Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO, NA DATA DE HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO DIA NACIONAL DA REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA. ANALISE DA SAUDE DA MULHER NO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • COMEMORAÇÃO, NA DATA DE HOJE, DO DIA INTERNACIONAL DA AÇÃO PELA SAUDE DA MULHER E DO DIA NACIONAL DA REDUÇÃO DA MORTALIDADE MATERNA. ANALISE DA SAUDE DA MULHER NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1998 - Página 9428
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, PROMOÇÃO, SAUDE, MULHER.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, REDUÇÃO, INDICE, MORTE, MULHER, RESULTADO, MATERNIDADE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SAUDE, MULHER, BRASIL, NECESSIDADE, PROMOÇÃO, COMBATE, CANCER, EXCESSO, OCORRENCIA, MORTE, EFEITO, MATERNIDADE, PAIS.

A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço ao Sr. Senador Lúcio Alcântara por ter me cedido seu lugar na lista de oradores.

Trago à Casa um tema que já abordei em outras oportunidades. Hoje é um dia muito especial. Em 1987, aconteceu o 5º Encontro Internacional de Saúde da Mulher, na Costa Rica. Dentre os temas desenvolvidos, priorizamos a discussão sobre a saúde da mulher e consagramos o dia 28 de maio como o Dia Internacional da Ação pela Saúde da Mulher. Aqui no Brasil, comemoramos também o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna.

Portanto, este é um dia de mobilização e de reflexões, em que devemos debater abertamente a questão da saúde da mulher, as doenças como o câncer do colo de útero, que, hoje, representa 43% do total dos tumores ginecológicos e mata de cinco a dez mil mulheres por ano. No Brasil, a maior incidência está nas Regiões Norte e Centro-Oeste. O câncer de mama constitui-se na primeira causa de morte entre mulheres acima de 40 anos. O Instituto Nacional do Câncer constatou que, em 1997, mais de 6.700 mulheres morreram de câncer de mama no Brasil.

A taxa de mortalidade por câncer ginecológico estimada para 1998 pelo Ministério da Saúde é de 9,2 a cada 100 mil mulheres. No entanto, sabemos que os cuidados preventivos com a saúde podem evitar esses males.

Ontem tive a oportunidade de conversar com o Ministro da Saúde, Senador José Serra, que pediu o meu apoio às iniciativas do Ministério no que diz respeito à saúde da mulher. Disse-lhe que meu apoio já é dado primeiro por ser mulher, segundo por ser da área da saúde e terceiro porque reconheço o esforço do Ministério na implementação de algumas políticas públicas que garantam a saúde preventiva da mulher.

Acompanhei e contestei a diminuição de recursos para a continuidade do programa, não apenas quanto à campanha, mas também na descentralização da política nos municípios, a fim de que todas as mulheres, de diferentes classes sociais, pudessem ter alcance a esse serviço.

Neste Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, dirijo-me ao Ministro José Serra para dizer que estarei, onde sempre estive, acompanhando e apoiando iniciativas dessa natureza, que considero altamente necessárias, prioritárias e urgentes.

Ainda com relação aos dados estatísticos, verifica-se que a esterilização ocorre cada vez mais cedo e em parcelas crescentes. Um estudo do Ipea constatou que, atualmente, as mulheres são esterilizadas em média com 29 anos, sendo que a Região Centro-Oeste tem o maior índice (59%). No Rio de Janeiro, chega a 46%, onde a maioria dessas esterilizações ocorre durante o parto. Cerca de 60% das mulheres foram esterilizadas após uma cesariana e 26% de mulheres usam pílulas anticoncepcionais.

O número de cesarianas está acima das recomendações da Organização Mundial da Saúde; 600 mil mulheres morrem por complicações da gravidez, parto e puerpério; 99% dessas mortes ocorrem nos países chamados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e 60% das mortes relacionadas a gravidez são causadas pela hipertensão, hemorragias, abortos provocados e infecções decorrentes de cesárias.

A Organização Mundial de Saúde cita como principais causas de morte materna a falta de assistência médica, falta de informação e de acesso a métodos contraceptivos, abortos clandestinos, desnutrição, fome, baixa condição de vida, excesso de trabalho e péssima saúde geral.

A Conferência Mundial Sobre a Mulher definiu metas para o combate à mortalidade materna, com o objetivo de reduzi-la em pelo menos 50% dos níveis de 1990 até o ano 2000 - caso essas regras sejam aplicadas.

