Discurso no Senado Federal

INEXISTENCIA DE APOIO AOS NOSSOS JOVENS ESCRITORES, RELEGADOS AO ANONIMATO PELA MIDIA E ABANDONADOS A PROPRIA SORTE PELAS AUTORIDADES DA AREA DA CULTURA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • INEXISTENCIA DE APOIO AOS NOSSOS JOVENS ESCRITORES, RELEGADOS AO ANONIMATO PELA MIDIA E ABANDONADOS A PROPRIA SORTE PELAS AUTORIDADES DA AREA DA CULTURA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/1998 - Página 9241
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • DEFESA, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, INICIATIVA, PROMOÇÃO, ESCRITOR, INCENTIVO, LITERATURA, RESGATE, OBRA LITERARIA, BRASIL.
  • DEFESA, APOIO, GOVERNO, INICIO, CARREIRA, ESCRITOR, ATUAÇÃO, LITERATURA, BRASIL.
  • ANALISE, REDUÇÃO, ESPAÇO, DESTINAÇÃO, ESCRITOR, POETA, PRODUÇÃO, OBRA LITERARIA, ENSAIO LITERARIO, CRITICA, LITERATURA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, JORNAL.
  • SUGESTÃO, GOVERNO, CRIAÇÃO, CONCURSO, AMBITO NACIONAL, LITERATURA, APOIO, INCENTIVO, ESCRITOR, PAIS, PARTICIPAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MINISTERIO DA CULTURA (MINC).
  • ANALISE, IMPORTANCIA, LITERATURA, FORMAÇÃO, POVO, PAIS.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srs. Senadores, venho hoje a esta tribuna para tratar de um assunto que me parece da maior importância, mas que, infelizmente, tem sido negligenciado aqui nesta Casa, embora tenham assento neste Plenário inúmeros e destacados intelectuais. Refiro-me à falta de apoio aos nossos jovens escritores, de um lado, relegados ao anonimato pela mídia, e, de outro, abandonados à própria sorte pelas autoridades da área da cultura, que poderiam e deveriam auxiliá-los.

Com a mesma intensidade, impressiona-me o descaso oficial para os grandes escritores do passado, cujas obras estão hoje confinadas apenas às bibliotecas, porque não se fazem novas edições. Estou aqui, portanto, para cobrar do Governo brasileiro iniciativas que motivem o escritor que se inicia na literatura e que resgatem os grandes livros da nacionalidade, hoje fora das livrarias.

Na verdade, mais do que exigir providências, vou apresentar aqui sugestões concretas para a superação dessas dificuldades. Começamos, porém, tratando da questão da imprensa, que, como se sabe, dedica um espaço cada vez menor à literatura brasileira e ainda mais reduzido aos escritores iniciantes. O que me move não é o desejo de criticar os jornais brasileiros, mas, sim, a vontade de fazer uma breve análise - passível de contestação, é claro - das mudanças sofridas pelo jornalismo literário brasileiro nos últimos anos. Assim, não estou aqui para censurar a imprensa brasileira, cuja liberdade plena foi assegurada pela Constituição de 1988 - e que tanto ajudei -, mas para alinhavar os motivos que, julgo, nos trouxeram à situação atual de quase indiferença frente aos jovens literatos.

Como é do conhecimento geral, a imprensa brasileira, tradicionalmente, sempre acolheu bem os escritores, seja dando espaço para divulgarem seus textos, seja como local de trabalho.

A verdade é que, nas últimas décadas, a imprensa brasileira tem crescido muito, e muito rapidamente. A Constituição de 1988 teve papel decisivo nesse avanço, pois proporcionou clima de liberdade dentro do qual a democracia pôde prosperar e, junto com ela, os jornais.

Se me limito, nesta análise, a falar em jornal é por considerá-lo veículo natural das elites intelectuais, que têm nas obras impressas o seu meio de expressão. As emissoras de rádio e televisão, pela sua abrangência, veículos de massa, são mais voltadas para o atendimento das necessidades culturais da grande maioria da população, que não tem a literatura no centro de seus interesses - embora, é preciso ressalvar, certos canais de rádio e televisão - os de menor audiência em geral - tratem, por vezes, com grande propriedade de livros e literatura.

