Discurso no Senado Federal

ANALISE DA CRISE NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.

Autor
Guilherme Palmeira (PFL - Partido da Frente Liberal/AL)
Nome completo: Guilherme Gracindo Soares Palmeira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • ANALISE DA CRISE NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.
Aparteantes
Casildo Maldaner.
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/1998 - Página 8680
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, APREENSÃO, GREVE, UNIVERSIDADE, BRASIL, IMPASSE, RESULTADO, INCOMPATIBILIDADE, PROPOSTA, PAULO RENATO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REIVINDICAÇÃO, REAJUSTAMENTO, SALARIO, CORPO DOCENTE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, FUNCIONAMENTO, UNIVERSIDADE FEDERAL, PAIS.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho a esta tribuna abordar um tema que já foi analisado com mais profundidade por diversos outros Senadores, como o Senador Jefferson Péres e o Senador Josaphat Marinho, que é a crise da universidade brasileira.

Nenhum dos Srs. Senadores que aqui mencionaram o problema conseguiram apontar soluções, evidentemente devido à complexidade da situação, e não à falta de conhecimento. Todavia, esse caminho precisa ser encontrado, seja pelo Governo Federal, seja pelo corpo docente, seja pelo corpo discente ou pelos diversos segmentos que compõem a nossa universidade.

É uma crise que se arrasta já há algum tempo, em prejuízo não só daqueles que estão ligados diretamente à universidade - professores, alunos -, mas também do País. Na hora em que um aluno perde praticamente meio ano letivo, dado ao arrastamento ou à preguiça mesmo das autoridades em encontrar uma solução, há um prejuízo muito grande para o nosso País. Quanto menos pessoas preparadas, quanto menos pessoas habilitadas, mais crescem as nossas dificuldades.

Sr. Presidente, nenhum de nós pode deixar de manifestar sua legítima preocupação com a greve das universidades federais, que está sob risco de gerar um impasse que não aproveita quem quer que seja e que prejudica indistintamente nada menos que 400 mil jovens em busca de formação profissional. Por isso mesmo, não podemos deixar de louvar a iniciativa da criação da Frente Parlamentar das Instituições de Ensino Superior, à qual, desde o início, dei a minha adesão e a minha solidariedade, desde que constituída com a participação de mais de uma centena de ilustres Congressistas e de inúmeros partidos representados em ambas as Casas do Congresso Nacional.

Todos nós sabemos que a ameaça do impasse reside na aparente impossibilidade de se harmonizar a proposta do ilustre Ministro Paulo Renato com as reivindicações salariais dos docentes e servidores, representados por suas entidades de classe. Na realidade, não são apenas índices de reajuste que se confrontam, mas as próprias concepções em torno do que é, atualmente, e do que deve ser a universidade pública que o Brasil quer, exige e da qual necessita para colaborar no processo do seu desenvolvimento.

Sem dúvida, são precárias as condições materiais das universidades públicas e também insatisfatórias as condições de remuneração da maioria dos seus professores, pesquisadores e funcionários. Mas também é incontestável que, como muitas das demais instituições públicas, as universidades oficiais padecem de distorções e desvios que não podem deixar de ser considerados na avaliação de sua realidade atual e que não podem ser evitados por este ou por aquele governo; por esta ou por aquela autoridade.

Não se trata aqui, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, de apurar culpas ou de apontar erros. Trata-se, creio, apenas de se constatar um fato pelo qual somos todos coletivamente responsáveis.

As deficiências decorrem de algo mais antigo, mais profundo e mais persistente do que simples concepções filosóficas que se confrontam e que opõem adeptos de um velho, desgastado e superado debate entre a escola pública versus escola privada, quando a questão a ser debatida é a existência de uma escola única de qualidade, seja ela pública ou privada. O problema, Srªs. e Srs. Senadores, permitam-me dizê-lo, é, no meu entendimento, um velho desafio histórico, e, como tal, supera modelos, concepções, políticas e ideologias. Todos sabemos que o Brasil foi virtualmente o último País deste continente a ter universidades. O conflito que se estabeleceu a partir daí deu origem, a meu ver, a outras questões que não são transcendentais, mas, ao contrário, marginais, na medida em que derivaram de um conflito expressamente refletido na Constituinte, quando a Subcomissão de Educação, como todos estão lembrados, foi a única que não chegou a estabelecer um projeto capaz de gerar consenso. Sinal de que o confronto supera questões de forma para se consubstanciar em questões de fundo.

