Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A RAPIDA DESNACIONALIZAÇÃO DAS INDUSTRIAS NACIONAIS E DAS ECONOMIAS DO TERCEIRO MUNDO EM VIRTUDE DA POLITICA MUNDIAL DE GLOBALIZAÇÃO.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • COMENTARIOS A RAPIDA DESNACIONALIZAÇÃO DAS INDUSTRIAS NACIONAIS E DAS ECONOMIAS DO TERCEIRO MUNDO EM VIRTUDE DA POLITICA MUNDIAL DE GLOBALIZAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 03/06/1998 - Página 9719
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, EXPANSÃO, GLOBALIZAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, MOTIVO, FAVORECIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PREJUIZO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, MUNDO.
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, FIDEL CASTRO, NELSON MANDELA, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, AFRICA DO SUL, CRITICA, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, CARACTERIZAÇÃO, EXCESSO, LIBERAÇÃO, COMERCIO, PROVOCAÇÃO, DIVISÃO, TRABALHO, FAVORECIMENTO, ENRIQUECIMENTO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PREJUIZO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, MUNDO.
  • APREENSÃO, PROCESSO, DESNACIONALIZAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, VENDA, INDUSTRIA, CAPITAL ESTRANGEIRO, AUMENTO, DEPENDENCIA, ECONOMIA, VINCULAÇÃO, ENTRADA, CAPITAL ESPECULATIVO, PROVOCAÇÃO, DESEMPREGO, RESULTADO, GLOBALIZAÇÃO.
  • DEFESA, IMPOSIÇÃO, BRASIL, LIMITAÇÃO, EXPANSÃO, GLOBALIZAÇÃO, MANUTENÇÃO, INDUSTRIA NACIONAL, NIVEL, EMPREGO, PAIS.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, assomo hoje à tribuna com um tema na cabeça: globalização. Esse termo tornou-se-nos tão familiar, que já o proferimos com a intimidade de quem evoca um amigo ou um lugar conhecido. Também pudera! A palavra globalização hoje aparece em toda a parte: em nove de dez artigos de jornais; em nove de dez reportagens de revistas; em nove de dez matérias de telejornais. Isso dito com algum exagero, é claro. Como, de resto, aliás, é exagerada a recorrência com que a globalização é utilizada na análise dos problemas nacionais.

           A globalização transformou-se no grande fetiche da modernidade, no conceito demasiadamente vago e abstrato que, justamente por ser demasiadamente vago e abstrato, tudo explica e a tudo preside. A globalização é uma nova metafísica, uma nova religião, um ente sobrenatural e supremo a cujos desígnios ninguém se pode opor e cujos caprichos todos devem acatar. Inevitável, inexorável, irremovível, tal são os adjetivos que, com maior freqüência, são lançados para descrevê-la.

           No entanto, eu pergunto - e pergunto com certa angústia: Será isso a modernidade? Será isso o tempo em que vivemos? A contemporaneidade? Um estado de coisas em que nada mais resta a fazer senão assistir ao triunfo e ao coroamento da globalização, que deve, agora, sob o aplauso de todos, distribuir a seu bel-prazer, discricionariamente, o que cabe a cada um no concerto das nações? Nada se pode fazer a não ser acatar-lhe o reinado, de cerviz curvada e de olhos respeitosos postos ao chão?

           Felizmente, não são todos os líderes de nações do chamado Terceiro Mundo que pensam dessa forma. Agora mesmo, neste mês de maio, por ocasião das comemorações do cinqüentenário da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra, evento de que participou também o Presidente do Brasil, pronunciaram-se contra o tipo de globalização em curso duas das mais eminentes personalidades políticas de nossa Era, dois chefes de Estado de nações em vias de desenvolvimento: o Presidente Fidel Castro e o Presidente Nelson Mandela.

           Fidel Castro, com seu destemor habitual, criticou a globalização que concentra todo o poder nas mãos das nações hegemônicas, enquanto retira dos mais pobres os instrumentos necessários para a promoção de seu desenvolvimento. Ao arremeter contra a ideologia do livre comércio, atacou a divisão do trabalho entre as nações resultante dessa ideologia: aos ricos, a produção industrial de alta sofisticação tecnológica e de alto valor agregado; aos pobres, as indústrias atrasadas, pouco rentáveis e poluentes.

           Nisso foi secundado por Nelson Mandela, que fez um apelo à OMC no sentido de que passe a levar em conta as necessidades dos países mais pobres. Mandela lembrou a todos os altos ideais de justiça e de igualdade que presidiram, há 50 anos, no pós-Guerra, a criação do GATT, organismo que, com outro nome, é o mesmo que a atual OMC. Quanto ao comércio internacional, afirmou sem rebuço que sua liberalização não foi capaz de elevar os padrões de vida dos países em desenvolvimento.