Analisando, especificamente, as sessões ditas de Variedades, Artes ou Cultura dos grandes diários brasileiros, percebe-se, nos últimos dez ou quinze anos, uma mudança muito profunda no tratamento dado à literatura. O espaço dedicado à crítica literária, por exemplo, foi reduzido, quando não extinto. Em seu lugar, entrou a chamada resenha, apanhado rápido, meramente informativo, quase sempre limitado a muito pouco além da transcrição da “orelha” do livro. A par disso, nesse período, assistimos ao desaparecimento paulatino dos cadernos literários dos grandes jornais das províncias, substituídos por páginas semanais. O fato é que o espaço dedicado à ficção, à poesia e ao ensaio reduziu-se. Do pouco que resta, quase nada sobra para os que se iniciam nas letras.

No entanto, nesses mesmos anos, outros segmentos das artes tiveram seu espaço jornalístico ampliado. Foi o caso, por exemplo, do noticiário sobre programas de televisão, música popular e filmes em vídeo. Na verdade, o que houve foi um reordenamento da quantidade de páginas em função de uma maior preferência do público por esses tipos de divertimento. É de se destacar, por exemplo, o fato de que o Brasil é, hoje, o sexto mercado mundial de compact discs. A televisão, que entra hoje na quase totalidade das residências do País, tornou-se o principal veículo da cultura, posição anteriormente ocupada pelos jornais. As telenovelas brasileiras alcançaram um patamar de aceitação, que se transformaram em produtos culturais de exportação para o mundo todo, do mesmo modo que a nossa música expande-se internacionalmente.

Para entendermos bem o que se passou no campo do jornalismo literário, também é importante ter em mente que o público dos jornais brasileiros mudou - mudou e muito. Tradicionalmente, como disse, o jornal sempre foi o veículo das elites intelectuais. No entanto, no Brasil, nos últimos tempos, especialmente após o Plano Real, houve uma mudança acentuada no perfil do consumidor de periódicos. Estudos de mercado mostram que, com a melhoria de sua situação econômica, classes sociais menos privilegiadas passaram a consumir jornais. Essas classes, ascendentes, chegam com outros anseios, diversos do leitor tradicional, interessam-se muito por música popular, por exemplo. A música popular não exige a posse de um código especial e de uma chave para desvendá-lo como a literatura, que cobra o conhecimento da língua escrita. Tanto a música quanto a televisão podem ser fruídas mesmo pelos que têm baixa escolaridade.

Atentos ao que buscam os leitores, os jornais deslocaram seus noticiários culturais - e continuam deslocando - para os setores de maior demanda, justamente os que apontei anteriormente. Como as emissoras de televisão vêm fazendo há bastante tempo, os veículos impressos agora, acompanham, via consultas telefônicas diárias, o interesse de seus clientes. Com base nesse retorno, orientam o tratamento dos assuntos. É assim que se descobrem os temas que mais empolgam o leitor e, imediatamente, tratam de preencher essas lacunas. Agem desse modo, porque a concorrência entre os periódicos tornou-se muito acirrada, e nenhum deles quer perder espaço, ou seja, assinantes e leitores. Dentro desse quadro, é compreensível que se tenha reduzido o espaço para a literatura nos jornais, mesmo que a produção editorial venha crescendo em ritmo acelerado.

Sr. Presidente, aqui faço questão de fazer um parêntese, para chamar a atenção do Senado para o fato de que o mercado livreiro do Brasil movimentou, só no ano passado, US$1,9 bilhão com a venda de 384 milhões de exemplares.

O faturamento dobrou mais do que em relação a 1991, quando foram vendidos 290 milhões de livros por US$872 milhões. No que toca às editoras, houve a concentração da maioria das vendas em torno das 4 ou 5 maiores empresas, embora venham surgindo muitas outras de menor porte e que ocupam faixas específicas do mercado.

No caso dos Estados - e quero deixar bem clara essa circunstância - há editoras que atuam basicamente com a produção local e que, por não operarem em economia de escala, trabalham de maneira bem mais modesta, mas mesmo assim atendem à demanda regional.

