Discurso no Senado Federal

REALIZAÇÃO, NAS DEPENDENCIAS DA CASA, DO IV ENCONTRO DO PARLAMENTO CULTURAL DO MERCOSUL - PARCUN. RAZÕES DE SUA POSIÇÃO CONTRARIA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • REALIZAÇÃO, NAS DEPENDENCIAS DA CASA, DO IV ENCONTRO DO PARLAMENTO CULTURAL DO MERCOSUL - PARCUN. RAZÕES DE SUA POSIÇÃO CONTRARIA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL.
Publicação
Publicação no DSF de 28/05/1998 - Página 9344
Assunto
Outros > MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, ENCONTRO, PARLAMENTO, CULTURA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEBATE, ASSUNTO, INTERESSE, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, URUGUAI, ARGENTINA.
  • JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, PRETENSÃO, REDUÇÃO, LIMITE DE IDADE, IMPUTAÇÃO, MENOR, ADOLESCENTE, RESPONSABILIDADE PENAL, BRASIL.

      A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço ao nobre Senador Geraldo Melo, na Presidência dos trabalhos da Casa neste momento, por ter permutado comigo, permitindo-me que pudesse fazer este pronunciamento.

      Em segundo lugar, registro que estou participando, por delegação do Presidente da Comissão de Educação, o nobre Senador Artur da Távola, juntamente com a nobre Senadora Emilia Fernandes, do Encontro de Legisladores que está acontecendo no Espaço Cultural denominado “Parlamento Cultural do Mercosul”, onde estamos tratando de assuntos de interesse do Mercosul, estando presentes algumas autoridades da América Latina. Faço esse registro porque daqui a pouco terei que me ausentar deste plenário para dar continuidade aos trabalhos iniciados hoje pela manhã e que irão até às 14h de amanhã.

      Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, até de certa forma tomando o princípio do Senador Lauro Campos, trago à tribuna, sempre que possível, uma contribuição para o debate de matérias que consideramos polêmicas, matérias que os jornais publicam e a respeito das quais nós, como parlamentares, somos questionados através da Rádio Senado e da TV Senado. Os leitores e eleitores têm mandado a esta Casa, através de manifestações diferenciadas, críticas e apoios.

      Tenho recebido críticas do Sr. Mariano Zatori Filho, de Seropédica, Rio de Janeiro. Ele considera lastimável a posição da Senadora Benedita da Silva sobre a redução da idade para a responsabilidade criminal de 18 para 16 anos. Na opinião dele, a redução de idade deveria ser feita dos 18 para 12, e não para 16 anos. Diz ele: “A Senadora, como moradora do Rio de Janeiro, bem conhece a situação que vivemos. A senhora está se portando como protetora de bandidos, o que é lastimável”.

      Pede-me o cidadão que eu reveja a minha posição. Ele estaria conferindo qual era exatamente o meu posicionamento e querendo saber se eu via alguma possibilidade de reduzir a idade de 18 anos. Quer saber se isso produziria algum resultado no Rio de Janeiro, e, caso positivo, qual seria.

      Fiz questão de responder. A TV Senado ofereceu-me a possibilidade de responder através de um programa. Recusei, disse que não responderia por intermédio da TV Senado, e, sim, da tribuna, porque penso que, como vários outros Srs. Senadores já têm enfocado essa questão, devo fazer coro a eles, aos que são contrários a diminuir a idade de 18 para 12 anos, como é a proposta colocada pelo Sr. Mariano Zatori Filho.

      O que é criança? Pessoa de até 12 anos incompletos. E adolescente? Pessoa de até 18 anos incompletos? Diz a Constituição Federal (artigo 228) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 104): “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

      Têm sido grandes as investidas contra a questão de punir menores de 18 anos. Muitas propostas tramitam neste Congresso Nacional, Senado e Câmara, propondo a revogação, pura e simples, do art. 228, da Constituição. Argumentam que casos deploráveis de violência chocaram a sociedade. Mas o próprio Governo é contra a redução da idade penal e decidiu combater qualquer campanha ou proposta para responsabilizar menores. “É uma estupidez mudar essas leis. Vamos fazer pressão no Congresso para que ele não vote qualquer mudança nesse sentido” - palavras do Conanda.

