Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE DISPUTA ELEITORAL, DAS ALIANÇAS FIRMADAS PELO PT E DO IMPACTO DE UMA EVENTUAL VITORIA DE LULA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PROCESSO DE DISPUTA ELEITORAL, DAS ALIANÇAS FIRMADAS PELO PT E DO IMPACTO DE UMA EVENTUAL VITORIA DE LULA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Levy Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 05/06/1998 - Página 9939
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, ELEIÇÕES, CRITICA, DECLARAÇÃO, DESEQUILIBRIO, MERCADO DE CAPITAIS, MOTIVO, POSSIBILIDADE, ELEIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CANDIDATO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, VANTAGENS, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), RECUPERAÇÃO, EMPRESA NACIONAL, REGISTRO, POSSIBILIDADE, APOIO, EMPRESARIO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • COMENTARIO, INEFICACIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO, PROTEÇÃO, ECONOMIA, ESPECULAÇÃO, MERCADO FINANCEIRO, FALTA, RESULTADO, POLITICA SOCIAL, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA, EMPREGO, CRITICA, PROGRAMA, PRIVATIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, UNIÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OPOSIÇÃO, OBJETIVO, CAMPANHA ELEITORAL.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, na manhã de hoje, gostaria de tecer alguns comentários sobre o quadro político nacional. Por tradição e hábito, tenho sido bastante cauteloso em relação às pesquisas eleitorais, até porque conheço vários casos na política brasileira em que as pesquisas, quando realizadas de acordo com critérios científicos e sérios, se revelaram dignas de consideração. Mas já é lugar-comum dizer-se que a pesquisa reflete apenas um momento. Agora, as pesquisas eleitorais que têm surgido recentemente sobre as intenções de voto para a Presidência da República, independentemente do resultado que apresentam, mostram que, ao contrário do que pensavam alguns, vamos ter uma eleição em 1998.

Durante um bom tempo, particularmente a partir do momento em que foi aprovada a emenda da reeleição no Congresso Nacional, com todos aqueles problemas que conhecemos, procurou-se passar a imagem de que já estava decidido o processo eleitoral para a Presidência da República em 1998. A aprovação da reeleição no Congresso significava, na prática, a recondução do Presidente Fernando Henrique Cardoso ao mesmo cargo por mais quatro anos. E isso foi largamente difundido, não só pelos ocupantes do Poder atualmente, mas pelos Parlamentares dos partidos da base governista e também pela imprensa.

Estamos vendo hoje, a partir desses resultados, que a questão não é tão fácil; na pior das hipóteses, para nós, a questão não é tão fácil para o Governo em relação a essa eleição. A partir do momento em que surgem essas pesquisas, colocam-se alguns elementos que, a meu ver, devem ser melhor analisados, porque acabam significando um profundo desrespeito, na minha opinião, até à norma democrática em que a população é convocada a escolher os seus representantes.

Já começam a surgir notícias, em caráter quase que terrorista, de que a vitória do Lula estaria agitando o mercado, provocaria a fuga de capitais; traria problemas para o Brasil; os agentes do mercado estão em polvorosa! Ora, se a situação fosse essa, dever-se-ia, desde logo, aprovar uma emenda constitucional abolindo as eleições para Presidente da República. Perguntar-se-ia apenas aos agentes do deus-mercado quem eles gostariam para Presidente da República. A partir daí, eles escolheriam os representantes do Executivo, do Parlamento, e não haveria nenhum problema, porque, naturalmente, eles não escolheriam alguém que colocasse em risco os seus interesses.

Na verdade, vemos que poderemos chegar a uma situação, na minha opinião, até irônica, em função da história do Brasil e da própria história da Esquerda brasileira. Durante um bom tempo, particularmente antes de 64, a tese do Partido Comunista Brasileiro era no sentido de que a burguesia nacional era revolucionária, e a estratégia política da Esquerda deveria ser uma aliança com a burguesia nacional para enfrentar o imperialismo e o latifúndio. O Partido Comunista centrava toda a sua orientação política para formalizar essa estratégia. No período anterior a 64, alguns setores da Esquerda contestaram essa visão, e o próprio golpe de 64 mostrava que, na realidade, a tese do antigo Partidão não encontrava eco, porque se comprovou que a burguesia nacional preferiu se aliar ao imperialismo, ao latifúndio e impor o golpe militar.