Um outro fator a ser levado em consideração nesta questão é o do mercado livreiro, que passa, também ele, por substanciais alterações. Nas grandes cidades, percebe-se a concentração da venda de livros nos centros comerciais, em detrimento das livrarias tradicionais. Aliás, trata-se de fenômeno idêntico ao que ocorreu e vem ocorrendo com as salas de exibições de filmes, que também se concentram agora em shopping centers, bem policiados e dotados de todo o conforto. Além disso, crescem as vendas por meio da Internet.

Ora, dentro desse panorama, cabe sugerir - por isso a minha presença na tribuna e sei, Sr. Presidente, que respaldado também pelo que V. Exª entende sobre a matéria -, aos governos estaduais e ao Governo Federal que desenvolvam ou aprofundem - aqueles que a tenham -, uma política de defesa do livro e da literatura. Pelo que estou informado, o estado onde o apoio à literatura funciona ou funcionou em tempos recentes, com maior eficácia, é o Rio Grande do Sul - terra do nosso eminente Senador Pedro Simon. Nesse Estado, o Instituto Estadual do Livro, em convênio com editoras regionais, garante a publicação do melhor da produção literária gaúcha, mantendo um bom sistema de distribuição e divulgação desses trabalhos.

Na área federal, não se percebe interesse em encarar essa questão. Extinto no início dos anos 90, o Instituto Nacional do Livro teve, por muito tempo, atuação destacada, prestando relevantes serviços ao País, embora também tenha sido acusado, como incontáveis outras instituições brasileiras, das pragas do apadrinhamento e do compadrio.

Pesando todos esses fatores, creio que já está mais do que na hora de a Nação ter uma política efetiva, tanto de incentivo aos nossos escritores jovens, quanto de resgate dos clássicos esquecidos. Mas como, Sr. Presidente? Parece-nos que a realização, em âmbito nacional, de um concurso literário anual, contemplando prosa e poesia, seria o ideal para incentivar o surgimento de novos valores nas Letras. Aliás, o antigo Instituto Nacional do Livro manteve, por muitos anos, um concurso literário que premiou textos importantes. O que sugiro não é a reedição pura e simples desse prêmio, mas a realização de um concurso sob novas bases, consentâneas com os tempos em que vivemos.

Em primeiro lugar, creio que essa premiação não deve ser como antes, apenas monetária. O mais importante para um jovem escritor é ver a publicação de sua obra - e aqui, Sr. Presidente, faço um parêntese, porque o nosso eminente Senador José Sarney, que foi um escritor muito jovem e premiado e, agora, membro da nossa Academia Brasileira de Letras, deve estar relembrando o que quero dizer, pois foi no seu Governo, inclusive, que procuramos - vou tocar nesta circunstância mais adiante - dar incentivo à área cultural.

Isso deverá ser feito com o Ministério da Cultura - é o que sugiro -, recorrendo a uma parceria com editoras particulares, que se encarregariam de colocar o livro no mercado. O prêmio em dinheiro corresponderia ao pagamento dos direitos autorais. Além dos livros colocados pelas editoras nas livrarias, o Estado ficaria com parte da edição para distribuir à rede nacional de bibliotecas. Desse modo, além da publicação garantida, o autor teria assegurado a circulação de seu trabalho.

Se sugiro a realização de um concurso é porque essa tem sido, tradicionalmente, a porta para o surgimento de novos escritores no Brasil. Mas devo fazer uma advertência: o corpo de jurados desse concurso deve ser formado por pessoas de reconhecida capacidade literária e de moral ilibada. A qualidade do corpo de jurados é o que assegura respeitabilidade ao prêmio. Por fim, é indispensável que os concorrentes se inscrevam sob pseudônimos, para afastar qualquer possibilidade de manipulação dos resultados.