      As gangues ou quadrilhas de criminosos utilizam crianças no crime, porque essas não podem ser punidas. “Se esse limite for reduzido, o que vai ocorrer é que vamos empurrar crianças mais novas para o crime, até o limite fisiológico.”

      Encontramos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) mecanismos de ressocialização. Nosso Código Penal e o sistema penitenciário oferecem poucas possibilidades de recuperação e só fazem aumentar essa exclusão social. Aplicá-los aos menores de 18 anos só aumentaria o número de pessoas sujeitas a essa exclusão. Delitos menos graves, como furtos, geralmente não acabam em internação, o que evita que o menor que cometeu furto conviva com outro que matou uma pessoa.

      Estatísticas sobre menores infratores demonstram que os indicadores sociais desfavoráveis representam um problema mais significativo que a idade.

      É muito fácil encontrar um bode expiatório para a violência manifestada em situações que envolvem adolescentes e jovens infratores: o culpado passa a ser a agressividade do adolescente ou a fragilidade da lei, no caso o Estatuto da Criança e do Adolescente.

      Está previsto no artigo 27 do Código Penal de 1940 que: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Essa idade foi reafirmada pela Constituição de 1988. Portanto, não é uma inovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A Constituição, afinando-se com o que viria a ser, em 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança , considera a criança e o adolescente como sujeitos de direitos e deveres - como outro cidadãos - e também como seres em desenvolvimento. Crianças e adolescentes não são mais vistos como incapazes ou objetos.

      As condições sociais são levadas em conta no processo de manifestação da violência, condições em que se encontra a família onde nasce e vive a criança. A falta de informação, de instrução, de condições de subsistência das famílias e o desemprego aliados à falta de acesso à escola, à formação profissional, ao lazer e à vida cultural tornam-se condicionantes da exclusão social, da frustração. A presença do crime organizado, das redes de traficantes e exploradores sexuais, de receptadores e distribuidores de drogas, com a conivência de parte da polícia e de membros da elite política e econômica também propiciam condições para a prática da violência.

      A incapacidade do Estado de reprimir o crime organizado e de se fazer presente na solução cotidiana dos conflitos e na garantia efetiva dos direitos do cidadão leva a que a questão não seja solucionada.

      Não podemos nos esquecer de que a perda de valores e de referencias de identidade por parte das famílias e da sociedade, que convivem em um mundo de competitividade, do consumo e do marketing, reforçados pela nossa herança autoritária, leva à tendência de se resolver as coisas na marra, pela força bruta.

      Não é a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente e a redução da idade da inimputabilidade penal que vão diminuir a violência, mas a mudança das relações sociais e das condições de vida da população. A interação, a comunicação, a atenção máxima ao desenvolvimento da criança, a definição de regras claras e de limites de convivência fazem parte de um complexo processo de trabalho educativo. (Vicente de Paula Faleiros, coordenador do Centro de Referência, Estudos e Ações sobre a Criança e o Adolescente/CECRIA)

      O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Ato Infracional.

      O Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento que visa assegurar direitos a essas crianças, facilitar o acesso aos meios e recursos indispensáveis ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social de crianças e adolescentes, em condições de liberdade e dignidade.

      O desconhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente tem levado a população a uma visão distorcida dos avanços dessa lei no que concerne à proteção integral à criança e ao adolescente. Entre as distorções existentes, há pelo menos duas que precisam ser desmistificadas. Quero aqui acentuá-las.

      A primeira consiste em pensar que os atos infracionais praticados por adolescentes representam parcelas significativas dos crimes ocorridos no País. Apesar do aumento da violência e da criminalidade entre jovens nos grandes centros urbanos, segundo levantamento estatístico do jornal Folha de S. Paulo, menos de 8% dos crimes no Brasil são praticados por adolescentes. Com uma ressalva: são infrações leves, das quais os pequenos furtos são o maior exemplo. Os crimes de homicídio, latrocínio e outros de natureza mais grave ocorrem em número inexpressivo.

