Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MOVIMENTOS GRITO DA TERRA, DOS PREFEITOS E VEREADORES, E A JORNADA NACIONAL DA LUTA PELO EMPREGO, OCORRIDOS RECENTEMENTE EM BRASILIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MOVIMENTOS GRITO DA TERRA, DOS PREFEITOS E VEREADORES, E A JORNADA NACIONAL DA LUTA PELO EMPREGO, OCORRIDOS RECENTEMENTE EM BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1998 - Página 9114
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, REPRESSÃO, POLICIA MILITAR, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, ORGANIZAÇÃO, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), AREA, CONGRESSO NACIONAL, REIVINDICAÇÃO, AUMENTO, PERCENTAGEM, PARTICIPAÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), RENEGOCIAÇÃO, DIVIDA, MUNICIPIOS, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, REDUÇÃO, DESEMPREGO, AGILIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL.
  • DEFESA, REVISÃO, FORMA, FORMAÇÃO, POLICIAL MILITAR, PAIS, GARANTIA, SEGURANÇA, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, SOCIEDADE CIVIL, BRASIL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco-PT/RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Srª Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os acontecimentos que marcaram esta semana a cidade de Brasília não poderiam fugir à minha observação, até porque deles fui participante direta.

Tivemos o Grito da Terra, o Movimento dos Prefeitos e a Jornada Nacional da Luta pelo Emprego. Quero pontuar as situações vistas nesses contextos. Não tivemos oportunidade de participar do Movimento do Grito da Terra porque, na hora do ato, estávamos no período de votação nesta Casa. Mas chegou ao nosso conhecimento que havia todo um aparato policial cercando o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto, impedindo a aproximação dos manifestantes e a entrega de um documento por uma comissão.

O Grito da Terra saiu com esse propósito e não para baderna ou enfrentamento. Num segundo momento, tivemos o Movimento Nacional dos Prefeitos, movimento justo e reivindicativo. Vale lembrar o que já disse várias vezes: não moramos na União, nem no Estado, moramos no Município; por isso é importante que os Municípios deixem de ser discriminados para ter um tratamento digno.

Sabemos que, a partir da década de 80, as propostas apresentadas começaram a transformar uma realidade: os Estados e Municípios passaram a receber do Governo Federal encargos e atribuições de forma incompleta, pois as obrigações vieram mas os recursos não, gerando um aumento das demandas sociais e conseqüentemente o empobrecimento dos Municípios. Movidos por essa realidade, aqui estiveram os nossos prefeitos, vereadores e membros de entidades municipalistas de todo Brasil, reunidos na “Marcha a Brasília em Defesa do Município”. E eles aqui vieram também para, em comissão, entregar documentos ao Congresso Nacional e ao Presidente da República em exercício, Senador Antonio Carlos Magalhães, que os recebeu.

Por ocasião dessa mobilização, houve várias manifestações no Senado, da Senadora Emilia Fernandes; da Senadora Júnia Marise, que preside os nossos trabalhos neste momento e também minha, que me pronunciei em aparte. Outros Senadores também se manifestaram em apartes, reiterando as preocupações apresentadas pelos oradores.

Dentre as proposições apresentadas pelos prefeitos, salientávamos a questão do aumento do percentual do Fundo de Participação dos Municípios de 23,5% para 33%,, que representaria um aumento estimado de R$ 5 bilhões; a renegociação das dívidas dos municípios; o repasse aos municípios dos 100% do IPVA, pois, hoje, 50% ficam com os Estados; a regulamentação da cobrança da taxa de iluminação pública; a aprovação da lei complementar do ISS, que amplia a base de incidência de tributo; o reforço de 50% do piso de atenção básica à saúde, que poderá gerar cerca de R$ 4 bilhões por ano - para se ter uma idéia do que estou dizendo, a cada R$100,00 gastos com as ações de saúde, R$ 75,00 são financiados pelo município -; e o restabelecimento da cobrança de impostos sobre venda a varejo de combustíveis.

Estivemos no auditório Petrônio Portella e acompanhamos as passeatas, quando observamos que existia todo um aparato policial para os nossos prefeitos, autoridades também. Havia policiais, cavalos e cachorros. Os cães também lá estavam para receber os prefeitos. Ontem, tivemos a oportunidade de constatar que aumentou o número de policiais, cavalos e cães para receber os trabalhadores.

Tenho absoluta certeza de que a coordenação dessa mobilização, os sindicatos e outros segmentos que engrossaram essa marcha não vieram a Brasília para se confrontar com a polícia. Não estavam armados de cacetetes ou mesmo de bombas; estavam sim com seus estandartes, suas bandeiras e suas convicções. Vieram em nome de um fato que preocupa a todos neste País - e que não é negado nem pelo Presidente da República: o desemprego.

O que se queria era marchar até o Planalto e entregar ao Presidente em exercício, Senador Antonio Carlos Magalhães, um dossiê completo sobre a situação do desemprego no Brasil.

O movimento foi organizado por sindicatos, pela Central Única dos Trabalhadores, por estudantes e por outros segmentos da sociedade.

Quero chamar a atenção porque estamos em tempo de democracia. A convivência democrática deve garantir a ambos os lados segurança nas suas manifestações.