Como a universidade brasileira é uma criação tardia, como tardias foram tantas das instituições sociais brasileiras, o problema se agravou, se agudizou e se radicalizou desde a sua fundação, nos idos do dramático ano de 1935, uma época de radicalização ideológica em todo o mundo, também refletida no Brasil. É desse conflito de posicionamentos políticos, filosóficos e ideológicos, mas de raízes históricas, que surge a questão que vem-se desdobrando ao longo dos anos, e que permanece até hoje sem solução, com crises interminentes e sucessivas. Todos os sistemas educacionais dominantes no mundo contemporâneo, à exceção dos que se implantaram nos países socialistas e que ainda predominam em nações como a China, a Coréia do Norte e Cuba, não têm uma matriz única e exclusiva, nem são um modelo fechado. Ou são predominantemente públicos, como na França e na Alemanha, ou são predominantemente mistos, como na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Mas ao dizer predominantemente, não dizemos exclusivamente. São importantíssimas as contribuições, num e noutro modelo, como de resto também no Brasil, do aporte feito pelas escolas e universidades confessionais, sejam católicas, sejam protestantes.

Este, Sr. Presidente, é um dado da realidade e não pode ser desconhecido, nem desprezado. É uma observação aplicável tanto ao ensino fundamental ou de primeiro grau, quanto de nível médio ou do chamado universitário ou de terceiro grau.

No caso da universidade brasileira, ela não só é tardia, como também em sua origem é oficial, na medida em que as duas primeiras instituídas no País, a do antigo Distrito Federal e a USP, a Universidade de São Paulo, não nasceram de iniciativas do Governo Federal, mas, em ambos os casos, de outras esferas de poder, como todos sabemos. A decisão de juntar antigos estabelecimentos isolados de ensino superior vinculados ao antigo Ministério da Educação e Saúde, criado em 1930, na antiga Universidade do Brasil, na década de 40, com sede no Rio de Janeiro, terminou se multiplicando e se generalizando em todo o País, com a proliferação do modelo que se consagrou na existência de cinqüenta e quatro universidades federais, muito embora tenhamos apenas vinte e sete Estados e um Distrito Federal em nossa estrutura federativa. Esse processo de proliferação a partir do financiamento centralizado nos cofres da União e de gestão descentralizada, mas sem autonomia, é a raiz de uma instituição pedagogicamente - permitam-me os Srs. Senadores mais ligados à área, como o nosso querido Senador e jurista Josaphat Marinho - semi-autônoma, financeiramente dependente e administrativamente híbrida. Daí decorrem seus desvios e distorções, que o ex-reitor, hoje Ministro da Educação, Paulo Renato, não se cansa de diagnosticar.

Em razão desse processo de proliferação generalizada na esfera pública, acentuado nas décadas de 50 e 60, e que ocorreu também na esfera privada a partir das décadas de 70 e 80, o resultado é que o sistema educacional brasileiro tornou-se caótico, distorcido e incapaz de atender às necessidades do País. O que ocorre em relação ao ensino universitário verifica-se também nos demais níveis e tudo isso se reflete na existência de crianças em idade escolar que não têm acesso, por motivos econômicos e razões sociais, ao ensino básico, gerando a existência de dezessete milhões de analfabetos; de um ensino médio cujos padrões de desempenho são apontados como uma das deficiências do ensino de nível superior; e de um sistema universitário cuja qualidade só agora começa a ser aferida com o recém-instituído exame de qualificação, instituído às custas de tantas resistências pelo Ministro Paulo Renato.