O medo é um elemento sempre presente entre as mulheres quando se refere aos fatos ligados à procriação. Em pesquisa intitulada Mortalidade Materna: uma questão social, de Maria Betânia Ávila (SOS Corpo - Recife), realizada na rede pública de saúde de Recife, junto aos profissionais de saúde, sobre como eles percebiam o estado emocional das mulheres quando chegavam para dar à luz. As respostas variavam entre “histéricas, nervosas e amedrontadas”.

Quando uma mulher morre de morte materna, deveríamos interrogar onde começou a se construir essa morte. Quais as condições de trabalho que teve durante a gravidez? Que método contraceptivo usou antes de engravidar? Fez pré-natal e com que qualidade?

“A mortalidade materna persiste como marca de um modelo de desenvolvimento social que tem se baseado em discriminações, onde mesmos os avanços dos conhecimentos científico e tecnológico não conseguem romper com uma ordem sócio-cultural, construída a partir de preconceitos de sexo, de raça e de classe. Vê-se exatamente o inverso, o uso da tecnologia a serviço da dominação. Os Serviços de Saúde são uma parte importante do cenário onde essa tragédia se realiza e que tem como um dos lugares fundamentais de origem a desvalorização da reprodução biológica.” 

As mortes maternas são aquelas ocorridas durante o ciclo gravídico- puerperal, em decorrência de complicações específicas desse período ou de doenças preexistentes ou adquiridas durante o mesmo, que complicam a gravidez, o parto e o puerpério.

Em uma publicação recente da OMS - Organização Mundial de Saúde - e UNICEF, que trata da questão da maternidade segura ou saudável, há o seguinte comentário: “A morte de uma mulher nesse período é um desastre - é um acontecimento desnecessário e uma perda que carrega uma carga enorme de tristeza e dor. Há uma sensação de crueldade nessas mortes, elas não deveriam ocorrer, a mulher não estava doente... e, mesmo assim, ela morre!”

Os vários estudos realizados em diferentes partes do Brasil, bem como as informações trazidas pelos numerosos comitês de estudos e prevenção de mortes maternas, mostram um fato que, pode-se dizer, é dramático: a quase totalidade das mortes maternas entre nós seria facilmente prevenível desde que houvesse um pré-natal adequado, quantitativa e qualitativamente, bem como, em numerosos casos, uma assistência ao parto digna desse nome. O fato de mais de 80% dos partos no Brasil ocorrerem em hospital não significa que eles sejam seguros!

Muito se fala sobre as taxas, índices e coeficientes de risco e mortalidade materna. A verdade que conhecemos até o momento é que, no Brasil, a subnotificação ou o sub-registro das mortes maternas é grande e piora à medida que se analisam as regiões mais pobres, justamente onde as mortes maternas são mais freqüentes. Desde a morte sem assistência médica, a existência de cemitérios clandestinos, o não-registro dos nascimentos e a alta mortalidade infantil em algumas regiões do País, até o preenchimento incorreto dos atestados de óbito e dos prontuários médicos, tudo isso contribui para que as taxas oficiais de morte materna sejam de duas a quatro vezes menores do que os índices reais.

A tradução dessa situação é: quanto vale a mortalidade materna no Brasil? A resposta tem que ser conseguida, pois, não há dúvida, trata-se de uma importante questão de cidadania!

A grave situação da assistência à saúde reprodutiva das mulheres vem sendo denunciada há muito. Dentro do panorama de deterioração da saúde pública, que afeta toda a população, as questões ligadas à sexualidade, gestação, parto ou puerpério trazem um outro agravante diante do qual não se justifica a indiferença ou sensibilidade - são fenômenos da vida e não da morte, da saúde e não da doença, ligados à existência da espécie e do planeta; não são temas individuais e esporádicos.

É fundamental que os números reais sobre mortalidade materna no Brasil sejam conhecidos, pois a mulher que morre de parto sem atendimento e é enterrada na roça, no sertão, e a jovem que faz um aborto em clínica clandestina nos grandes centros urbanos, morrendo de infecção dias depois, sem contar a ninguém o que lhe aconteceu, passarão a contar nas estatísticas. Assim, suas mortes não serão mais anônimas e clandestinas, mas sim uma denúncia das condições que as levaram ao óbito.

Por isso, neste Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher e no Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, eu não poderia deixar de ocupar esta tribuna para trazer tão relevante tema. Espero que ele encontre eco em outras iniciativas das políticas públicas; espero que ele encontre eco na escolha dos temas prioritários a serem debatidos e desenvolvidos nas nossas comissões e na tribuna do Senado Federal, em apoio a projetos de interesse nessa área.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1998 - Página 9428