Nesse ponto, chego à ironia a que me referi: os setores da Esquerda que entraram em choque com essa visão do antigo Partidão acabaram se aliando naturalmente a uma série de outras vertentes, mas também foram os embriões do Partido dos Trabalhadores. A partir da manifestação de diversos empresários nacionais, de diversos setores da burguesia nacional, chegamos à conclusão de que, de repente, o Partido dos Trabalhadores e o Lula podem ser a própria salvação do empresariado e da burguesia nacionais.

O Governo Fernando Henrique Cardoso, a partir do seu programa econômico que vem sendo implantado, na prática, está promovendo uma total desnacionalização da economia brasileira; está promovendo a quebradeira de grandes, pequenos e médios setores da indústria e da economia.

Quando se chega ao ponto de se vender uma empresa como a Metal Leve, que considero até emblemática da chamada burguesia nacional, isso significa, na minha opinião, que setores da economia brasileira que não são especuladores, mas que investem na geração de empregos, na produtividade, no desenvolvimento do Brasil, estão sendo levados senão ao suicídio, à desgraça total, e por um Governo que, teoricamente, dizia ser representante deles!

Sr. Presidente, Srs. Senadores, desembocamos na outra perna da ironia do destino. Apesar de todo o terrorismo de alguns setores, vêem-se outros do grande empresariado nacional dando declarações que considero importantes, bem diferentes daquela do Sr. Mário Amato que, em 1989, anunciava que, se o Lula ganhasse a eleição, não sei quantos mil empresários abandonariam o País no dia seguinte. Esses setores da chamada burguesia nacional, que durante um bom tempo encaravam o Partido dos Trabalhadores e a Esquerda como fantasmas, como os sucessores do Partido Comunista que comia criancinhas e coisas desse tipo, hoje dão declarações que, se não são de apoio - até porque isso seria querer demais -, alertam para o fato de que uma possível vitória do Lula não significaria essa hecatombe ou caos a que se referiu o Senador Antonio Carlos Magalhães; e que, quem sabe, um projeto encabeçado por um partido de Esquerda não viria a ser a ressurreição desses setores da economia nacional que estão sendo massacrados pelo atual Governo.

Não há dúvida de que existem algumas manifestações nesse sentido por parte da mídia. Mas concordo com a preocupação do Deputado José Genuíno: não descarto a hipótese de que os índices de aprovação ao Lula apresentados pelas pesquisas estejam sendo artificialmente inflados, até para gerar esse estado de medo e pavor no seio desses setores, particularmente no seio da classe média, para dificultar, assim, a nossa campanha. Um exemplo concreto disso é a reportagem recentemente publicada na revista Veja sobre os sem-terra, onde só faltou colocarem chifre e rabo na fotografia do João Pedro Stédile.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - E o tridente!

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Sim, Foi um truque fotográfico claramente no sentido da satanização do João Pedro Stédile.

Não concordo com algumas declarações do Stédile, mas um fato merece registro: na mesma semana, ele deu uma entrevista à Folha de S. Paulo, de página inteira, onde demonstrou muita moderação e maturidade. Inclusive, ele faz referências a uma declaração que fez no exterior, de que os capitais não deveriam vir para o Brasil porque teriam prejuízo. Ele menciona os fatos nos mesmos termos em que nós Parlamentares colocamos a questão: não temos nenhuma xenofobia com relação ao capital estrangeiro. Queremos, sim, que ele venha para o Brasil, que seja investido na produtividade brasileira, que venha gerar empregos. Mas esse capital especulativo, que tem uma fluidez absurda nesse chamado mundo globalizado, pode fugir do Brasil independentemente de o Lula ser eleito ou não, porque, na verdade, esses capitais estão migrando pelo mundo afora em função até de seus interesses meramente especulativos.

