Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE GRAVE CRISE MORAL E ETICA QUE ATINGE A SOCIEDADE BRASILEIRA, NA QUAL SE ENTRELAÇAM A INJUSTIÇA SOCIAL, INIQUIDADE E A CRIMINALIDADE.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NACIONAL.:
  • REFLEXÕES SOBRE GRAVE CRISE MORAL E ETICA QUE ATINGE A SOCIEDADE BRASILEIRA, NA QUAL SE ENTRELAÇAM A INJUSTIÇA SOCIAL, INIQUIDADE E A CRIMINALIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1998 - Página 9131
Assunto
Outros > POLITICA NACIONAL.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ETICA, MORAL, RESULTADO, AUMENTO, VIOLENCIA, AMBITO, SOCIEDADE CIVIL, PAIS.
  • DEFESA, PARTICIPAÇÃO, CIDADÃO, REESTRUTURAÇÃO, SOCIEDADE, COMBATE, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, AUMENTO, OCORRENCIA, CRIME, BRASIL.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na madrugada do dia 20 de abril de 1997, o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos foi queimado vivo enquanto dormia numa parada de ônibus em Brasília, por ter sido impedido de entrar na pensão onde estava hospedado.

           Muito já se disse, pensou e escreveu sobre esse deplorável e vergonhoso episódio que deixou o Brasil e o mundo estarrecidos com o nível de violência a que chegou a sociedade brasileira.

           O primeiro e mais importante dom que recebemos de Deus é o dom da vida; por isso mesmo devemos não apenas defendermos nossa vida mas, antes de tudo, respeitarmos, preservarmos e promovermos a vida de nossos irmãos.

           Isso se torna mais grave em relação aos mais fracos da sociedade: os enfermos, os idosos, os marginalizados, os pobres, os indígenas, os famintos, as vítimas da violência, dos preconceitos e das injustiças.

           Pais, educadores, cientistas sociais, políticos e todos quantos têm compromissos com os objetivos públicos continuam escandalizados e fazendo a pergunta: por que tanta maldade?

           As várias tentativas de explicação do fato ainda não conseguiram penetrar em todos os elementos subjacentes que poderiam explicar a verdadeira motivação que levaria jovens de classe média alta a cometer esse delito cruel.

           Não pretendo neste modesto pronunciamento analisar as chamadas tecnicalidades jurídicas que teriam levado a Justiça de Brasília a enquadrar como lesão corporal seguida de morte, ao invés de homicídio triplamente qualificado.

           O principal objetivo deste meu pronunciamento é fazer uma reflexão sobre esse assunto tão grave, que nos assusta a todos: pais, educadores, religiosos, políticos, pesquisadores, cientistas sociais e todos quantos se preocupam com o futuro de nosso País, sabendo evidentemente que é impossível esgotar todas as variáveis e condicionantes que estão envolvidas em casos dessa natureza.

           Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esse episódio representa o fracasso da sociedade brasileira como ambiente de convivência fraterna, de filhos da mesma pátria, de membros de uma mesma nação, sob a mesma língua, a mesma raça, a mesma bandeira.

           Vivemos numa sociedade sem solidariedade, com grande número de famílias desestruturadas, sem diálogo entre seus membros, em que o consumismo, a busca desenfreada do dinheiro e do prazer a qualquer custo, em detrimento da ética e do amor ao próximo.

           A falta de respeito aos direitos humanos e um sistema educacional que cuida exclusivamente de aspectos técnicos da educação, deixando de formar o cidadão, igualmente contribuem para essa situação caótica por que passa a sociedade brasileira deste fim de século. 

           Apesar de o fenômeno da violência apresentar características mundiais e ocorrer tanto em sociedades desenvolvidas como nas mais pobres, é necessário meditarmos com mais cuidado sobre uma espécie de onda de crimes hediondos que varre o planeta.

           Tomamos conhecimento, estarrecidos, de crimes cometidos por crianças na Inglaterra e Estados Unidos, com requintes de crueldade, crimes premeditados, com longo tempo de preparação, com disponibilidade de armas existentes em grande número de famílias.