O concurso seria apenas o princípio de uma política de incentivo aos jovens valores. Acho que o Governo Federal deveria apoiar - com verbas, orientação e recursos humanos especializados - a realização de concursos similares no âmbito dos Estados, onde o isolamento dos escritores iniciantes é ainda mais dramático. É claro que isso deveria ser de iniciativa dos Governos estaduais, mas nós todos conhecemos bem as carências financeiras de quase todas as Unidades da Federação.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, vou interromper meu pronunciamento para ter o prazer de ouvir o eminente Senador Pedro Simon, que me honra em solicitar o aparte.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Senador Bernardo Cabral, fico muito feliz em ouvir o pronunciamento de V. Exª. Realmente, tinha que partir de V. Exª uma iniciativa oportuna, necessária e absolutamente justa como essa. Tem razão V. Exª ao dizer que tem diminuído, nos periódicos brasileiros, o espaço destinado à Literatura. Justiça seja feita a esses periódicos, pois tem aumentado muito o espaço destinado a filmes, a programas de televisão, a setores mais populares, que despertam uma maior atração do que a Literatura e a poesia. Por um lado, V. Exª estimula os novos escritores; e, de outro lado - V. Exª haverá de apresentar proposta -, os escritores já consagrados e, praticamente, já “arquivados” por parte do grande público. Essa proposta é feliz e oportuna. Não sei o que determinou a extinção do Instituto Nacional do Livro. No Rio Grande do Sul, o Instituto Estadual do Livro funciona muito bem. No meu Estado, publicam-se obras e pensamentos políticos de pessoas como Luiz Carlos Prestes, que é gaúcho, de pessoas ilustres como Pasqualini e de tantas outras não conhecidas pela mocidade de hoje. De outro lado, publicam-se, em concursos permanentes, obras de jovens poetas ou escritores, que, com isso, têm uma chance de aparecer. Por isso, a proposta de V. Exª quanto à realização de concursos é tremendamente oportuna. V. Exª lembra que muitos escritores tradicionais são esquecidos por parte do público. Talvez, uma fórmula de retomar a leitura das obras desses escritores - não sei o que V. Exª haverá de dizer - seja uma reedição orientada pelo próprio Estado. Essa seria uma fórmula oportuna e necessária. Eu gostaria de dar uma sugestão: com base no seu pronunciamento e nas suas propostas, poderíamos convidar para vir à Comissão o Ministro da Cultura, para que possamos discutir e analisar essas questões e para que S. Exª exponha o seu pensamento. Creio que, com sua proposta e com o debate travado com o Ministro da Cultura, todos nós teríamos muito a aprender e muito a somar. O pronunciamento de V. Exª, que é útil, importante e meritório, não deve se resumir apenas nisso, mas deve também gerar conseqüências, fatos positivos e concretos. Por exemplo, seria ótima a realização de um concurso. Também seria muito bom que convidássemos os encarregados dos órgãos culturais e dos jornais para discutirem aqui essa matéria. Por isso, felicito V. Exª. Aplaudo a sua proposta e sugiro que V. Exª convide ou convoque o Ministro da Cultura, para que, na nossa Comissão, possamos debater e aprofundar essa questão. Meus cumprimentos!

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Nobre Senador Pedro Simon, em primeiro lugar, quero dizer que sempre caminhamos em parceria. Penso que o último exemplo da “Operação Mãos Limpas” é significativo. A sua sugestão é daquelas que se acolhem logo ao primeiro julgamento, até porque revela que o conteúdo do meu discurso fica completo com a contribuição de V. Exª.

O Ministro Francisco Weffort, com quem V. Exª e eu temos convivido - sabemos do seu estofo cultural -, haverá de se sensibilizar. Vou tomar a iniciativa de combinar esse debate com S. Exª, dizendo de onde partiu essa sugestão, para que, juntos, possamos traduzir essa idéia. Não é possível que se continue como está.

Na nossa mocidade, começávamos a trabalhar nas redações dos jornais e aprendíamos a redigir. A leitura era obrigatória, e era ministrado um bom curso de Humanidades. Hoje, na nossa profissão, o bacharel que sai catapultado dessas faculdades de fim de semana acaba redigindo mal e postulando pior ainda; na defesa dos interesses ou no patrocínio dos direitos dos seus clientes, acaba gerando uma tragédia.