O grande problema da economia brasileira hoje é que ela é extremamente dependente dos chamados capitais especulativos. Não adianta dizer que as reservas brasileiras são de US$70 bilhões, quando sabemos que grande parte dos recursos são de capitais dessa natureza. O problema é que o Brasil não tem tomado certas medidas que seriam necessárias e que não são nem revolucionárias, radicais ou esquerdistas; elas estão sendo tomadas inclusive por países considerados exemplos de economia moderna, de economia globalizada. É o caso do Chile, por exemplo, que tem um dispositivo que estabelece uma quarentena para os capitais. Quando levantamos essa questão, na época do chamado pacote fiscal, setores do Governo disseram: “Não, se adotarmos essa quarentena, aí mesmo é que os capitais vão fugir”. Mas por que não fugiram no Chile e fugiriam no Brasil? Porque, na verdade, a economia brasileira está ancorada principalmente nos chamados capitais especulativos.

Voltando à discussão da política, estamos iniciando um processo de disputa eleitoral e as pesquisas expressam em números aquilo que percebemos no contato com a população, nas nossas conversas, nas nossas caminhadas e viagens ao interior do Estado. Mas não necessitamos delas para constatar o pavor que o povo brasileiro tem do desemprego. Hoje, todos têm um vizinho, um parente ou um amigo desempregado. Na minha opinião, até as outras preocupações ou os outros medos listados nas pesquisas decorrem desse medo maior do desemprego.

As pesquisas apontam, em segundo ou terceiro lugar, a preocupação da população com relação à saúde. Dentro da classe média, particularmente, isso está relacionado ao medo maior da perda do emprego, já que com ele tem-se acesso aos planos de saúde das empresas e, bem ou mal, acesso à saúde privada. Com a preocupação do desemprego, surge também a preocupação de se ter que recorrer ao SUS e enfrentar os problemas da saúde pública brasileira, tema sobre o qual não discorrerei, uma vez que já foi amplamente debatido e normalmente volta à tona.

Esse estado de espírito do povo brasileiro surgiu porque o importante cabo eleitoral de Fernando Henrique Cardoso na eleição de 1994 - o Plano Real e a conseqüente estabilidade da moeda - hoje esgotou-se. A estabilidade e a ausência da inflação são conquistas da população que devem ser garantidas, mas a população lembra-se dos cinco dedos da campanha de Fernando Henrique Cardoso, que representavam a saúde, a educação, o emprego, a agricultura e a segurança. O nosso candidato não tem um dedo, mas o Presidente Fernando Henrique Cardoso deveria estar sem os cinco dedos.

A falta de segurança, por exemplo, é uma decorrência quase que direta dos problemas relacionadas aos outros quatro dedos. A população, ao comparar a realidade atual com a campanha e as promessas do Governo Federal, percebe que, de concreto, este Governo nada fez, pois a única coisa que tem para mostrar à população como conquista é a estabilidade da moeda, que, na verdade, ocorreu no Governo anterior. É verdade que Fernando Henrique Cardoso era então Ministro, mas como não existe a possibilidade de se fazer um exame de DNA para comprovar se a paternidade do Plano Real é de Itamar Franco, Fernando Henrique ou outra pessoa, não discutirei o assunto.

A população pode constatar que, hoje, os indicadores sociais são os mesmos de 1995 e que nada aconteceu do que foi propagandeado como desdobramento da estabilidade: o ingresso do Brasil na modernidade, segurança para o povo, bem como educação, saúde, etc. Existe alguma diferença quanto à distribuição de renda, mas ela decorre pura e simplesmente da retirada do imposto inflacionário, o que, naturalmente, gera uma pequena diminuição nas diferenças de renda, mas isso não é resultado de um processo de política econômica.

Quero registrar que nós, do Partido dos Trabalhadores, pela primeira vez conseguimos estabelecer um processo de alianças, o qual, embora não seja o ideal, rompeu uma tradição do nosso Partido, muito arraigada.

Ao ser criado, o Partido foi bombardeado pela direita e pela esquerda. Os setores da Esquerda diziam que o PT era uma obra do Golbery, ou da CIA, que pretendia dividir as oposições brasileiras. Isso também gerou um estado de defesa interna do Partido, perfeitamente justificável na época.

O Partido passou um bom tempo sem fazer alianças e depois evoluiu para uma situação em que as fazia desde que os outros nos apoiassem, no estilo do “só venha a nós, o vosso reino nada”. Agora, nestas eleições, demos um passo importante rumo ao entendimento de que um processo de alianças pressupõe, em primeiro lugar, que continue havendo diferenças entre os Partidos. Se a aliança ocorre entre Partidos diferentes, isso significa que as diferenças, a divisão política e econômica entre esses Partidos continua existindo, embora a aliança, logicamente, ocorra em torno das afinidades que existem entre eles.

