Pronunciamento de Edison Lobão em 27/05/1998
Discurso no Senado Federal
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTROVERTIDA QUESTÃO DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO E INTERNO BRASILEIRO.
- Autor
- Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
- Nome completo: Edison Lobão
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
- CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONTROVERTIDA QUESTÃO DO ENDIVIDAMENTO EXTERNO E INTERNO BRASILEIRO.
- Publicação
- Publicação no DSF de 28/05/1998 - Página 9351
- Assunto
- Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
- Indexação
-
- ANALISE, PROCESSO, AUMENTO, DIVIDA EXTERNA, ALTERAÇÃO, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, ENTRADA, CAPITAL ESPECULATIVO, CAPITAL ESTRANGEIRO, INVESTIMENTO, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, DIVIDA INTERNA, AMEAÇA, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, CRIAÇÃO, REAL.
- DEFESA, NECESSIDADE, CONTROLE, DEFICIT, SETOR PUBLICO, GARANTIA, MANUTENÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, PAIS.
O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, pretendo aqui tecer algumas considerações sobre a controvertida questão do endividamento brasileiro, sobre nossas dívidas externa e interna. Questão, de resto, mais que controvertida; ela é polêmica e impregnada de paixão política. De fato, enquanto o Governo afirma que as dívidas estão sob controle, a oposição proclama que elas acenam para uma segura e iminente catástrofe.
O endividamento externo, que era tema de graves preocupações nos anos 80, tem, nos últimos anos, freqüentado menos o noticiário. Já o endividamento interno, do qual pouco se falava então, tornou-se preocupação geral e candente neste Governo. Efetivamente, a renegociação da dívida externa, em 1992, parece ter disciplinado sua evolução, suas perspectivas e seu horizonte. Mesmo assim, os críticos do Governo apontam para o valor atual da dívida externa, impressionante: quase 200 bilhões de dólares; mais exatamente, em dezembro último, cerca de 193 bilhões de dólares.
No entanto, um olhar mais cuidadoso sobre o quadro do endividamento externo revela uma situação equilibrada, que não inspira maiores preocupações. Vejamos: entre dezembro de 1993 e dezembro último, o que cobre o período do Plano Real, a dívida externa passou de cerca de 146 bilhões de dólares para cerca de 193 bilhões, um aumento de 32% em quatro anos. Grande parte desse endividamento se explica pela acumulação de reservas internacionais, que aumentaram praticamente 100% nesse mesmo período, passando de 25,9 bilhões de dólares para 51,4 bilhões. A manutenção de grande reserva internacional decorre das políticas econômicas associadas ao programa de estabilização: a atração de capitais externos, a construção de uma camada de segurança que sirva de defesa contra uma especulação hostil ao real e que desencorage uma tal especulação.
Mas o que constitui a prova do equilíbrio em nosso endividamento externo é o fato de ter ele aumentado menos que nossas exportações, naquele mesmo período: 32% versus 37%. A boa norma de finanças públicas internacionais é manter o crescimento da dívida externa abaixo do crescimento das exportações, e isso vem sendo cumprido pelo Governo.
É interessante discriminar, na dívida externa, o que é endividamento de entidades de governo, nas suas três esferas, e o que se deve a endividamento de empresas privadas. A dívida externa pública chegou a diminuir 7% nesses quatro anos. O Setor Público realizou pagamentos substanciais de suas dívidas. Já o setor privado dobrou seu endividamento, que passou, em quatro anos, de 52 bilhões de dólares para 106 bilhões. Isso reflete o melhor crédito internacional do setor privado, em relação ao Setor Público, bem como o interesse das empresas privadas de fugirem dos altos juros internos, beneficiando-se das taxas internacionais, em média muito mais baixas. Esse crescimento do endividamento privado reflete uma dinâmica natural e saudável da economia e não precisa causar maior alarme.