Por isso mesmo, eu tinha certeza de que não ficaria sozinho na tribuna. Haveria de ter uma voz como a de V. Exª, grandiloqüente, para me ajudar nessa empreitada. Com o aparte de V. Exª e com a presença dos intelectuais na tribuna, comandados pelo nosso Presidente Geraldo Melo, não fico só.

Penso que o Ministério da Cultura - esta é outra sugestão que faço, além da que fez o eminente Senador Pedro Simon - deveria estudar ainda a possibilidade de concessão de bolsas para que jovens escritores possam concretizar projetos literários. Em vários países do mundo, instituições privadas e oficiais concedem bolsas de trabalho a escritores novos. Isso poderia ser feito facilmente também no Brasil. Afinal, o Ministério da Educação não concede, anualmente, centenas de bolsas para estudantes de pós-graduação? Por que não conceder uma dezena delas a jovens promissores - indicados por um corpo respeitável de avaliadores -, para que realizem seus projetos?

Do mesmo esquecimento de que é vítima o escritor iniciante, sofre também o escritor do passado. Dezenas, talvez centenas, de livros considerados clássicos, essenciais para a compreensão do País, estão fora do mercado livreiro. Tais livros poderiam ser reeditados, caso o Estado apoiasse as editoras privadas, comprando delas parte das edições, a fim de distribuí-las entre a rede de bibliotecas públicas. Algumas dessas obras exigem investimentos maiores, ou porque têm muitas ilustrações, ou porque são volumosas, o que desanima os investidores privados. Entrando o Governo como parceiro na edição, esse problema seria superado.

Eminente Senador Pedro Simon, que me deu a honra do aparte, tanto no caso das reedições, quanto no da criação de um concurso de âmbito nacional de Literatura, o essencial é que se constituam corpos de jurados ou conselhos editoriais formados por cidadãos inatacáveis do ponto de vista intelectual ou moral. Os tempos modernos não convivem bem com qualquer tipo de manipulação, de panelinhas, de igrejinhas. Portanto, um corpo de consultores de alto nível garantiria a qualidade nos textos escolhidos, seja em concurso, seja para a reedição de clássicos. A respeitabilidade e a excelência desses cidadãos seriam a garantia de lisura nessas missões.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, entrando já na consideração de fatores econômicos e financeiros para a concretização das iniciativas que estou sugerindo - o concurso literário de âmbito nacional e a reedição de livros centrais da cultura brasileira -, eu diria que a Literatura é, hoje, a atividade artística que exige o patrocínio mais modesto. A montagem de peças de teatro e a produção de filmes, por exemplo, necessitam investimentos vultosos. A edição ou a co-edição de um livro, não. Se pudéssemos mensurar, eu diria que um livro deve custar centenas de vezes menos do que um filme. Ou, dito de outra forma: com o orçamento de uma produção cinematográfica poderiam ser levados ao prelo centenas de obras literárias. Com isso, quero advertir que, a partir de investimentos singelos, o Governo poderia dar um impulso excepcional à nossa literatura.

Em geral, quando se fala de artes, as pessoas evitam entrar em detalhes econômicos. Por isso, acredito que poucos dentre os Srs. Senadores têm uma idéia clara da extensão dos recursos financeiros e humanos empregados nos setores artísticos, no Brasil e no mundo. Nas cidades que mais recebem turistas, como Paris, Nova Iorque e Londres, os teatros e casas de espetáculos têm participação destacada na entrada de divisas, porque atraem milhares de espectadores. O mesmo ocorre com museus. Por exemplo, o Museu do Louvre, em Paris, recebe, anualmente, investimentos de 100 milhões de dólares do governo francês. Mas, em compensação, acolhe, todo ano, pelo menos cinco milhões de visitantes. Verbas aplicadas em cultura não podem ser consideradas como gastos, e sim como investimentos. Entre 1994 e 1996, por meio da Lei Rouanet, empresas privadas investiram em projetos culturais cerca de 192 milhões, o que, convenhamos, é muito pouco para um país com a riqueza cultural do Brasil. Quanto aos investimentos públicos, não se sabe quanto foi gasto. O Ministério da Cultura só agora começa a fazer um levantamento nesse sentido. E foi no Governo do então Presidente José Sarney, hoje no exercício do mandato de Senador, que nos orgulha com a sua presença, que se tomou conhecimento de investimento maior na cultura.