Voltando à questão de intenção de voto, além da situação econômica do País e da insatisfação latente da população com o Governo, uma parcela do crescimento do nosso candidato nas pesquisas, a qual não sei mensurar, decorre desse processo de alianças e de maturidade que o Partido conseguiu desenvolver ao longo do tempo, embora em vários Estados ainda não seja o ideal.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Concedo o aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - A análise que V. Exª faz sobre a evolução da situação política mostra claramente a preocupação dos segmentos aliados ao Governo Fernando Henrique Cardoso com relação ao crescimento da candidatura de Lula. Seria um exagero avaliar que as pesquisas estariam sobrevalorizando a tendência do crescimento de Lula porque, em verdade, parece-me que as últimas pesquisas mostram o movimento de ascensão de Lula e de queda de Fernando Henrique, o que ainda não terminou. Esta é a percepção que constato nos mais diversos pontos do País em que estive: no interior do Estado de São Paulo, na Bahia, em Pernambuco e aqui, também, no Distrito Federal. Obviamente, o Presidente do Senado Federal, Antonio Carlos Magalhães, deveria preservar-se mais de exposições como a que sofreu, como que a substituir o Ministro Sérgio Motta no papel de principal coordenador e porta-voz daquilo que gostariam de fazer os porta-vozes da campanha de Fernando Henrique Cardoso.

Vai ser difícil para o Presidente do Congresso Nacional assumir uma postura de tal maneira a criar um verdadeiro terrorismo, conforme V.Exª mencionou, porque dizer que a alternativa a Fernando Henrique, se referindo a Lula, seria um caos, obviamente é não considerar que hoje estamos vivendo numa democracia plena. Ao fazer essas observações, será que o Presidente Antonio Carlos Magalhães avaliou que se não der Fernando Henrique estariam ameaçadas as instituições democráticas? Acredito que as lições recentes da História do Brasil, o grande movimento que se fez pela democracia, pela volta das Diretas já e pelo fim do regime militar deveriam estar levando o Senador Antonio Carlos Magalhães, que fez parte de governos militares, a deixar este pensamento completamente de lado. Por outro lado, é interessante observar a evolução das coisas. Se o Presidente Fernando Henrique Cardoso, na sua entrevista a Boris Casoy, chegou a mencionar que os dados de indicadores sociais como a expectativa de vida, a mortalidade infantil e outros estariam diminuindo e o único que estaria piorando seria o do desemprego, Sua Excelência não levou em consideração que a taxa de desemprego evoluiu de uma maneira grave. No início do Plano Real ela era da ordem de 12% - medida pelo DIEESE e pela Fundação SEADE - na grande São Paulo. Agora está quase a 19%, e, em conseqüência do agravamento do desemprego, tanto na grande São Paulo como em todas as regiões metropolitanas, mas em quase todo o País, o que se observa é o elevado índice de criminalidade e da falta de segurança crescente. Esse é um indicador social extremamente importante que precisa ser levado em conta até para que venha o Senhor Presidente a tomar medidas mais efetivas, com maior energia para atacar o problema do desemprego e o da pobreza que, em muitos lugares, inclusive no Nordeste, se agrava sobremodo, e com repercussões para os grandes centros. O Prefeito Celso Pitta, de São Paulo, há poucos dias, estava preocupadíssimo com a atitude de prefeitos do Nordeste que vêm distribuindo passagens aos nordestinos para chegarem a São Paulo. Hoje, na cidade de São Paulo, se observa um número crescente de pessoas sem teto, pedindo esmolas, procurando trabalho - inclusive um número crescente de trabalhadores no mercado informal, de ambulantes -, como reflexo da situação social que se agrava em muitas regiões do País.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SP) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

Sr. Presidente, com relação às declarações do Presidente do Congresso, Senador Antonio Carlos Magalhães, a respeito do Lula, não quero entrar na discussão sobre se deveria ou não ter S. Exª falado na condição de Presidente - penso que continuará falando, isso aí não vamos ter como impedir, até porque S. Exª sempre coloca o que está falando na condição de Senador. Quero rebater do ponto de vista do mérito.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Eu também defendo a liberdade de expressão, só não recomendo este tipo de atitude, porque penso que S.Exª deveria estar se preservando. Quem sabe se, de repente, ocorre uma desistência do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso e deva S.Exª preservado para uma alternativa?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Penso que se S. Exª for candidato aí é que o debate vai esquentar mais ainda, diante dessa possibilidade que V. Exª está levantando.