Se o mero indicador “dívida externa total”, portanto, não é preocupante, isso não significa ausência de problemas no setor externo. Ao contrário, esses problemas existem. São características do Plano Real a manutenção de um real valorizado frente a outras moedas e o rebaixamento das tarifas de importação, para submeter a economia à realidade dos preços internacionais, estimular a sua eficiência e modernização e favorecer o consumidor. O resultado do real valorizado e da importação facilitada é, pelo menos inicialmente, dificuldade de exportar e excessiva facilidade de importar. Com a evolução e progresso de nossa economia, beneficiada pela moeda estável e pela competição mais direta com os mercados internacionais, espera-se que essas tendências encontrem um melhor ponto de equilíbrio. Recentemente, registrou-se uma melhora em nossas estatísticas de exportação: elas cresceram 10,9% em 1997. Mas, tomado o quadro dos últimos quatro anos, ele se apresenta desequilibrado.
Efetivamente, em 1993, véspera do Plano Real, a balança comercial tinha um superávit de 13,3 bilhões de dólares e o déficit da balança de transações correntes era muito pequeno, apenas 0,5 bilhão de dólares. O déficit de transações correntes inclui o da balança comercial e mais juros, fretes, seguros, turismo no exterior, dividendos remetidos ao exterior e royalties. Essas posições de 1993 se foram deteriorando, ano a ano, com transformação do superávit em déficit da balança comercial e fortíssimo aumento do déficit em transações correntes. Em 1997, os valores foram os seguintes: déficit da balança comercial, 8,4 bilhões de dólares; déficit em transações correntes, 33,4 bilhões de dólares. Portanto, uma situação de forte desequilíbrio, compensada apenas pelo intenso ingresso de capitais externos, tanto capitais de investimento real, como capitais financeiros, esses últimos de permanência menos confiável.
O capital de investimento, o capital saudável, vem afluindo em grande volume, graças à confiança das empresas nas perspectivas da economia brasileira e na seriedade da política econômica. Já o capital financeiro vem atraído pelas altas taxas internas de juros. Têm ambas as modalidades de capital externo a utilidade de equilibrar as contas externas e reforçar nossas reservas internacionais, que servem de âncora cambial à moeda brasileira. De qualquer modo, capital externo que entra significa emissão de reais, que, para não causarem inflação, têm que ser enxugados com emissão de títulos do Governo, o que nos leva à questão do endividamento interno.
Entre dezembro de 1993 e dezembro de 1997 ocorreu, de fato, um aumento explosivo desse endividamento. O montante atual da dívida interna é de 254 bilhões de reais. Eliminando-se o efeito da inflação, observamos um quadro de forte crescimento da emissão de títulos federais nesses últimos quatro anos: 264%, isto é, a dívida interna quase quadruplicou, em termos reais, na vigência do Plano Real. No entanto, pelas boas normas da administração pública, esse crescimento deveria apenas acompanhar o ritmo de crescimento do Produto Interno Bruto. Sabemos que o PIB, no Plano Real, já cresceu cerca de 17%. Entre 264% e 17% a disparidade é enorme.
Não é nada tranqüilizante, portanto, a situação da dívida interna. Ela pode se transformar no calcanhar-de-aquiles do Plano Real. É preciso total atenção para os fatores que estão pressionando esse endividamento, para que ele possa ser enfrentado. E esses fatores, em ordem crescente de importância, são: o afluxo de recursos do exterior, as altas taxas de juros internas e o déficit público.
Quanto aos recursos externos, já vimos que sua entrada no País tem como contrapartida a emissão de títulos públicos federais que pagam juros do mercado interno. Quanto aos juros, mesmo com a sua recente redução, os nossos estão entre os mais elevados do mundo. Seu nível máximo foi atingido durante a crise das bolsas asiáticas, em outubro passado. Naquela ocasião, a taxa de juros básica real chegou a 37,5% ao ano! Hoje, está em 23,5%, o que demonstra o meritório propósito de reduzi-la a patamares que viabilizem, num futuro que desejamos próximo, os investimentos voltados para os empreendimentos nacionais.
