Discurso no Senado Federal

RELATO DE AUDIENCIA ESPECIAL COM O PAPA JOÃO PAULO II, REALIZADA EM MAIO ULTIMO, COORDENADA PELO GRUPO CRISTÃO DO PARLAMENTO BRASILEIRO. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DOS DISCURSOS FEITOS POR SUA SANTIDADE E POR DOM GERALDO MAJELLA AGNELO, EM MISSA NA CATEDRAL DO VATICANO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • RELATO DE AUDIENCIA ESPECIAL COM O PAPA JOÃO PAULO II, REALIZADA EM MAIO ULTIMO, COORDENADA PELO GRUPO CRISTÃO DO PARLAMENTO BRASILEIRO. TRANSCRIÇÃO NOS ANAIS DO SENADO DOS DISCURSOS FEITOS POR SUA SANTIDADE E POR DOM GERALDO MAJELLA AGNELO, EM MISSA NA CATEDRAL DO VATICANO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1998 - Página 9649
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA, PAPA, PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, BISPO, BRASIL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, JOÃO PAULO II, PAPA, GERALDO MAJELLA AGNELO, BISPO, IMPORTANCIA, DIVULGAÇÃO, CLASSE POLITICA, MENSAGEM (MSG), DEFESA, DEMOCRACIA, VALORIZAÇÃO, HOMEM.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LUCAS MOREIRA NEVES, CARDEAL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, durante o mês de maio, um grupo de Senadores, Deputados Federais e Estaduais, Prefeitos e Vereadores, inclusive o Vice-Presidente da República, Marco Maciel, e o Bispo Auxiliar do Rio Grande do Sul, D. Antonio Sheuishe, estiveram em Roma, participando de uma audiência especial com Sua Santidade o Papa. Essa reunião foi coordenada pelo chamado Grupo Cristão do Parlamento Brasileiro, que foi ouvir de Sua Santidade algumas palavras sobre o nosso País, o Brasil. No dia seguinte, O Observatório Romano publicou, com grande destaque, em português, as manifestações feitas pelo Papa à representação católica lá presente.

Chamo a atenção para alguns detalhes da fala de Sua Santidade, após a saudação feita pelo nosso grupo, por intermédio do companheiro e amigo, o Vice-Presidente Marco Maciel. O Brasil lá se apresentava como uma grande Nação cristã e católica. Seus Parlamentares estavam ali dispostos a falar e a ouvir o pensamento do Papa.

Peço a transcrição nos Anais do Senado Federal dos discursos feitos pelo Papa e por D. Geraldo Majella Agnelo na missa que S. Exª. Revmª., como a mais alta autoridade brasileira no Vaticano, realizou na Catedral do Vaticano para os brasileiros que lá se encontravam.

Chama-me a atenção a palavra do Papa, quando disse que se sentia feliz por falar aos representantes da querida Nação brasileira, do Congresso brasileiro, “cuja atuação deve poder espelhar as aspirações da grande maioria da população do Brasil”.

Em seu discurso, o Papa disse:

“O cristão comprometido na vida pública tem o dever de defender o homem e de promover os seus direitos, como qualquer outro político. Este dever, porém, cabe-lhe por maior razão, porque ele sabe que cada ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus e é chamado a ser, em Cristo, filho adotivo, para participar da sua mesma vida.”

Adiante, disse Sua Santidade:

“Entre as vossas missões, uma das mais importantes é, sem dúvida, o aperfeiçoamento permanente do corpo legislativo, a fim de que as leis estejam ao serviço da vida e de todas as pessoas. Uma legislação positiva não pode ser constituída independentemente do respeito da lei natural e dos valores morais fundamentais. Em nome do princípio democrático, não se pode questionar a dignidade inalienável de todo ser humano. Na Encíclica Centesimus annus, eu quis recordar que “uma democracia sem valores se converte facilmente num totalitarismo declarado ou dissimulado” (46).”

Uma democracia sem valores pode transformar-se num Estado totalitário, ainda que dissimulado. Reparem que Sua Santidade disse que deve haver democracia, mas que não é importante apenas o cenário da democracia, mas também o seu conteúdo, o que se faz dentro da democracia na busca da valorização da pessoa humana.