O que quero rebater é com relação ao mérito da declaração no sentido de que o Lula seria o caos. Ora, o Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso assumiu o Governo numa situação em que o Brasil chegou a uma dívida interna de R$60 bilhões. Sua Excelência conseguiu a proeza - acho, inclusive, que deveria merecer a citação no Livro dos Recordes - de fazer com que a dívida, em 1994, passasse, em três anos, para quase R$200 bilhões; e isso tendo vendido a Vale do Rio Doce, a Light, enfim, mesmo tendo arrecadado em torno de vinte e tantos bilhões de dólares com privatização. E o argumento do Governo é o de que vamos privatizar para pagar a dívida interna e fazer com que o Estado possa investir naquelas áreas típicas de Estado, ou seja, saúde, educação, saneamento básico, etc. Venderam várias empresas estatais, arrecadaram mais de R$20 bilhões, a dívida interna passou de R$60 bilhões para quase R$200 bilhões, e a situação da saúde, da educação, do saneamento básico, enfim, das chamadas áreas típicas de Estado, estão piores do que se encontravam antes. Penso que isso é que é o caos. Inclusive para lembrar um outro aspecto do Governo - isso me faz lembrar uma música de Chico Science que fala da lama ao caos; do caos à lama -, onde tivemos um processo de aprovação da reeleição no Congresso Nacional que chegou muito perto da lama. Infelizmente não foi apurado, pois os parlamentares envolvidos acabaram sendo absolvidos na Câmara dos Deputados; esqueceu-se o escândalo e optou-se por varrer a lama para debaixo do tapete. As fitas gravadas, a compra de votos por R$200 mil, tudo isso foi esquecido, até porque a prática no Brasil é a de que nada como um novo escândalo para se esquecer do escândalo anterior. Mas o Governo se envolveu na lama da compra de votos e depois acaba desaguando no atual caos.

Tenho profunda convicção de que o nosso Partido, a aliança desses partidos, e particularmente o companheiro Lula está plenamente preparado para governar este País.

É óbvio que a carga de preconceito que ainda existe na sociedade brasileira continua atuando. Diz-se que Lula não tem curso superior, não é doutor, o Lula é operário, não tem capacidade para governar o País. Só que foram exatamente os doutores, os formados, os sociólogos, os intelectuais que levaram o Brasil à situação em que se encontra hoje. E o Brasil vai ter oportunidade de fazer opção. Na eleição passada houve quem dissesse que era escolher entre um sociólogo e um encanador. Não estou seguro de quem disse isso, mas parece-me que foi a Deputada Ruth Escobar. Como disse Lula no nosso encontro, com tanto vazamento, com tanto furo será que não é hora de elegermos um encanador para resolvermos os problemas do Brasil, para evitarmos os vazamentos, para evitarmos a perda de tantos recursos, de tanta energia por parte da Nação brasileira, no sentido de resgatar a cidadania deste País?

O Sr. Levy Dias (PPB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Ouço V. Exª, Senador Levy Dias.

