇÃO, AUMENTO, POBREZA, DESIGUALDADE SOCIAL, FALTA, ACESSO, EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, IMPUNIDADE, VIOLENCIA, BRASIL, PRECARIEDADE, SISTEMA PENITENCIARIO.

      O SR. SENADOR EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para tratar de um tema desagradável: a violência, que passeou pela tribuna desta Casa durante toda a manhã de hoje. Antecedendo-me, o eminente Senador Guilherme Palmeira cuidou da violência da seca, que tanto abate e tanto prejudica os nordestinos e o País inteiro. O Senador Jefferson Péres cuidou de outro tipo de violência: a morte, que, afinal, levou o grande artista, o grande cantor internacional de todos os tempos, Frank Sinatra.

      Sr. Presidente, a reunião anual dos dirigentes do Banco Interamericano de Desenvolvimento em Cartagena, realizada em março passado, teve o propósito de avaliar o progresso das reformas estruturais já implantadas na América Latina nos últimos anos. E chegou a uma conclusão impressionante: a violência, segundo seus economistas e técnicos especializados, é atualmente a principal barreira ao desenvolvimento da região.

      Pela primeira vez, quantificou-se o custo da violência na América Latina, que representa o equivalente a 14.2% do PIB dessa região, ou seja, U$S 168 bilhões por ano!

      Tais estudos ampliam a nossa perplexidade ao quantificarem que, no Brasil, a crescente violência tem um custo equivalente a 10,5% do PIB, ou seja, US$84 bilhões anuais!

      E, entre outros, discriminam-se tais custos:

      - cerca de US$15 bilhões ao ano com a perda do capital humano - pessoas que são mortas ou sofrem danos físicos, que as impossibilitam de trabalhar, temporária ou definitivamente, e gastos com tratamento de vítimas da violência;

      - US$28,8 bilhões com prejuízos materiais: aparato de segurança, recursos de capital que se perdem pela destruição de propriedades, dinheiro que deixa de ser investido por temor à própria violência.

      Enfim, relativa a determinados itens, é a seguinte quantificação, relacionada ao Brasil, resultante dos estudos do BID:

      - Perdas em saúde : 1,9% do PIB.

      - Perdas materiais : 3,6% do PIB.

      - Deterioração de documentos de consumo e trabalho : 3.4% do PIB.

      - Transferências de valores entre criminosos (fruto de roubos e fraudes movimentado por marginais no mercado paralelo, inclusive lavagem de dinheiro): 1,6% do PIB.

      Eu supunha que fossem surgir muitas restrições a esses estudos, pela primeira vez levantados por economistas e técnicos contratados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o que não ocorreu. Mesmo porque sabemos quão verdadeira é a catástrofe da violência na América Latina, que, em termos proporcionais - segundo o documento de Cartagena -, é cinco vezes mais alta do que a do resto do mundo.

      Nenhum de nós, por exemplo, pode colocar em dúvida o fato sabido de que a violência é o custo da desigualdade, e evidencia o aumento da pobreza e da distribuição desigual de rendas que ainda subsistem na América Latina - palavras de Juan Luís Londoño, ex-ministro colombiano que liderou o grupo de estudos formado pelo BID.

      Ainda dele a opinião de que a crescente violência é explicada em boa parte pela também crescente brecha educativa, na qual a grande massa, que não terminou sequer o curso secundário, junta-se às pessoas com menos acesso aos empregos de bons salários, que acabam sendo conquistados pela minoria que completou seus estudos.

      Adolfo Figueroa, diretor da Faculdade de Economia da Universidade Católica do Peru, a quem o BID também solicitou uma análise dos resultados do seu estudo, afirma que o processo econômico desenvolvido nas últimas duas décadas, na América Latina, seria um fator responsável pela geração da violência, e confirma a opinião de Londoño ao dizer que “a causa fundamental desse fenômeno foi mesmo a desigualdade. A América Latina, que tem a taxa de violência mais alta do mundo, tem ao mesmo tempo o maior índice de desigualdade em sua sociedade”.

      Igualmente, não se pode opor dúvida, por exemplo, às conclusões alcançadas em Cartagena, de que a violência é bem maior nas zonas urbanas, onde a desigualdade é maior que nas zonas rurais; ou que as famílias hoje gastam em segurança, proporcionalmente, mais do que o próprio governo.