      A segunda distorção que gostaria de destacar é pensar que o Estatuto não prevê medidas que coíbam a prática de atos infracionais. Nesse sentido, foram previstas várias medidas: a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviço à comunidade, a liberdade assistida, a internação em estabelecimento educacional, como medida de privação da liberdade para os casos de grave infração. O objetivo principal das medidas é o seu caráter pedagógico e não punitivo.

      Exemplo: o caso do menor envolvido na morte do índio pataxó Galdino, em Brasília. Ele foi condenado à pena máxima prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente para casos de grave infração, ou seja, internação e período máximo de permanência (três anos) em estabelecimento educacional (neste caso, é o Centro de Atendimento Juvenil Especializado - CAJE, em Brasília). No último dia 11 de setembro de 1997, a Justiça do Distrito Federal livrou o acusado da condenação máxima (internação), substituindo-a pela liberdade assistida. Essa decisão causou protestos de várias naturezas.

      O Estatuto avança principalmente quando disciplina medidas sócioeducativas, porque incorpora a discussão mundial de que a privação da liberdade deve ser adotada em casos extremos, já que é comprovada a ineficácia do sistema penal tradicional (baseado na prisão) na recuperação do infrator.

      No Brasil, o sistema de privação de liberdade é um dos fatores de reincidência e de criminalidade violenta. Diante da falência do sistema, enviar todo e qualquer adolescente infrator ao regime de internamento seria concorrer para o aumento da criminalidade.

      O Estatuto muda radicalmente a idéia retribucionista repressiva por acreditar que é possível aplicar medidas pedagógicas para os adolescentes infratores, ao mesmo tempo em que garante os seus direitos e explicita suas obrigações.

      É evidente que a legislação por si não é suficiente para promover as mudanças. Somente com a criação de políticas públicas viáveis será possível alcançar a efetivação da cidadania da criança e do adolescente. O Estatuto prega que a política pública direcionada para a criança e o adolescente deve propugnar pela integração como forma de romper com a fragmentação até então verificada.

      No mesmo sentido, os órgãos de segurança e justiça e a sociedade civil organizada devem viabilizar a criação de uma rede de solidariedade com o intuito de superar os obstáculos existentes, como forma de colocar em prática os avanços do Estatuto.

      Registro aqui uma série de medidas socioeducativas, algumas delas já citadas. Faço também colocações a respeito da liberdade assistida e uma síntese com relação à violência na adolescência.

      Recente avaliação da Associação dos Comissários da Infância e da Juventude do Estado de São Paulo estima que a violência juvenil vem crescendo nas classes média e alta - não se trata de coisa de criança pobre apenas, apesar de a violência entre os jovens de classe pobre também estar aumentando. Dados do SOS Criança de São Paulo mostram que houve aumento de infrações graves cometidas por adolescentes de diferentes classes sociais.

      Concluindo, Sr. Presidente: no Rio de Janeiro, segundo estatística do Juizado de Menores, está havendo uma mudança no perfil dos infratores nos últimos anos. Crimes como roubo e furto estão sendo deixados em segundo plano pela venda de drogas.

      No início da década de 90, dos menores que cometiam infração, apenas 7% estavam envolvidos com tóxicos. A maioria dos infratores, 77%, cometia crimes contra o patrimônio: roubo, furto, latrocínio e dano. Já no ano passado, o índice de jovens em atividade no tráfico de drogas chegou a 42%.

      Estamos apresentando dados estatísticos que comprovam um quadro que se agrava no Estado do Rio de Janeiro, o qual “está colhendo frutos podres de uma política falida no sistema de atendimento ao menor”. Essa é uma das afirmações do Sr. Promotor Márcio Mothé, da Segunda Vara de Infância e da Juventude.

      Sr. Presidente, nesta minha intervenção, fica a resposta ao Sr. Mariano Zatori Filho, de Seropédica, do Rio de Janeiro. Espero que ele faça uma reflexão em torno dos argumentos aqui apresentados, das estatísticas e das medidas que estão sendo tomadas pelo Poder Público em relação à punição e que não queira reduzir a idade de 18 para 12 anos, porque isso é, sem dúvida, uma grande violência.

      Não estou de forma nenhuma protegendo bandido, mas apostando na infância e na adolescência brasileiras.

      Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/05/1998 - Página 9344