Discurso no Senado Federal

ANALISE DOS RISCOS ENVOLVIDOS NA TRANSIÇÃO DO SISTEMA DE PREVIDENCIA SOCIAL PARA O REGIME DE PREVIDENCIA PRIVADA.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • ANALISE DOS RISCOS ENVOLVIDOS NA TRANSIÇÃO DO SISTEMA DE PREVIDENCIA SOCIAL PARA O REGIME DE PREVIDENCIA PRIVADA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/05/1998 - Página 9475
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, REFORMA CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIA SOCIAL, IMPORTANCIA, QUESTIONAMENTO, PRIVATIZAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, ALTERAÇÃO, SISTEMA, ESPECIFICAÇÃO, CUSTO, GARANTIA, DIREITOS SOCIAIS.
  • AVALIAÇÃO, MODELO, PREVIDENCIA SOCIAL, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, INFLUENCIA, AMERICA LATINA, REFORMULAÇÃO, BRASIL, NECESSIDADE, INFORMAÇÃO, PROBLEMA, SISTEMA.
  • CRITICA, GOVERNO, OMISSÃO, COMBATE, FRAUDE, SONEGAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL.

O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a atual trégua nos debates relativos à reforma da Previdência Social, ora em tramitação no Congresso Nacional, pode nos induzir ao erro de imaginar um possível abrandamento da discussão ou, mais grave ainda, fazer-nos supor que os principais aspectos da questão já foram trazidos ao conhecimento público.

           Nada mais falso. A pausa em razão do cumprimento dos trâmites e prazos legislativos não é sinal de arrefecimento dos ânimos mas, possivelmente, idêntica à calmaria que, às vezes, antecede a tempestade inevitável. Por outro lado, a concentração da discussão em tópicos pontuais - tais como a idade, o tempo de serviço e a redução dos benefícios - ocultou pontos essenciais da proposta e fragmentou o debate com conseqüentes perdas quanto à visão da abrangência e das implicações implícitas na reforma encaminhada pelo atual Governo.

           Nunca é demais lembrar que a questão fundamental por trás da polêmica existente é a da privatização das contribuições dos segurados e modificação da lógica de funcionamento da previdência. É preciso que não se perca de vista que a passagem da repartição para a capitalização individual significa a ruptura com o sistema distributivo, no qual a cotização dos ativos beneficia os inativos, passando para o sistema de capitalização individual, em que cada trabalhador aprovisiona para si, mediante fundos privados de previdência.

           Em pronunciamento anterior, demonstrei que a passagem do sistema de repartição atual para o de capitalização exigiria, caso fosse implantado no Brasil, uma fase de transição, cujos custos não são, de modo algum, desprezíveis, e cujo pagamento incumbirá a toda a sociedade.

           Hoje, Srªs. e Srs. Senadores, imbuído do mesmo propósito de aprofundar o debate a respeito do sistema previdenciário, tema de importância crucial para a organização da sociedade, trago a plenário outra face da questão. Refiro-me à avaliação dos modelos supostamente inspiradores do projeto de reforma da previdência brasileira.

           O paradigma da implantação do sistema de capitalização individual, freqüentemente apontado como matriz inspiradora do projeto brasileiro, é a reforma efetuada no Chile, que já influenciou mudanças ocorridas na Argentina, Uruguai, e outros países da América Latina. Nada mais lógico, portanto, que, na iminência de adotar modelo análogo para o País, proceda-se a um exame cauteloso dos resultados da reforma chilena.

           A experiência de privatização quase total da previdência imposta no Chile pela ditadura militar do General Pinochet foi a primeira no mundo. Um decreto-lei substituiu, em 1980, o sistema anterior pelo de capitalização individual, no qual cada pessoa deposita, obrigatoriamente, 10% de seu salário numa conta pessoal de uma Administradora de Fundos de Pensões. Sobre o valor do depósito é cobrada uma comissão de 30%, incluindo a remuneração da administradora e a taxa do seguro invalidez.

           Ao Estado restaram poucas funções, como a assistência social aos idosos muito pobres e a garantia parcial dos pagamentos de rendas se a seguradora quebrar.

           A privatização da previdência e outras medidas provocaram aumento recorde da poupança do país, mas produziram, também, desemprego de 20% e elevada concentração.