      Todos sabemos, embora com imenso pesar, que essas opiniões estão corretas. Ignoramos, ainda, os critérios que levaram os economistas e técnicos à quantificação dos consideráveis prejuízos sofridos pelas sociedades latino-americanas com a crescente violência que bate em nossas portas, mas podemos ter sérias suspeitas de que os cálculos também estão corretos.

      Nós, brasileiros, somos testemunhas dos acontecimentos diuturnos que envolvem nossa população em sucessivos atos de violência a custa de mortes, agressões e grandes danos às propriedades vítimas dos marginais.

      Quem duvida da informação de que 23% dos brasileiros são vítimas de roubos, assaltos e agressões constantemente neste País?

      Se existe surpresa para nós provocada pelos estudos do BID, a perplexidade refere-se apenas à quantificação dos custos provocados pela violência; não em relação aos intoleráveis fatos de violência, que sabemos existir, principalmente, em nossos centros urbanos grande e médios, espalhados por todo este País.

      Aos estudos divulgados em Cartagena, cujo teor já conheço pelo noticiário periférico da imprensa, eu acrescentaria que a progressão da violência em nosso País está também umbilicalmente vinculada a impunidade e ao caos da nossa organização carcerária.

      Rouba-se e mata-se sob a perspectiva da impunidade. Bandos de audaciosos criminosos enfrentam com vantagem, pelo poder de suas armas contrabandeadas, a maioria das nossas forças policiais. Milhares de mandados de prisão, sob numerosos motivos e pretextos, dormem em gavetas entupidas por não poderem ser cumpridos. Nossas televisões dão-se renovadas oportunidades de filmarem e transmitirem assaltos em plena luz do dia, nos quais atrevidos e troncudos ditos “menores” agridem pessoas idosas, em praças públicas, policiadas, certos de que, mesmo presos em flagrantes, serão soltos momentos depois.

      Ainda, recentemente, vimos pela televisão fatos da mais alta gravidade, dos quais não resultou qualquer providência legal. Num deles, um produtor rural e alguns de seus empregados foram amarrados, torturados e roubados em seus bens. Em outro, grupos que se diziam “sem-terra”, invadindo a sede de uma fazenda produtiva, expulsando os seus proprietários e regalando-se em suas despensas, divertindo-se na piscina e, por fim, afastando-se da propriedade alheia, levando nas costas o mobiliário que puderam levar para os seus acampamentos.

      Grupos como esses estão devastando florestas que deveriam ser preservadas, não se conhecendo nenhuma medida que se contraponham às invasões desordenadas. A primeira providência nessas invasões é sempre cortar áreas de mata nativa para obter remuneração imediata ou lhes pôr fogo antes do plantio da roça. É o próprio Presidente do Ibama, Eduardo Martins, quem denuncia tais ocorrências, como se lê na revista Veja, de 4 de fevereiro passado. Diz ele: “Grande parte da responsabilidade da devastação que acontece hoje é dos sem-terra. Os ecologistas não gostam de dizer isso, porque não é politicamente correto. No passado, era muito mais fácil bater nos grandes fazendeiros e nos madeireiros.”

      É assim, pela certeza da impunidade, que se estimula a violência nas cidades e no campo, e é de extrema violência, cheia de riscos para todas as partes, a invasão e pilhagem de propriedades privadas.

      O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite V. Exª um aparte?

      O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouço V. Exª com muito prazer, Senador Lauro Campos.