           Temos o problema da grande influência exercida pela televisão e pelos jogos infantis, os chamados videogames, que apresentam falsos heróis e cenas de brutalidade que certamente contribuem para deturpar e corromper as mentes e os corações de nossas crianças.

           A sociedade brasileira passa por grave crise ética e moral, em que se entrelaçam e se reforçam mutuamente a injustiça social, a impunidade e a criminalidade, os baixos níveis educacionais, a grave crise econômica e o desemprego, o que tem propiciado a marginalização da juventude que forma gangues, usa e abusa de álcool, drogas e armas.

           Sr. Presidente, o Brasil precisa urgentemente construir uma sociedade mais justa, mais solidária, mais igualitária, mais fraterna, pois todos nós brasileiros somos não apenas irmãos; somos também iguais, não apenas de acordo com a Constituição e com as leis, mas também do ponto de vista moral e ético.

           Para que o Brasil tenha futuro, possa conviver em paz com todos os seus filhos “é necessário criar uma mentalidade em que todos se dêem fraternalmente as mãos, o forte ajudando o fraco a crescer, oferecendo-lhe toda a sua competência, entusiasmo e amor desinteressado”, como bem ensina a Encíclica Populorum Progressio.

           Precisamos melhorar a distribuição de renda do Brasil, para sairmos da atual situação esdrúxula, em que somos uma das dez maiores economias do mundo e não conseguimos impedir que nossos irmãos morram de fome, sejam injustiçados.

           Não temos as respostas para todas as complexas questões envolvidas na problemática da violência nem, tampouco, dispomos de meios eficazes de solucionar o problema em suas raízes, em que se destacam o egoísmo, o individualismo, os privilégios, a busca exagerada do poder, do dinheiro e do prazer.

           Precisamos melhorar nosso sistema educacional, não apenas para dar condições de ascensão social aos mais fracos mas, igualmente, para incorporar valores éticos e morais, capazes de nos ajudar na construção de uma sociedade mais solidária.

           Não podemos aceitar a violência, em todas as suas formas, como uma força que parece dominar a sociedade brasileira atual.

           Precisamos repensar a sociedade brasileira, seus rumos, seus valores, a fim de que a violência não gere mais violência, num círculo vicioso brutal e preocupante, em que o Brasil poderá entrar num processo de decomposição social, em que alguns muitos ricos entrarão em choque com a grande maioria de pobres.

           Não podemos viver numa sociedade formada por oprimidos e opressores: o Brasil precisa urgentemente combater todas as formas de exclusão social e propiciar uma vida mais digna a todos os seus filhos.

           O mundo globalizado em que vivemos globalizou e banalizou a violência, por meio da televisão, jornais, revistas, filmes, jogos, vídeos, livros e outros meios. 

           O Brasil precisa educar e proteger sua juventude da influência maléfica daqueles que ganham fortunas propagando a violência e o desprezo pela pessoa humana.

           Queremos que se faça justiça no caso do índio Galdino e queremos mais do que isto: queremos cortar o mal pela raiz e evitar que essa praga da violência se propague como um vírus incontrolável. Queremos que o Brasil não mais ofereça condições para esses episódios se repitam.

           O Brasil, para ter um verdadeiro desenvolvimento econômico, social e político, não pode deixar à beira do caminho os pobres, os índios, os negros, as crianças e todos os demais nossos irmãos marginalizados.

           Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não queremos discutir a decisão da Justiça de Brasília sobre a morte do índio Galdino nem, tampouco, diluir a responsabilidade afirmando que a culpa é de toda a sociedade brasileira.

           Queremos, sim, que todos os brasileiros que têm responsabilidades sociais não apenas reflitam seriamente sobre esse grave problema mas participem efetivamente das tarefas de reconstrução de nossa sociedade tão desgastada pelo egoísmo e pela falta de solidariedade.

           Nessa tarefa, sim, a responsabilidade é de todos nós, homens e mulheres de boa vontade responsáveis pela construção de um Brasil melhor e mais justo.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1998 - Página 9131