           As administradoras de fundos de pensão são as maiores aplicadoras de recursos no Chile e essa situação significa que as principais decisões de investimento do país estão nas mãos de quatro pessoas.

           Em março, essas administradoras acumulavam rentabilidades negativas de 2,9% no ano e de 1,2% nos últimos 12 meses. Metade das pessoas não está mais pagando as suas contribuições.

           A reforma argentina, por sua vez, definiu um sistema de transição misto, com repartição e capitalização. O problema mais sério é a redução do emprego com registro. No ano passado, pela primeira vez, a quantidade de trabalhadores informais superou a de trabalhadores formais. Isso significa que a maioria da população vai chegar à velhice sem proteção.

           A reforma uruguaia foi amplamente discutida, mas há insatisfações crescentes. O compromisso é pesado, as administradoras cobram 18,5% da contribuição bruta dos trabalhadores e as seguradoras exigem mais 10% na hora de pagar o benefício. Os sistemas adotados não são de contribuição definida, mas de retirada indefinida.

           Com se vê, Srªs. e Srs. Senadores, há sinais inequívocos de que a privatização dos sistemas de previdência, na linha proposta pelo Banco Mundial, começa a apresentar problemas.

           É preciso, pois, cautela, por parte de todos, e maior transparência por parte do Governo. Não é possível sonegar uma informação essencial para 32 milhões de contribuintes e 20 milhões de beneficiários: qual é, afinal, o projeto de reforma do sistema brasileiro de previdência?

           Há sérios indícios de que a propalada superioridade do modelo de privatização latino-americano é semelhante ao modelo de desenvolvimento dos chamados tigres asiáticos, ou seja, uma eficiência aparente incapaz de represar a fragilidade estrutural.

           Sei que há necessidade de mudanças e que o sistema de previdência estatal brasileira apresenta inúmeros problemas, tais como o alto custo, o desvio de recursos, a fraude, a sonegação e o déficit crônico. Entretanto, estou convicto de que é preciso elaborar uma alternativa capaz de solucionar esses problemas sem descurar de que a seguridade social deve ser tratada como um direito humano. Dessa forma, sua gestão não pode ser norteada pela rentabilidade mas pelo atendimento das necessidades dos associados.

           Os regimes públicos de repartição, de adoção majoritária, no mundo, já deram provas, ou longo de décadas, da sua estabilidade e, acima de tudo, da confiabilidade dos seus resultados, na grande maioria dos países. Seus fracassos devem-se a casos de gestão incompetente ou derrocada econômica geral.

           Já os regimes de capitalização - no mundo toda há, apenas, 8 regimes de associações de fundos de pensão - só excepcionalmente demonstraram, de modo convincente, sua capacidade de fazer frente às incertezas da evolução econômica, principalmente a longo prazo.

           A reforma da previdência vem sendo apontada, por técnicos do Governo e entre o mercado financeiro, como condição indispensável para a consolidação do Real, libertando-o do financiamento externo. Contudo, a julgar por estudos elaborados por órgão do próprio Governo - o IPEA, no regime dos fundos de pensão, a ampliação da poupança é limitada pois, após um período de crescimento, chega o momento em que os participantes se aposentam e começam a sacar seus recursos. A partir daí, toda a expansão da poupança relativa ao sistema previdenciário decorrerá, essencialmente, do crescimento demográfico.

           Dessa forma, devemos nos resguardar quanto às expectativas demasiadamente otimistas em relação aos resultados desse tipo de reforma, principalmente quando considerarmos os complexos mecanismos que se inserem no processo de formação de poupança e suas ralações com o crescimento econômico.

           Há, ainda, outros obstáculos, Srªs. e Srs. Senadores. Causa-me estranheza que o governo não tenha apresentado disposição para empreender uma reforma para valer na máquina oficial da previdência, combalida por sonegação de 43% do que deveria ser arrecadado e por fraudes equivalentes a 30% dos benefícios.

           Por último, Srªs. e Srs. Senadores, quero enfatizar que nenhum sistema de capitalização garante rentabilidade positiva. O benefício é incerto, mas a comissão é certa. O risco de mercado, valor fundamental do modelo neoliberal, opõe-se à essência da seguridade social, que pertence a outra esfera, não-individualista, mas de solidariedade, no sentido de responsabilidade de cada um em relação ao problema de todos.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/05/1998 - Página 9475