Discurso no Senado Federal

REUNIÃO DA SEGUNDA CUPULA DAS AMERICAS, REALIZADA NO ULTIMO MES DE ABRIL, PARA DISCUTIR A PRODUÇÃO, O TRAFICO E O CONSUMO DE DROGAS.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • REUNIÃO DA SEGUNDA CUPULA DAS AMERICAS, REALIZADA NO ULTIMO MES DE ABRIL, PARA DISCUTIR A PRODUÇÃO, O TRAFICO E O CONSUMO DE DROGAS.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/1998 - Página 9133
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, DIRIGENTE, PAIS ESTRANGEIRO, AMERICA DO SUL, OBJETIVO, DISCUSSÃO, PRODUÇÃO, TRAFICO, CONSUMO, DROGA, CRIAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, COMBATE, TRAFICO INTERNACIONAL.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a Segunda Cúpula das Américas - que vai reunir dirigentes das 32 nações do continente, neste mês de abril, em Santiago do Chile - será o palco ideal para que se discuta um dos problemas mais graves da atualidade: a produção, o tráfico e o consumo de drogas, fenômeno que vem se agravando nos últimos tempos e que já ameaça a estabilidade política de alguns países da nossa região.

           Freqüentemente, têm aparecido nos jornais pronunciamentos de diplomatas e de estudiosos do fenômeno das drogas sugerindo a criação de um organismo internacional - neste caso ligado à Organização dos Estados Americanos - OEA - para coordenar as ações contra o narcotráfico. Acreditam os especialistas que esse é o modo mais construtivo, solidário e respeitoso de encarar o problema.

           Esse organismo multinacional viria a se contrapor ao mecanismo de “certificação”, que funciona como ameaça ou pena, que é imposto, unilateralmente, pelos Estados Unidos, aos países que não se engajam na luta antidrogas. Desde 1987, o governo norte-americano dá uma “certificação” aos países que estão - no entender do parlamento estadunidense - combatendo, efetivamente, a produção e o tráfico de estupefacientes.

           Há três anos, foi negada a “certificação” à Colômbia, sob a alegação de que o presidente daquele país, Ernesto Samper, havia sido eleito com a ajuda de doações feitas por narcotraficantes. A retirada da “certificação” implica um verdadeiro boicote ao país acusado. Nesse caso, chegou-se ao exagero de impedir o presidente Ernesto Samper de ingressar nos Estados Unidos.

           É importante considerar que o mesmo rigor não foi imposto ao México, país por onde entra a maior parte das drogas que vão abastecer o mercado norte-americano. A retirada da “certificação” do México criaria grandes dificuldades no âmbito do Nafta, o bloco econômico formado pelos três países da América do Norte para se contrapor à Europa unificada. Isso deixa bem claro que “certificação” é um mecanismo puramente político, que pode estar sendo usado para outros fins que não o de combate ao tráfico.

           Acredita-se que o próprio presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, esteja inclinado a apoiar a criação desse organismo internacional, que lhe retiraria das mãos a antipática obrigação de, anualmente, ter de emitir as tais “certificações”. Como fere os mais elementares conceitos de diplomacia, esse mecanismo representa, para os Estados Unidos, mais uma fonte de atritos com os demais países americanos.

           Com o recurso da “certificação”, os Estados Unidos - a mais poderosa nação da terra, seja em termos econômicos ou militares - podem sufocar qualquer país do continente, sob o argumento de que a luta que desenvolvem contra a droga não é suficientemente dura. Esse recurso é totalmente inaceitável.

           Ora, a “certificação” norte-americana parte de uma suposição, muito ingênua, aliás, de que se pode medir a luta desenvolvida por um país contra o narcotráfico. Se isso fosse possível, as demais nações americanas poderiam, por exemplo, retirar a “certificação” dos Estados Unidos, porque o consumo de drogas, lá, está em curva ascendente.