           Temos aí, então, o exemplo de dois líderes mundiais que não se deixam levar pelo modismo extravagante da globalização, essa senhora que, sob os elegantes trajes novos com que se veste, esconde a roupa de baixo rota e suja da velha ideologia do livre comércio, feita sob medida para os interesses dos países hegemônicos, que, por uma curiosa coincidência, são também os mais competitivos no mercado global. Não é necessário dizer que o livre comércio assumiu, também ele, um conceito global, não mais se restringindo à troca de mercadorias, mas igualmente a de serviços, todo o tipo de serviço, incluindo os investimentos, as indústrias de entretenimento e informação, a propaganda, os fretes, os serviços bancários, etc. Sob esse prisma, até mesmo quando o governo dá prioridade às empresas nacionais na aquisição de produtos e serviços, isso não é permitido: é considerado discriminação contra os estrangeiros. Que dizer, então, de qualquer vestígio de política industrial? Os ideólogos da globalização levantam unânimes suas vozes: política industrial é uma intervenção inaceitável dos governos em relação ao livre e sagrado curso da economia privada! É o que dizem.

           Entretanto, caso se queira abrir o mercado agropecuário dos países hegemônicos às exportações dos países em desenvolvimento, como a Austrália, como a Argentina, como o Brasil, aí não dá. Não dá porque os agricultores dos Estados Unidos, da Europa e do Japão não conseguiriam sobreviver e sustentar sua renda sem os pesados subsídios que lhe são concedidos; eles formam um setor importante, muito influente; e, além do mais, o alimento é considerado uma questão de segurança nacional.

           Pois é assim - Sr. Presidente e Srs. Senadores -, que funciona o mercado global: como uma via de mão única. Todos os benefícios para os fortes; as sobras, para os fracos. Não hesito, pois, em afirmar: a globalização é a nova ideologia de dominação econômica pelos países hegemônicos. Mas será que é tão nova assim? Ou somente é nova para os que não aprenderam com as lições da história e para os que são excessivamente ávidos por novidades ou, pelo menos, pelo que se vende como novidade?

           Se é verdade que o mundo econômico sofreu transformações nos últimos anos, e isso mudou o padrão da produção e das trocas internacionais; se é verdade que, portanto, ficou mais difícil ignorar os constrangimentos internacionais às políticas públicas das nações; também é verdade que, agora, exige-se maior determinação e maior atividade por parte dos governos nacionais, e não menos. Se não, tomaríamos a atitude do capitão de navio que, em face da turbulência e da agitação de uma borrasca, manda que se levantem as âncoras e se desliguem as máquinas, de maneira a largar o navio ao livre sabor do turbilhão. Não devemos tomar essa atitude irresponsável! Não permitamos que o País fique à deriva!

           Preocupa-me a rápida desnacionalização de nossa economia, preocupa-me a venda de indústrias que atuam em setores estratégicos - alguns dos quais caracterizados como monopólios naturais -, sem qualquer restrição, ao capital estrangeiro; preocupa-me a dependência crescente da economia em relação à boa vontade dos fluxos voláteis de capital estrangeiro, - parece que não aprendemos a lição de que não devemos depender excessivamente da poupança externa, lição reiteradamente ensinada por nossa história - preocupa-me o crescente desemprego e a desindustrialização do País; preocupa-me também o comportamento compassivo das autoridades, que proclamam: nada podemos fazer a esse respeito, isso é o desemprego tecnológico, fruto da modernização que acompanha a globalização.

           Enquanto isso se passa, várias indústrias brasileiras fecham a porta e desempregam gente; enquanto isso, a produção agrícola permanece estacionada em apenas 50 milhões de hectares neste País continental, de terras abundantes, com água farta e sol o ano todo. E segue a rotina de migração rural para os grandes centros.

           Enfim, Sr. Presidente e Srs. Senadores, não podemos aceitar a atitude passiva no que concerne à globalização. Afastemos de nós esse sentimento de fatalidade, de destino inexorável, com que quer nos ludibriar toda essa poderosa máquina de propaganda representada pelos veículos de comunicação e pelos pronunciamentos de altas autoridades do governo e da academia dos países desenvolvidos, cujos ecos são registrados servilmente e sem crítica por nossa imprensa!

           Aprendamos com a recente crise dos países emergentes asiáticos, que, um dia, foram dormir como os queridinhos da comunidade financeira internacional, crianças mimadas pelo aplauso dos adultos a respeito de seu bom comportamento; e acordaram como párias, abandonados pelos investidores, dos quais, como se fossem doentes contagiosos, se quer a máxima distância!

           Saibamos construir nosso destino, como nação autônoma e soberana; não joguemos por terra todo o esforço de independência arduamente alcançado até o momento, em nome de um modismo intelectual passageiro!

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/06/1998 - Página 9719