Discurso no Senado Federal

APELO AO ENGAJAMENTO NA LUTA DE LIBERTAÇÃO POLITICA E ECONOMICA DOS POVOS AFRICANOS, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO DO TRIGESIMO QUINTO ANIVERSARIO DO 'DIA DA AFRICA', INSTITUIDO EM 25 DE MAIO DE 1963, POR OCASIÃO DA ASSINATURA DA 'CARTA AFRICANA'.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • APELO AO ENGAJAMENTO NA LUTA DE LIBERTAÇÃO POLITICA E ECONOMICA DOS POVOS AFRICANOS, POR OCASIÃO DO TRANSCURSO DO TRIGESIMO QUINTO ANIVERSARIO DO 'DIA DA AFRICA', INSTITUIDO EM 25 DE MAIO DE 1963, POR OCASIÃO DA ASSINATURA DA 'CARTA AFRICANA'.
Publicação
Publicação no DSF de 26/05/1998 - Página 9177
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, AFRICA, ANIVERSARIO, ASSINATURA, DOCUMENTO, PAIS ESTRANGEIRO, CONTINENTE, OBJETIVO, LIBERDADE, COLONIZAÇÃO, RESPEITO, SOBERANIA NACIONAL.
  • ANALISE, HISTORIA, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA, COMBATE, MISERIA, DEFESA, ORADOR, POLITICA EXTERNA, BRASIL, COLABORAÇÃO.

A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não poderia deixar de assinalar o Dia da África. Esta data, 25 de maio, lembra que, neste dia, no ano de 1963, trinta e três chefes de Estado, representantes das nações africanas, assinaram a “Carta Africana” em Addis-Abeba, externando o desejo de se unirem em torno da unidade e da libertação do continente. Os princípios desse documento foram: igualdade entre os Estados, não ingerência nos assuntos internos, respeito à soberania territorial, refletindo o desejo de livrar a África da exploração e opressão, o legado de séculos de colonização. A determinação dos representantes dos povos africanos refletia o desejo de livrar o continente da opressão, exploração e humilhação, para fazer triunfar a justiça e o direito dos povos em seguir seu próprio destino.

           Lembrada somente por suas tragédias naturais ou por suas guerras, que deixam milhões de vítimas, a nossa “Mãe África”, com raras exceções, está em segundo plano nas prioridades das grandes potências e entre os países do Terceiro Mundo.

           Ainda estamos muito distantes daquele ideal estabelecido em 1948 pela Assembléia Geral das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos do Homem: a dignidade inerente a todo ser humano, seus direitos inalienáveis, a liberdade de palavra, de crença, a justiça, a paz, o império da lei, a promoção de relações amistosas entre as nações, o progresso social, melhores condições de vida para todos os homens e mulheres.

           Os povos africanos até hoje sofrem as conseqüências negativas do passado colonial, em que o colonizador europeu, além da exploração predatória das riquezas econômicas africanas, deixou outras marcas de ordem social, política e geográfica, como a criação de fronteiras artificiais, separando etnias e obrigando grupos rivais a dividirem o mesmo espaço geográfico.

           A luta das nações africanas por seu verdadeiro desenvolvimento econômico, social e político, sem desprezar sua história, suas tradições e sua cultura, é uma luta que precisa ser apoiada por toda a comunidade internacional.

           Ouro no Zaire, petróleo na Nigéria, diamantes em Angola, recursos minerais e mão-de-obra abundante. Apesar de tantas riquezas naturais e terras férteis em quase todo o continente, o povo africano, em sua maioria, continua mergulhado na pobreza. E esta é, infelizmente, a notícia que corre o mundo. É preciso mudar esta visão, marcada pelo estereótipo e pelo preconceito. A África, como um todo, é vitima de enorme discriminação.

           A África é bem mais que um continente de países pobres e problemáticos. É uma terra de imensuráveis riquezas e potencialidades, com a qual o Brasil pode e deve estabelecer ligações de grande interesse. Os vínculos culturais e históricos facilitam esse processo e não podem ser esquecidos. Devemos ousar mais nas relações com o mundo africano, que está tão ou mais presente na formação da nacionalidade brasileira quanto o mundo europeu.