O Sr. Levy Dias (PPB-MS) - Senador José Eduardo Dutra, ouço com muita atenção o seu pronunciamento não só pelo conteúdo, mas pela serenidade com que V. Exª expõe os problemas do quadro político brasileiro. Não podemos negar que o Presidente Fernando Henrique Cardoso teve grandes acertos. Mas, discutindo com essa serenidade, com essa sinceridade que todos os brasileiros devem ter, devemos também admitir que Sua Excelência cometeu grandes erros. V. Exª iniciou seu pronunciamento falando do comportamento do Partido dos Trabalhadores basicamente desde a sua criação. V. Exª também há de convir que o PT de dez anos atrás não é o mesmo de hoje. A imprensa publicou ontem a notícia de que Lula escolheu para sua assessoria pessoas moderadas. Talvez a maior dificuldade do PT no início da sua existência tenha sido um certo radicalismo que existia dentro partido. Hoje sentimos que há realmente a tendência de minimizar esse problema. Não tenho preconceito sobre algum partido ou área política. Tanto é verdade que, no segundo turno das eleições de Campo Grande, há dois anos, fui para o palanque do PT, apoiei o candidato do partido sem o menor problema. As pessoas que lá encontrei são iguais a nós. Nos comícios em que participamos, fomos recebidos da melhor maneira possível. Por quê? Porque acho que só vamos conseguir melhorar, especialmente o problema social do povo brasileiro, no momento em que todos nós, todas as correntes, todos os partidos políticos caminharem na mesma direção em busca de uma alternativa para os problemas e dificuldades que afligem os brasileiros. V. Exª é testemunha da minha reação - tenho no Senado um comportamento de muita independência - quando o Governo enviou para esta Casa um projeto mediante o qual propunha empréstimo de R$3 bilhões para o Banerj. Naquela ocasião, fiz um pronunciamento e disse que, juntando os R$3 bilhões do Banerj e os R$18 bilhões do Banespa, tiraríamos das favelas todas as famílias do nosso País. Tenho, com muita tranqüilidade, tido esse comportamento crítico em relação a decisões que julgo equivocadas. Não conheço o Lula, mas essa idéia de, como diz V. Exª, transformar o PT e o Lula em bicho-papão - eu não cometeria o exagero de falar em comer criancinhas - não é serena. Um grupo de brasileiros busca resolver os problemas do nosso País da maneira como entendo, assim como V. Exª, que devem ser resolvidos: com serenidade, tranqüilidade e definição de prioridades. A questão mais séria que enfrentamos hoje é não sabermos estabelecer as prioridades corretas. Temos problemas muito importantes a serem atacados. O dia em que foi publicada no jornal a declaração do Governador Tasso Jereissati, do Ceará, dizendo que, com US$380 milhões, resolveria o problema da seca do seu Estado, vi o quanto erramos quando ao aprovarmos R$3 bilhões para socorrer o Banerj. É muito bom clarearmos bem essas palavras. Falamos ao microfone, mas as pessoas que nos estão assistindo não entendem bem. Quando se fala em bilhões, fala-se em números gigantescos. O Governador do Ceará falou que US$380 milhões resolveriam o problema do seu Estado. V. Exª fala da dívida interna. Creio que o maior problema atualmente no País é o das taxas de juros das quais o Governo se tornou refém. Não entendo bem de economia, mas sei que isso repercute sobre as pessoas que vivem ao nosso lado. V. Exª falou na quebradeira generalizada. É verdade. O Brasil inteiro, o meu Estado, que é tido como potencialmente forte, vive grandes dificuldades na área rural, no setor de grandes, médias, pequenas e microempresas, especialmente em razão das taxas de juros. Falo que o Governo transformou-se em refém das taxas de juros porque, à medida que a economia lá fora balança, a primeira atitude que se toma é subir as taxas de juros, para impedir a saída de capitais. Mas concordo com V. Exª que o capital que entra na Bolsa - não sei avaliar bem o valor que tem para a economia brasileira - não gera emprego algum. Eu, que passei a minha vida dizendo aos meus filhos que não temos dois caminhos na vida, mas um só, que é o caminho do trabalho, fico numa grande dificuldade hoje, porque eles me cobram o fato de se trabalhar o ano inteiro na atividade produtiva, gerando riquezas e emprego e, no fim do ano, constatar o prejuízo. Por outro lado, aquele que põe o seu dinheirinho na caderneta de poupança, que é a mais segura, tira 10% ao ano de resultado. V. Exª tem razão nas colocações que fez hoje, sobretudo quando disse que há necessidade de se fazer um projeto para arredondar o nosso Brasil. Creio, Senador José Eduardo Dutra, que o grande problema de todas as pessoas que chegam ao Governo é tornarem-se donas da verdade, é não ouvir, não trocar idéias, não participar de reuniões onde fale o cidadão comum. Cumprimento-o e digo que a minha tendência, no momento, é apoiar o Presidente Fernando Henrique Cardoso para a Presidência da República. Não vou dizer que se trata de uma definição final, mas é uma tendência. Quero, por meio deste pronunciamento, valorizar os acertos. A estabilização da economia, meta que muitos Presidentes tentaram e não conseguiram, é um dado relevante, de peso, muito importante para o povo brasileiro - tenho certeza de que V. Exª pensa da mesma maneira -, porque possibilitou o acesso à comida para muitos milhões de brasileiros, porque os alimentos ficaram mais baratos, a estabilidade proporcionou maior tranqüilidade. Temos, portanto, grandes acertos e também grandes erros. A nossa torcida é que, amanhã, possamos, com um ou outro partido no Governo, encontrar os caminhos para dar soluções especialmente para os problemas sociais que tanto afligem a nação brasileira.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE) - Muito obrigado, Senador Levy Dias.