O Papa disse mais adiante:

“O direito à vida; o da dignidade da família e o da instrução religiosa nas escolas; a defesa das prerrogativas essenciais que exigem o mais fino e delicado respeito pela mulher brasileira e pela infância; o dever de garantir o direito ao trabalho e sua justa remuneração; o combate à seca; o empenho por garantir uma reforma agrária efetiva, justa e eficiente (cf. P. C. “Justiça e Paz”, 23-XI-1997, n. 35); e, para não citar outros, a preocupação pela correta aplicação das leis vigentes tanto no amparo dos migrantes, quanto das populações indígenas. Que Deus siga abençoando esse esforço conjunto, permeado de caridade cristã, especialmente quando dedicado à família brasileira.”

Essas foram as palavras de Sua Santidade o Papa. Mas, na missa do Vaticano, D. Geraldo Majella Agnelo - que esteve na sua terra, o Paraná, nobre Senador, onde foi recebido com muita alegria por uma grande delegação -, continuando as palavras de Sua Santidade, na sua pregação aos parlamentares católicos na missa do Vaticano, disse:

“Neste mesmo templo, onde palpita forte o coração do mundo católico, celebrou-se, nos anos 60, o Concílio Ecumênico Vaticano II, com a participação dos Bispos católicos de todo o mundo... Aquela Assembléia solene e extraordinária, que bem pode ser comparada a uma “Assembléia Constituinte” da Igreja, reconheceu aos leigos cristãos, com particular atenção aos que se dedicam à atuação política, um lugar e uma missão de primeira ordem, não somente no que se refere às responsabilidades da vida e da missão eclesiais, mas enfatiza aquilo que se refere à missão e ao apostolado dos leigos, isto é, que são arautos do Evangelho de Cristo e representantes da Igreja em meio aos muitos campos da vida do homem em sociedade”.

“Os católicos” - observa o ilustre prelado - “versados em política, e devidamente firmes na fé e na doutrina cristã, não recusem cargos públicos, se puderem por uma digna administração prover o bem comum e ao mesmo tempo abrir caminho para o Evangelho”.

“A política autêntica” - diz Dom Agnelo - “é verdadeiro ´serviço ao bem comum` de toda a população. ´O bem comum compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a perfeição”.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Pedro Simon, interrompo-o só por um instante, para que a Mesa prorrogue o Expediente, a fim de que V. Exª possa concluir o seu discurso.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Muito obrigado a V. Exª.

E continua Dom Agnelo:

“Em regime de urgência os que estão à margem dos benefícios da vida social e econômica. João Paulo II escreve na Solicitudo Rei Socialis: ´A solidariedade não é um sentimento de vaga compaixão ou de enternecimento superficial pelos males sofridos por tantas pessoas, próximas ou distantes. Pelo contrário, é a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum; ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos.

O político cristão” - diz Dom Agnelo - “deve ser defensor e promotor dos princípios antropológicos e éticos coerentes com a verdadeira natureza do homem e com a fé cristã, que deveriam ser norteadores da convivência social e de uma cultura iluminada pelo Evangelho.”

Disse S. Exª Revmª:

      “Assim, não podem ser deixados em segundo plano:

      a) o respeito à inviolável dignidade de cada pessoa humana em todas as fases de sua existência, e o respeito pelos seus direitos fundamentais...

      b) a defesa firme da vida e da família, como “santuário da vida” e da dignidade da pessoa...

      c) a justa e desejável participação de todos na organização da sociedade e a adequada distribuição das competências, segundo o princípio da subsidiaridade...

      d) o incentivo da solidariedade em todos os âmbitos da convivência social...

      e) o respeito à ética na vida pública e à honestidade na gestão e destinação dos recursos do bem público...

     f) a promoção da justiça social, quer na vida interna de cada Nação, como também na convivência das Nações e dos Estados, como condição indispensável para que se possa chegar a uma verdadeira paz...

Algumas questões” - continua Dom Agnelo - “estão especialmente no centro da preocupação do Magistério pontifício:

- o homem, na sua dupla dimensão pessoal e social, deve estar no centro de toda a vida econômica, social e política, cujos programas, por isso mesmo, não devem ser contra ele, mas estar a seu serviço (cf Populorum Progressio,34).

- o verdadeiro desenvolvimento social e o direito a uma existência digna e à participação de todos no bem comum. (Sollicitudo Rei Socialis).

- a organização do trabalho, como chave de compreensão e de solução da questão social (cf Sol. Rei Soc. 8,2-3); concretamente, o trabalho do homem e da mulher representa o instrumento mais comum e mais imediato para o progresso da vida econômica, instrumento que constitui simultaneamente um direito e um dever de cada homem (cf Christi Fidelis Laici, 43).