Como Parlamentar, Senadora da República pelo Estado do Rio de Janeiro, compareci à manifestação. Creio que é importante respaldar os trabalhadores nesses gritos que se têm dado - o grito da terra, o grito dos prefeitos e o grito dos desempregados. Este País não pode continuar convivendo com o desemprego. Temos que encontrar alternativas que satisfaçam os interesses dos trabalhadores, senão estaremos patrocinando, com o desemprego, com a falta de perspectiva de vida, um genocídio, porque haverá trabalhadores morrendo de fome - e não me digam que há emprego, porque não há!

É importante gritar para o Planalto Central que a população brasileira quer dialogar com o Governo Federal e garantir emprego para todo mundo. Ora, o que isso tem de mau? Nada, se não fosse o temor que todos temos da aproximação da população organizada!

É importante frisar também que determinados elementos - isso é verdade, tive oportunidade de confrontar-me com alguns - mascarados, infiltrados entre os manifestantes, não pertenciam ao movimento dos trabalhadores. Estes iniciaram o conflito quando retiraram grades que não deveriam ser retiradas - temos aí emissoras de televisão e fotografias que o comprovam. Vimos também que o carro, quando estava chegando, iria ocupar um espaço que é comum de ser ocupado, e que as pessoas se sentariam no gramado para assistir ao ato. Era essa a intenção.

Não se gasta dinheiro, não se gasta tempo para vir confrontar desarmado com uma polícia armada; uma polícia que radicalizou, uma polícia que não ouvia. Se é verdade que houve um pequeno grupo que tumultuou todo o processo de entendimento, também é verdade que procurei o comandante, e ninguém sabia dizer quem era, porque não o identificavam. Estavam jogando bombas continuamente. Saí deste plenário porque ouvi um estouro. Perguntei se estava havendo uma trovoada, porque ele foi subseqüente. Ao me encaminhar para a manifestação, que estava marcada para as 16h30min, pude observar o quanto estavam ostensivos o aparato policial e a agressividade. Vários de nós fomos empurrados, pisoteados, entre jornalistas, fotógrafos e repórteres. Houve pessoas que apanharam e apanharam muito, porque estavam ali fazendo o seu trabalho.

Ora, essas chamadas bombas de efeito moral trouxeram conseqüências, elas têm efeitos danosos e as pessoas foram feridas. Não pude mais suportar o gás lacrimogêneo, eu me senti mal e dirigi-me tonta para o carro para tentar abrigar-me. Ouvi de longe o som, que não chegava até aqui, que manifestava a preocupação do Vicentinho. Estive com ele, junto à tropa, para pedir que parassem com aquilo. Ao mesmo tempo, fizemos uma espécie de corrente humana para evitar que as pessoas se aproximassem. A multidão, então, começou a jogar pedras e paus, porque a polícia também estava ali com bombas de efeito moral e tiros de balas de borracha, que, todos sabemos, machucam.

Se houve uma provocação, caberia às autoridades, naquele momento, evitar que houvesse um conflito maior, ou melhor, que houvesse feridos. Era isso o que buscávamos: a paz.

O trabalhador brasileiro não merece o que aconteceu. Ele já está desempregado, já tem problemas, não precisa de polícia, e sim de emprego. Isso é o que estávamos buscando ontem.

A ostensividade da polícia mostrou que ela não está preparada para momentos como esse. Não basta chamar a polícia. Essa polícia, que foi homenageada e que diz estar preparada, está aparelhada para reprimir, e não para dar segurança ao povo. Ela não dialoga, a não ser por intermédio das armas. Se os revólveres fossem consentidos, teríamos levado muitos tiros, até de metralhadoras. Não é bem assim! Eles são trabalhadores e também querem garantir os seus empregos, mas são orientados para uma política repressiva, e não para aquela que traz tranqüilidade e segurança.

Por isso, é preciso rever os métodos de formação dos nossos policiais. Não quero tirar-lhes o emprego, pelo contrário. Quero que compreendam, na verdade, que também são grandes vítimas de um sistema viciado, repressivo, autoritário, que os formou fazendo com que vissem no seu semelhante um inimigo.

Foi isso o que aconteceu ontem. É por isso que estou nesta tribuna, como uma pessoa que luta pela paz, e não pela desordem; que vê que o único caminho democrático ainda existente para se conquistar direitos são as normas estabelecidas pela Constituição, que nós criamos, que é a organização dos trabalhadores, que são os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e a sociedade civil organizada. É para isso que aqui estamos.

Queremos manter o Congresso aberto não apenas para que possamos exercer a nossa autoridade, delegada pelo povo. Faço este apelo para que possamos, em futuras atividades, dialogar com a sociedade civil organizada.

Por outro lado, precisamos garantir segurança para toda e qualquer manifestação que possa ocorrer. Já fui à Itália, aos Estados Unidos, à França, à Alemanha e pude ver que em todos esses lugares as manifestações são naturais, há segurança para o povo, dentro do seu limite, e proteção para as autoridades.

Queremos o mesmo para Brasília e para o povo brasileiro.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1998 - Página 9114