           O compromisso do Brasil deve ser com a mudança desse olhar sobre a África, resgatando a dignidade de um povo sofrido que, igual a nós, brasileiros, perseguem a estabilidade social, política e econômica. Não podemos nos esquecer que, acima de parceiros comerciais, somos irmãos que dividem a mesma história e a mesma cultura. É necessidade prioritária encontrarmos vias de cooperação para recuperarmos nossa história comum e vencer o preconceito, que transmite uma imagem estereotipada da África.

           A identidade étnica e cultural e a complementaridade econômica fazem do Brasil e África parceiros naturais do desenvolvimento.

           Historicamente, falta ao nosso país uma política mais incisiva em relação ao Continente Africano. O estreitamento dessa relação ajudará tanto o Brasil como os países africanos. Somos colaboradores do desenvolvimento da África.

           As nações africanas já deram os passos iniciais da longa caminhada para a construção de sociedades mais desenvolvidas econômica, política e socialmente.  A África de hoje tem a grande figura de estadista de Nelson Mandela, que brilha como exemplo de equilíbrio, visão, diálogo e entendimento.

           A estrada trilhada por Nelson Mandela é a mesma de grandes líderes que acreditam na democracia, na liberdade humana, em valores superiores, líderes como Martin Luther King e Mahatma Ghandi, verdadeiros democratas.

           A África possui, também, a figura exponencial de Kofi Annan, Secretário-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), nascido em Gana. Sobre estes dois líderes políticos africanos, gostaria de registrar a opinião do historiador Luiz Felipe de Alencastro, publicada no “Ponto de Vista” da revista “Veja”, que diz o seguinte:

           “Não obstante a perspicácia, o entendimento dos interlocutores e das situações de que o Secretário-Geral da ONU tem dado prova, aparecem aos observadores como qualidades intrínsecas de seu povo, de sua cultura negra, dos africanos. Desse modo. ao projetar-se como grande diplomata e arquiteto da paz, o ganense Kofi Annan oferece uma imagem de estadista que parecia até então constituir privilégio dos políticos ocidentais e de uns poucos asiáticos.

           A bem da verdade Nelson Mandela já havia inaugurado esse perfil africano, saindo de 27 anos de cárcere, para pacificar o seu país. Para empreender a jornada democrática que evitou o banho de sangue ao qual os sul-africanos de todas as raças pareciam estar condenados por causa do apartheid apoiado pelo Ocidente, inclusive pelo então secretário de Estado americano, Henry Kissinger, hoje armado em filósofo da paz universal.

           No final do milênio, Kofi Annan e Mandela dão a conhecer ao mundo inteiro o perfil eminente dos africanos que contrasta com a visão de violência, sofrimento e pobreza tradicionalmente atribuída ao Continente Negro. Algo que não deixará de ter impacto no Brasil, pátria da maior população negra existente fora do continente africano. De fato, o nosso racismo nasceu não somente da herança escravista e das teorias "científicas" sobre a inferioridade dos negros. Veio também da expansão colonialista na África nos últimos séculos, e há pouco tempo ainda, quando os Exércitos europeus demoliam os reinos africanos sob o pretexto de civilizá-los. Como respeitar os negros brasileiros na altura em que os jornais ingleses e franceses vangloriavam as virtudes dos colonos brancos, prontos a livrar a África do atraso dos africanos?

           Agora o quadro pode começar a mudar: os grandes estadistas africanos ajudam a reabilitar a imagem do negro, dos afro-americanos, dos afro-brasileiros. Grandes homens como Mandela. Como Kofi Annan, estadista do mundo, grande sábio, gente fina, negro-mina”.

           Quero deixar aqui o meu apelo mais sincero para que todos se engajem nessa luta de libertação política e econômica dos povos africanos. Que o dia vinte e cinco de maio não seja apenas mais uma data a relembrarmos. Que seja um marco nas mentes e corações de todos nós, que queremos uma humanidade digna, fraterna, livre e sem discriminações.

           Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/05/1998 - Página 9177