- a destinação universal” - não é Marx que estou lendo, é a encíclica, são Sua Santidade e o ilustre representante do Brasil, Dom Agnelo, que dizem isso - “dos bens da criação e a distribuição equânime dos frutos do trabalho e do progresso humano, com especial acento sobre a questão da propriedade e da distribuição das terras e dos outros meios de produção; a propriedade privada possui uma intrínseca função social (cf Centésimus Annus).

- o acesso, tornado possível e assegurado a todos, ao trabalho e à justa remuneração, à moradia digna, à educação, à saúde, à previdência, à assistência social.” (Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Populorum Progressio).”

“Ao mesmo tempo, o Magistério da Igreja” - continua S. Exª Revmª - “encoraja o cristão leigo a participar da vida pública, como dever de um verdadeiro apostolado e uma forma eminente de realização de uma vocação humana e cristã. Continuam sempre atuais as insistentes palavras do Papa João XXIII na encíclica Pacem in Terris: ´Mais uma vez gostaríamos de chamar a atenção de nossos filhos para o seu dever de participarem ativamente na vida pública e de contribuírem na realização do bem comum da família humana e da própria comunidade política; e, portanto, de empenhar-se, à luz da fé e com a força do amor, para que as instituições que têm finalidade econômica, social, cultural e política não somente não criem obstáculos, mas, sobretudo, facilitem para as pessoas, ou tornem menos árduo o seu aperfeiçoamento, quer na ordem natural como na ordem sobrenatural`.”

E conclui:

“Fazendo seus esses princípios norteadores da vida e organização social, econômica e política, que são coerentes com o Evangelho, o político cristão recordar que ´o discípulo não é superior ao mestre` (...) ´nem o servidor, maior que o seu chefe` (Jo 15,20). O leigo cristão, que milita na política com sã consciência, poderá sentir muitas vezes na sua própria vida a resistência e até mesmo a perseguição por parte de quem se opõe à promoção dos valores da justiça e do verdadeiro bem comum. Mas é preciso não se desencorajar e continuar a acreditar na eficácia das propostas que o político cristão tem a propor e a defender na vida em sociedade.

Que o Senhor Jesus, que disse: ´tenham confiança, eu venci o mundo` (Jo 16,22), conceda a todos as luzes do Espírito Santo e acompanhe os Parlamentares cristãos que se encontram aqui.”

Sr. Presidente, peço a transcrição nos Anais dos pronunciamentos de Sua Santidade o Papa e de S. Exª Revmª, Dom Geraldo Majella Agnelo. Não me sobra tempo para ler o artigo “Parlamentares no Vaticano”, de Dom Lucas Moreira Neves, Cardeal Primaz do Brasil, mas gostaria que também fosse transcrito nos Anais do Senado. Poderia referir-me, ainda, ao pronunciamento de nosso querido Dom Antonio Sheuishe, que conosco representou o Brasil.

Seria muito importante - não sei se é viável - que a direção da Casa remetesse esses pronunciamentos aos Parlamentares de todo o Brasil, pois, independentemente de provirem de uma entidade católica, trata-se de princípios cristãos e, na minha opinião, universais. O evento foi publicado com enorme destaque na capa, em página inteira, do L`Osservatore Romano, em português, e seria interessante que chegasse aos lares dos Prefeitos, Parlamentares, políticos de um modo geral.

Foi oportuna e objetiva a ida dos Parlamentares. Levamos a Sua Santidade um pensamento e um sentimento. E o que é mais importante: foi extraordinariamente emocionante. Sr. Presidente, tínhamos diante de nós um mártir, uma pessoa que se arrastava fisicamente. Na verdade, o seu físico está muito frágil para a sua idade. Olhamos com pena e comiseração ao vê-lo expor-se àquele sacrifício.

A nossa era a terceira de uma série de audiências que Sua Santidade ainda haveria de conceder. Mas quando começou a falar, Sr. Presidente, com a sua firmeza e tranqüilidade, de maneira profunda, com seu português firme, seu olhar parecia iluminado e as suas palavras tinham uma meiguice extraordinária. Foi uma grande mensagem ao povo brasileiro. Seria importante que essa mensagem chegasse aos lares brasileiros, principalmente aos dos políticos, porque é a eles que Sua Santidade se refere.

Obrigado pela tolerância de V. Exª, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1998 - Página 9649