Apesar disso, em nosso País, os ramos mais pujantes, economicamente, das artes - a indústria discográfica e as telenovelas - empregam milhares de pessoas e giram cifras astronômicas. Um levantamento da lista de atividades sobre as quais incide o Imposto Sobre Serviços (ISS) mostrou que, das cem tarefas arroladas, pelo menos cinqüenta fazem parte da chamada economia subsidiária da cultura, tais como gráficas, informática, traduções, iluminação e consultorias. Graças a investimentos privados, o cinema brasileiro está renascendo. E renascendo dentro de um novo parâmetro de qualidade, como bem demonstram vários filmes recentes, dentre os quais dois que concorreram ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Em suma, embora isso possa parecer uma heresia, quero repetir uma frase que já se ouve com muita freqüência: cultura também é uma atividade econômica altamente rentável.

A cultura brasileira, como se sabe, é das mais ricas do mundo. País-continente, formado por povos vindos de todos os quadrantes e que aqui se miscigenaram de uma forma inédita, o Brasil tem muito a contar, por seus livros, filmes e música. Mas é preciso mostrar essa cultura ao mundo. E aqui começa o papel do Estado. Se o cinema e a música fazem, pelas próprias pernas, carreira internacional, o mesmo não se dá com a literatura, que necessita de apoio. Cabe ao Governo incentivar os produtores nacionais de cultura. No mundo globalizado, ao contrário do que se pensa, ganham força as produções regionais ou nacionais. Por isso, não basta que fiquemos esperando que o “deus” Mercado, dos liberais ortodoxos, resolva todos os problemas, dentre eles o da expressão cultural. As nações mais ricas destinam verbas generosas para apoiar e incentivar seus artistas e escritores. E nãose trata de paternalismo. É apenas a compreensão de que a tradução de um livro ou a exibição de um filme no exterior podem funcionar como pontes erguidas entre duas visões de mundo, duas culturas.

Limitei-me, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, neste pronunciamento, a enfatizar a importância do apoio aos escritores iniciantes e ao resgate das obras-primas dos mestres do passado, mas não posso deixar de mencionar que as iniciativas que proponho se inserem num contexto bem mais amplo, que é o da política para a área do livro. Se não quiser ficar à margem do progresso econômico, o Brasil vai ter que investir maciçamente em livros. O País precisa de mecanismos eficientes para incentivar o hábito de leitura, hoje ameaçado pelo avanço das mídias eletrônicas, que asseguram informação mas não garantem formação. O Governo tem que ampliar o acesso dos brasileiros ao livro, e isso se faz com a criação de bibliotecas e com a ampliação das hoje existentes. Aliás, existem apenas três mil bibliotecas em todo o País, número inexpressivo diante de nossa população. O Governo deve, ainda, desenvolver iniciativas que facilitem a aquisição de livros por parte dos mais pobres.

Por fim, para concluir, eu gostaria de destacar a importância da literatura para a vida de um país. Ninguém desconhece que as nações mais ricas do mundo são nações de leitores. Da mesma forma, sabe-se agora que o sucesso econômico recente de alguns países asiáticos decorreu de pesados investimentos na educação. Assim, hoje, mais do que nunca, a riqueza das nações está sendo determinada pelo nível intelectual médio dos seus cidadãos. A velha cantilena que ressaltava a importância das riquezas naturais, que ouvimos por tanto tempo, perdeu um pouco do seu encantamento. Temos que preparar, intelectualmente, nossos cidadãos para enfrentar o desafio da globalização. E, aí, o livro e a literatura são instrumentos fundamentais.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, encerrando este pronunciamento, lembro que a cada dia que se edita um livro estamos contribuindo para a grandeza de uma nação. Bibliotecas abertas são presídios fechados. Por isso mesmo, vendo que o Senado quer contribuir para a certeza de que está na hora, que as novas gerações precisam atentar para o lado intelectual, é que concluo dizendo, Sr. Presidente, muito obrigado pela cessão do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/1998 - Página 9241