O resultado é que temos universidades públicas e privadas de boa e má qualidade. Dispomos de centros de pesquisa de excelência em algumas instituições oficiais de ensino superior, mas sem sequer dispormos de pesquisa, mesmo que elementar, numa grande maioria. A integração dos três vértices que deveriam cumprir a missão da universidade, representados pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão, existe em algumas universidade e é desconhecido em outras. Em outras palavra, Sr. Presidente, demos tratamento simétrico a instituições sabidamente assimétricas em sua estrutura, organização, desempenho e resultados. E o que é pior: as de menor desempenho são, em geral, as de maior custo. Essas, Sr. Presidente, as distorções a que me referi no início do meu pronunciamento.

O próprio Congresso Nacional sempre foi prolífico em realizar inquéritos parlamentares sobre a educação no País, mas os conflitos ideológicos, políticos, conceituais e filosóficos que se agigantam lá fora se repetem aqui dentro, como se demonstrou na Constituinte, e, em razão disso, o debate perde em racionalidade enquanto o ensino perde em qualidade. Exatamente em decorrência de toda essa complexidade, as soluções são sempre provisórias, paliativas e ocasionais. E como são precárias, os problemas persistem, os desafios se agravam e as soluções são sempre postergadas.

Não adianta resolver a questão salarial através de uma conta de chegar entre os níveis e modalidades que oferece o Ministério da Educação e o que reivindicam as entidades de classe dos professores e funcionários. Parar aí a questão é adiar o problema, prolongar o conflito e protelar a correção dos desvios.

Todos os diagnósticos sobre as deficiências do sistema educacional brasileiro sempre apontaram para a excessiva concentração de recursos no ensino universitário, em detrimento da universalização do ensino fundamental. A política educacional do Presidente Fernando Henrique Cardoso se propôs a inverter esse quadro e está efetivamente começando a fazê-lo. Há custos nesse processo, e um deles, lamentavelmente, está se refletindo na precariedade das condições materiais das universidades federais. A oferta de autonomia universitária tem sido sistematicamente rejeitada por eminentes reitores e professores, que apontam o risco da privatização do ensino universitário público. Pelo visto, Srs. Senadores, não há possibilidade de aproximação possível, nem técnica, nem financeira, nem política, entre o que deseja o Governo e entre o que aspira a comunidade universitária oficial.

Srs. Senadores, o que me parece racionalmente impossível é termos autonomia na despesa, que não pode ter limites, e dependência na receita, que é física e financeiramente limitada às possibilidades de arrecadação.

Se quisermos resolver o problema das políticas públicas, como ensinou o ex-Ministro Mário Henrique Simonsen, torna-se impossível ter liberdade no ativo e incentivos no passivo, porque o balanço não fecha. Para resolvermos as aspirações de bem-estar e desenvolvimento econômico e social, não basta distribuirmos as proporções do PIB, mas temos que nos limitar a proporções da carga fiscal que já ultrapassou 31% do PIB. Não basta ordenarmos as contas públicas na área federal, porque, na maioria delas, há responsabilidades compartidas entre União, estados e municípios, como é o caso da educação, da saúde e da segurança pública. Como sabemos, todas elas vão mal nas três esferas de poder.

Como dizia, no Senado do Império, o grande jurista Pimenta Bueno, “todas as constituições derivam historicamente umas das outras”. Resolvida a questão histórica, dizia ele, resolve-se o problema. Assim ocorre com relação à educação, à saúde, à segurança, à previdência e a todas as questões sociais. Umas derivam historicamente das outras e resolvê-las historicamente significaria também solucioná-las definitivamente.

O que, a meu ver, Sr. Presidente - já concluindo - se torna razoável e imperativo é resolver a questão histórica da Universidade Pública. Elas devem ter a oportunidade de decidir, em conjunto com o Governo, que representa a sociedade que pagou seus investimentos, seu patrimônio e todos os seus dispêndios, o caminho e a alternativa que querem escolher. Ou têm autonomia de gestão e fixação nos seus limites de financiamento em função de seu desempenho e do serviço que prestam à sociedade a que servem, ou dependem exclusivamente do poder público e não podem ter autonomia de gestão administrativa, pedagógica e financeira, com o que correm o risco de deixar de ser universidades, em seu sentido e significação históricas. Este, a meu ver, é o caminho para se resolver o impasse histórico, o conflito político e o confronto ideológico que está na raiz dos problemas e desafios da Universidade Pública Brasileira. A autonomia implica dever de correr riscos quanto ao seu próprio destino e qualidade. A submissão aos padrões burocráticos que regem a administração não impõe riscos nem deveres, mas sim a possibilidade de seu próprio desaparecimento como instituição.