      O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Estou muito atento ao pronunciamento de V. Exª e às suas elocubrações a respeito das desigualdades e da violência no Brasil e na América Latina. Realmente, os dados que V. Exª traz à tona são impressionantes, estarrecedores, mas essa situação não é nova, é antiga e está, obviamente, vinculada às nossas raízes coloniais, às nossas raízes de países periféricos e dependentes, às nossas raízes que levaram a seqüestrar 5 milhões de negros ou mais da África e trazê-los para o trabalho escravo em nosso continente Eles produziram a riqueza e nós, os colonizadores, os pagamos com a pobreza, a indigência, a falta de saúde e com a Lei do Sexagenário, aquela aposentadoria que permitia aos trabalhadores escravos, depois dos 60 anos, serem postos na rua, livres para morrer. As nossas raízes são historicamente violentas. Gostaria também, apenas para não alongar muito o meu aparte, de lembrar que Florestan Fernandes - que foi professor de Fernando Henrique Cardoso -, o grande sociólogo, o grande político, gostava muito de se referir à antiviolência. Existe uma violência estrutural, herdada da nossa estrutura fundiária, das nossas capitanias hereditárias, dos nossos latifúndios, que impede o acesso à terra. Essa é uma violência que não sentimos, porque faz parte das nossas leis, de nossas instituições e de nossa formação histórica. Reagir contra isso, contra essa violência, que é colocar o cidadão e a sua família em condições de fome, de impossibilidade de sobrevivência, é uma contraviolência, como dizia muito bem o ilustre sociólogo Florestan Fernandes. Acusam o Movimento dos Sem-Terra de estarem provocando essas perturbações, inclusive no Nordeste do Brasil; mas se esquecem de que nas cidades encontramos 490 assaltos por mês, só em São Paulo e dentro de ônibus, e encontramos taxas incríveis de homicídio. Só aqui no Distrito Federal, num fim de semana em Samambaia, 11 pessoas foram assassinadas. Então, a violência é mais geral, não pode ser imputada, atribuída ao Movimento dos Sem-Terra que, de acordo com Noan Chomsky, um dos maiores gênios norte-americanos da atualidade, o Movimento dos Sem-Terra é o fenômeno mais importante que existe hoje nas Américas. Congratulo-me com V. Exª por ter apresentado esses números fantásticos da nossa violência. Concordo com V. Exª, numa certa altura, quando teve a sensibilidade de reconhecer que são esses números da pobreza que explicam a violência.

      O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Concordo inteiramente com V. Exª, Senador Lauro Campos, notadamente com as observações do ponto-de-vista sociológico e histórico das origens da violência no Brasil. Em verdade, os escravos constituíram tudo isso a que V. Exª se referiu e, mais ainda, uma vergonha para o Brasil a crueldade que se praticou aos nossos irmãos que vieram da África, o que ainda hoje têm as suas repercussões deletérias no comportamento político, social e econômico do Brasil, naquilo que diz respeito aos maus tratos que eles sofreram, às violências e às crueldades de toda natureza.

      A violência de fato está em todos cantos do País, em Samambaia, como V. Exª se referiu, e na América Latina. Essa é uma realidade pura. Nos socavões das polícias, das delegacias, das enxovias deste País inteiro morrem pessoas, muitas vezes humildes, todos os dias e em grande número. E nem sempre nos damos conta disto, nem sempre conhecemos essa realidade. A violência está por toda parte.

      O que precisamos é combatê-la de algum modo, mas, sobretudo, penso eu, estabelecermos uma diretriz, um comportamento educativo do povo para que se possa evitar, pelo menos em parte, este estoque monumental de violência que tanto infelicita o povo brasileiro.

      Sr. Presidente, é evidente que algo precisa ser feito até mesmo em caráter emergencial - nas áreas das competências federal, estadual e municipal -, no sentido de ser vencer a crescente onda de violência que intranqüiliza nossa sociedade. O Governo Federal, no seu esforço por abrir frentes, mas creio que deva fazer ainda mais. Para isso, confio na criatividade da sua equipe de trabalho.

      O que não pode transformar em rotina - impressão que se generaliza no meio do povo - é a expectativa de que o crime compensa, seja qual for a sua tipicidade, dada a impunidade que abriga os procedimentos ilícitos.

      No seu mais recente livro, Tempo da Memória, pág. 169, registra o venerando filósofo italiano Norberto Bobbio:

      Direito e poder são duas faces da mesma moeda. Uma sociedade bem organizada precisa das duas. Nos lugares onde o direito é impotente, a sociedade corre o risco de precipitar-se na anarquia; onde o poder não é controlado, corre o risco oposto, do despotismo.

      Sr. Presidente, agradeço a atenção dispensada dos eminentes Senadores a este discurso, embora modesto, fazendo votos para que haja um novo clima de paz e de tranqüilidade em nosso País. Que as violências, que se manifestam de maneiras tão diferentes, sejam contidas e circunscritas aos locais devidos, para que a sociedade viva em paz.

      Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/1998 - Página 8526