           No entanto, sabemos todos do imenso - mas ainda insuficiente - esforço dos Estados Unidos em reduzir o uso de entorpecentes. É impressionante o número de pessoas que estão na cadeia por tráfico de drogas. São impressionantes, também, o aparato policial envolvido e os recursos financeiros mobilizados. Mas, mesmo assim, o riquíssimo mercado interno estadunidense sempre seduz mais pessoas a traficar. Sejam norte-americanos ou estrangeiros. E o problema continua a se agravar.

           No caso da Colômbia, a imposição dessa tal “certificação” representa uma funda injustiça, contra a qual devem se insurgir todos os países do continente, porque aquele país vem, inegavelmente, desenvolvendo um luta acirrada contra os traficantes. Os jornais mostram que, nos últimos anos, tem sido tremenda a guerra movida pelo Governo contra os cartéis de Cali e Medellin, com centenas de vítimas entre policiais, juízes e líderes políticos. É óbvio que a Colômbia está fazendo o que pode para enfrentar o narcotráfico.

           Analisando a “certificação”, disse o jornalista Rosental Calmon Alves, em artigo publicado em 1º de março deste ano, em O Globo:

           “A indignação da América Latina com o humilhante ritual, repetido desde o final de fevereiro de 1987, transformou-se nos últimos meses num sólido movimento diplomático que, felizmente, conseguiu sensibilizar o governo Clinton. Neste momento, a Casa Branca é um forte aliado para acabar com a certificação unilateral e criar um mecanismo similar num dos fóruns multilaterais, provavelmente da Organização dos Estados Americanos - OEA, no caso da América Latina”.

           O que não se pode menosprezar, em momento algum, é o extraordinário poder dos narcotraficantes. A droga ocupa, hoje, a terceira posição no comércio internacional, atrás apenas do petróleo e do trigo. Portanto, os barões da coca - que lavam seu dinheiro em todo o mundo, inclusive nos ditos países de Primeiro Mundo - são muito ricos e poderosos. São tão poderosos que continuam a desafiar os Estados Unidos ao venderem drogas naquele país, apesar do aparato policial, das penas rigorosas e das verbas multimilionárias usadas na repressão.

           Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a droga é o maior mal deste final de século. Gera morte e destruição por onde passa. Há entorpecentes para todos os bolsos, desde a cola de sapateiro, usada pelos meninos de rua, até à heroína dos magnatas, passando por maconha, crack, merla e cocaína. Os efeitos devastadores se espalham, assim, por todas as classes sociais. E atingem pessoas de todas as idades, mas especialmente os jovens, que buscam nos entorpecentes uma saída para seus problemas existenciais. É claro que a meta principal dos traficantes é a tomada dos mercados dos países mais ricos, da América do Norte e da Europa, mas, atualmente, aprofunda-se também nas demais nações. No caso do Brasil, por exemplo, o problema mais grave se concentra nas grandes cidades, mas também já chegou às pequenas cidades do interior. Está provado que o Brasil faz parte do corredor internacional do narcotráfico.

           A criação de um órgão interamericano permitirá o estabelecimento, aí sim, de políticas consensuais para enfrentar o problema em todas as suas dimensões. Antes de mais nada, é preciso considerar que a questão das drogas não se resume à repressão, por exemplo, do plantio, da elaboração e do transporte, mas também - e principalmente - do problema mais delicado, que é o do uso. Os Estados Unidos da América do Norte, que têm apenas 5% da população mundial, são responsáveis pela metade do consumo planetário de droga. A Europa gasta, hoje, US$ 4 bilhões de dólares por ano para combater o tráfico e para tratar seu um milhão de viciados em heroína.

           Os países americanos têm de construir, juntos, uma legislação que lhes permita o combate a esse mal. Se medidas adotadas impuserem restrições à soberania de algum país, só poderão existir com a aquiescência desse País. O certo é que essas medidas terão eficiência e validade porque foram aceitas por uma comunidade de nações independentes e não impostas, unilateralmente, por uma única potência. Estou certo de que, na Segunda Cúpula das Américas, no Chile, as nações do continente, de comum acordo, começarão a construir esse organismo interamericano para combater a grande praga deste final de século.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/1998 - Página 9133