Não é a retórica que vai resolver esse desafio. Não são os discursos que vão solucionar os problemas, mas o meu impulso, neste modesto pronunciamento se baseia na convicção de que assim como o pensamento precede a ação, a reflexão precede a solução.

É essa, Sr. Presidente, a única contribuição que posso dar neste debate, nesta reflexão, e na busca de soluções para o desafio histórico que enfrentam as universidades públicas brasileiras, o Governo, e, em última análise, professores, funcionários, alunos e a própria sociedade que quer o fim do impasse. Fora desse caminho de reflexão, análise e entendimento, a meu ver, a universidade pública não tem futuro, nem solução. E se isso ocorrer, quem perde não são os reitores, alunos, professores e funcionários: quem perde, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é o Brasil!

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - V. Exª me concede um aparte, Senador?

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Com muita honra, Senador.

O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Guilherme Palmeira, V. Exª usou a expressão “reflexão para se encontrar a solução”. Eu começaria por aí, pela profundidade e abrangência que essas palavras refletem. Por meio da reflexão encontraremos uma solução. Nesta tarde, da tribuna do Senado, V. Exª convoca toda a Nação, todo o mundo universitário, todos nós para refletirmos, para darmos uma parada, a fim de termos uma visão mais radiante desse universo. Admiro V. Exª não é de hoje, e agora ainda mais pelo pronunciamento meditado, paulatino, profundo, que faz hoje nesta Casa, onde faz uma reflexão sobre a história das universidades públicas do Brasil: o surgimento das primeiras instituições na década de 30, as razões por que surgiram, inclusive em função da guerra do café com leite, conforme a história relata; e mais tarde como o Poder Público Federal começou a absorvê-las; como diz V. Exª, só tardiamente a universidade veio para a América Latina. O Brasil é um dos países que em última instância têm conseguido isso. Para ser breve, Senador Guilherme Palmeira, o chamamento que V. Exª faz hoje, em função da paralisação das universidades federais - praticamente todas -, talvez até com um adendo, quem sabe até, num sinal de diálogo, porque ele é muito melhor do que o tiroteio - é melhor duas horas de diálogo do que cinco minutos de tiroteio; quem sabe daí possa surgir uma proposta e levanta-se a paralisação, ao mesmo tempo em que se constitui uma comissão representativa do mundo universitário, junto ao Governo Federal, para, quem sabe em 30 ou 60 dias, buscarmos alguns avanços nesse campo e repensarmos a universidade brasileira, através do chamamento de V. Exª; até para não haver esse prejuízo enorme que pode acontecer, comprometendo, segundo alguns, já o primeiro semestre deste ano. Para evitar maiores prejuízos, é necessário que haja o reencontro, haja uma reflexão verdadeira, como diz V. Exª, para encontrarmos uma solução nas próximas semanas ou nos próximos meses, através de uma comissão representativa. Meus cumprimentos, Senador Guilherme Palmeira.

O SR. GUILHERME PALMEIRA (PFL-AL) - Muito obrigado, Senador Casildo Maldaner, a contribuição de V. Exª dá o fecho que eu gostaria de dar ao meu pronunciamento. Esta Casa pode meditar sobre a sua idéia, levar para a apreciação do Governo, dos professores, dos funcionários, da universidade de uma maneira geral. A partir do debate, do diálogo e, como digo no meu pronunciamento, da reflexão, poderemos ter uma ação. Queremos é solução e esperamos encontrá-la, com a contribuição desta Casa, da Câmara, do Parlamento, dos homens que pensam neste País. O País não pode continuar a viver com essa interrogação em seu ensino superior; quer-se acertar o ensino de base, mas precisamos acertar o conjunto da educação brasileira.

Muito grato a V. Exª, Sr. Presidente, com as minhas desculpas por ter ultrapassado o tempo que me cabia; mas a minha intenção foi de ajudar em uma solução para esse gravíssimo problema que vive o Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/1998 - Página 8680