Faço alguns comentários sobre o aparte de V. Exª. Inicialmente, com relação ao meu partido, ao radicalismo do PT. Penso que continuamos radicais, no sentido de que os problemas têm que ser resolvidos a partir do ataque à raiz. O que descobrimos é que, ao longo de um processo que ainda não terminou, pode-se ser radical sem ser sectário. Estamos descobrindo que a ideologia necessariamente não tem que ser antagônica à política, ou seja, estamos mantendo a ideologia e fazendo política, até para que possamos implantar, com um grau de radicalização que queremos, as mudanças que pretendemos para o nosso País..

Creio que V. Exª tocou num ponto importante, quando se referiu à prioridade. Não se trata de erro ou de acerto do Presidente; é uma questão de opção. O Presidente da República fez uma opção preferencial pelos ricos. Basta comparar a disposição e a agilidade com que o Governo resolveu o problema dos bancos. Quando os bancos estavam ameaçados, o Governo editou uma medida provisória às vésperas de um feriado para resolver o problema. Mas a seca do Nordeste, prevista com seis meses de antecedência, Sua Excelência empurrou com a barriga. Houve o incêndio de Roraima, tudo já estava pegando fogo, mas o Presidente só se preocupou quando houve repercussão internacional - essa é também uma preocupação do nosso Presidente da República. Como é muito vaidoso, enquanto não repercutir internacionalmente, o Presidente não dá atenção, pode queimar, podem morrer brasileiros. A partir do momento em que houve repercussão internacional, Sua Excelência foi para lá.

O que há também é uma profunda insensibilidade da tecnocracia do Governo, que só analisa as questões do ponto de vista estatístico. Então, segundo o Sr. Gustavo Franco, “para evitar a fuga de não sei quantos bilhões de dólares, aumento os juros em 1%”. Quer dizer, S. Exª trata o Brasil como uma tela de computador. Esquece-se de que, por trás dessa estatística, por trás desse 1%, 2% ou 3% de juros, há pessoas de carne e osso que não são feitas de estatísticas, que não são feitas de números e que vão perder o emprego. Esquece-se de pequenos empresários, de pequenos proprietários que vão quebrar, que vão ver o produto de uma vida que construíram sendo levado por água abaixo. Essa falta de sensibilidade que, a meu ver, está relacionada a essa opção preferencial pelos ricos, que é a base do Governo, é que nos leva a essa situação.

Sr. Presidente, já me alonguei demais. Agradeço aos Srs. Senadores que me apartearam e reforço o que disse no início do meu pronunciamento. Há uma eleição a ser disputada, e o povo brasileiro é que está sendo convocado a deliberar sobre os destinos que quer seguir. Não podemos nos render, sob pena de colocarmos em risco a democracia brasileira, à lógica do deus mercado. Não se pode eleger fulano ou sicrano, porque os agentes do mercado não vão gostar. Quem deve decidir os destinos do Brasil é o povo brasileiro por meio do voto e não os agentes do mercado.

Tenho absoluta convicção de que, se ganharmos a eleição, vamos, com muita dificuldade - não temos a ilusão de que vamos resolver os problemas seculares do Brasil somente com uma penada -, precisar estabelecer um processo de construção neste País. Independente das diferentes divisões partidárias, tenho certeza de que vamos contar com pessoas sérias e bem intencionadas, como é o caso do Senador Levy Dias, que nos ajudarão a construir este País que queremos.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/06/1998 - Página 9939