Note-se que, nos países desenvolvidos, a taxa média real é de apenas 2,9% ao ano, variando entre 0,5% no Japão e 5,4% na Itália. O importante é o mecanismo viciado: o Governo se endivida internamente e paga juros altíssimos sobre essa dívida, o que somente vem agravá-la, num efeito de bola de neve. E os juros são mantidos altos não só como característica inicial do plano de estabilização, mas porque o déficit público leva o Governo a se endividar.
O fator básico que pressiona o endividamento é, pois, o déficit, praga antiga de nossa Administração Pública, que o Governo do Plano Real ainda não conseguiu enfrentar de forma decisiva. Os esforços do Governo de implantar as reformas do Estado, tais como a Administrativa e a da Previdência, e de sanear as finanças estaduais são uma promessa de que o déficit público pode vir a ser superado. Mas, por enquanto, convivemos com uma grave realidade: o déficit público solapa as finanças públicas e incha a dívida interna.
Veja-se, por exemplo, o ano de 1997. Nele, as necessidades de financiamento do Setor Público atingiram 5,89% do PIB, refletindo a soma do déficit de 0,67% do PIB com as despesas com juros, que alcançaram 5,22%. Mesmo considerando os efeitos positivos das receitas de privatização nesse balanço, ainda resta um déficit público de cerca de 4%, em 1997. É um número que pesa de forma fortemente negativa em nossas contas públicas.
O Governo, de sua parte, afirma que o seu endividamento é alto, mas controlado. Uma evidência disso é o fato de que a dívida líquida total do Setor Público, interna mais externa, está estabilizada. De fato, a dívida, nesse conceito integrado, fechou, em 1997, em pouco mais de 34% do PIB, percentual moderado, se comparado ao de muitos outros países. O mais importante é que o mesmo percentual foi registrado no ano anterior, 1996, o que indica uma tendência à estabilização.
Sr. Presidente, evidentemente a situação das dívidas externa e interna do Brasil não justifica a condenação exaltada exercida pelos críticos do Governo. O próprio otimismo dos investidores internos e externos desmente isso. Mas a dívida interna e os juros altos merecem a nossa grave atenção e mesmo preocupação. Embora a inflação tenha sido debelada, sérias tensões pressionam o Plano Real. O programa de estabilização não contou com o necessário ajuste fiscal. Esse ajuste, teremos que enfrentá-lo, para que nossa economia possa evoluir e avançar com mais tranqüilidade.
O que nos resta fazer, enfim, é continuar batalhando arduamente, junto com a sociedade brasileira, para que os pontos em desequilíbrio da nossa economia sejam corrigidos, a começar pelo enxugamento das despesas e pelo êxito no combate ao déficit público.
Na área do comércio exterior muito tem feito o governo para ampliá-lo, ao mesmo tempo em que impõe freios aos eventuais abusos detectados na importação. Desejamos participar, como já estamos participando, dos negócios comerciais da comunidade internacional, mas naturalmente exigimos a igualdade de condições e de oportunidades. Jamais subiremos os degraus nessa escada da concorrência se os degraus dos nossos competidores são menos íngremes e mais suaves.
Os juros internos altíssimos - os maiores do mundo! - precisam encontrar um desfecho satisfatório antes que acabem de sufocar a nossa produção. Os tributos e os processos burocráticos também terão de encontrar um bom encaminhamento, para não pesar como um fardo sobre aqueles que neles encontram mais um sério tropeço aos seus empreendimentos.
Estamos vivendo uma conjuntura econômica difícil - como, de resto, grande parte dos países que compõem a comunidade internacional desenvolvida e em desenvolvimento. Não obstante, precisamos encontrar os meios para recuperar, por exemplo, as nossas rodovias do Norte e Nordeste, ou concluir a Norte-Sul, instrumentos da maior valia, se não indispensáveis, para a criação de infra-estruturas que multiplicariam as produções dirigidas ao comércio exterior.
O Congresso tem proporcionado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso um amplo apoio às medidas tidas como acertadas, propostas por sua administração. Eu me incluo entre os que estão convencidos da correção dessas medidas e acredito que assim também pense a grande maioria da população brasileira.
Persistir nesse apoio, confiando nos seus resultados benéficos, é, a meu ver, um dever patriótico.
Era o que eu tinha a dizer.