Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS A LEGALIZAÇÃO DO JOGO DO BICHO E DOS CASSINOS.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JOGO DE AZAR.:
  • CONSIDERAÇÕES CONTRARIAS A LEGALIZAÇÃO DO JOGO DO BICHO E DOS CASSINOS.
Aparteantes
Geraldo Melo, Lauro Campos, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/1998 - Página 10138
Assunto
Outros > JOGO DE AZAR.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, ATUAÇÃO, ROMEU TUMA, SENADOR, ACOLHIMENTO, PROPOSIÇÃO, AUTORIA, ORADOR, PROJETO DE LEI, TRAMITAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, EXPANSÃO, TRAFICO INTERNACIONAL.
  • SAUDAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANUNCIO, MEDIDAS LEGAIS, COMBATE, UTILIZAÇÃO, DROGA, BRASIL.
  • LEITURA, DOCUMENTO, AUTORIA, ENTIDADE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEMONSTRAÇÃO, DADOS, ESTATISTICA, COMPROVAÇÃO, PREJUIZO, NATUREZA SOCIAL, NATUREZA ECONOMICA, RESULTADO, LEGALIDADE, JOGO DE AZAR, FUNCIONAMENTO, CASSINO.
  • MANIFESTAÇÃO, ORADOR, OPOSIÇÃO, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, LEGALIDADE, JOGO DO BICHO, ABERTURA, CASSINO, BRASIL.
  • QUESTIONAMENTO, VALIDADE, JUSTIFICAÇÃO, LEGALIDADE, JOGO DO BICHO, BRASIL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, MOTIVO, ANALISE, EXPLORAÇÃO, JOGO DE AZAR, PAIS ESTRANGEIRO, COMPROVAÇÃO, INSUFICIENCIA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BENEFICIO, SOCIEDADE, RESULTADO, ABERTURA, CASSINO.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, o Senador Romeu Tuma, com seu profundo conhecimento, nos trouxe aqui uma palavra sobre a questão das drogas, inclusive tendo em vista a viagem que empreendeu como integrante da comitiva do Presidente Fernando Henrique aos Estados Unidos. Nessa ocasião, o Presidente anunciou medidas concretas para combater as drogas, o uso das drogas. S. Exª, que foi relator de um projeto na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, acolheu proposição que apresentei, a fim de participar desse problema que é uma das questões mais terríveis do fim do milênio.

Portanto está de parabéns o Presidente Fernando Henrique e o Senador Romeu Tuma, que é um combatente indormido nessa questão.

Agora vou me referir a um outro mal que está querendo chegar ao País, que é o jogo. Vou ler parte do meu discurso, Sr. Presidente, apenas para me referir a um documento que recebi da Coalizão Estadual contra o Jogo, de Novo México, nos Estados Unidos, que tem dados muito interessantes, inclusive para atingir frontalmente alguns dos argumentos de que se valem os que defendem - com todo o direito - a legalização do jogo no Brasil.

Diz o seguinte um certo trecho a partir do qual vou ler:

Não existem dados anteriores a 1994 que poderiam fornecer informações sobre as tendências de longo prazo das estatísticas levantadas que vamos anunciar, mas alguns números são bastante eloqüentes e indicam uma probabilidade séria de que o único fator relevante a influenciar a evolução dos fatos tenha sido a introdução dos cassinos. É importante notar que se trata de dados econômicos que contradizem fortemente a noção de que o jogo traz riqueza.

Será, por exemplo, que a criação de cassinos no Novo México criou empregos no Estado? As estatísticas não mostram isso: a taxa de desemprego pulou dos 6%, em 1994, antes do jogo, para 6,5% em 1995, ano em que os cassinos foram abertos, e para 7% em 1996, ano em que funcionaram a todo o vapor.

Reduziu-se a miséria? Que nada! A percentagem de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza definido pelo Governo americano pulou de 21,1% em 1994 para 25,3% em 1995, ou seja, houve um incremento de cerca de 20% na pobreza, tudo isso em apenas um ano!

E os negócios em geral no Estado melhoraram? Bem, não é o que mostram os dados referentes ao crescimento do faturamento dos restaurantes no Novo México, precisamente um dos setores que deveriam ser mais beneficiados com o influxo turístico, pois o faturamento dos restaurantes crescia à taxa de 7% ao ano até 1994, tendo caído para a taxa de 1,52% em 1997. Ainda quanto ao suposto progresso econômico, observe-se a evolução das falências. Foram 3.526 em 1994, passaram para 4.343 em 1995 e atingiram a marca de 5.882 no Estado em 1996. Houve um aumento de 67%.

Uma questão social sempre associada ao jogo é, por certo, a da criminalidade. Pois não deu outra: o número de crimes graves cometidos na Capital Albuquerque passou de 40.390 em 1994 para 48.246 em 1996, com um aumento de 19,5%.

Enquanto isso acontecia, enquanto todos os indicadores econômicos e sociais se agravavam, será que os cassinos estavam falidos, será que estavam mal administrados, não rendendo o benefício social que poderiam? Hipótese falsa: seus lucros cresceram solidamente de US$300 milhões em 1995 para US$450 milhões em 1996 - um aumento de 50%.

É útil citar ainda alguns dados relativos às influências sociais do jogo, recolhidos por pesquisadores de algumas das mais prestigiosas universidades americanas. São estatísticas que mostram, como mencionei anteriormente, os efeitos econômicos e sociais dos problemas morais que os cassinos trazem às comunidades em que se instalam.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª, com grande prazer.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Lúcio Alcântara, a controvérsia que se está estabelecendo em torno de uma possível legalização do jogo no País não deixa de ter seus aspectos fascinantes. Até agora, não me comoveu nenhum dos argumentos utilizados pelos arautos da legalização do jogo, como o de que o jogo seria um grande instrumento de geração de empregos e de oportunidade de novos negócios, embora também não concorde com os argumentos dos inimigos do jogo, que dizem que o jogo não cria empregos e não gera novos negócios. De certa maneira, esse relatório, como muitos outros dos adversários da idéia, força um pouco a barra, na medida em que estabelece uma relação de causa e efeito numa questão muito discutível. Há um único ponto que me perturba nessa discussão. Digo isso não para opinar de forma contrária ou favorável a essa questão, mas apenas para estimular que alguém me dê uma resposta. Na minha opinião, o jogo já está legalizado no Brasil, porque é uma atividade realizada pelo Governo e, portanto, não deve ser ilegal. Porém, existe um oligopólio, pois o Governo é responsável pela Sena e por loterias de toda espécie. Ao lado do Governo, atuam alguns concessionários do Governo, em particular redes de televisão e alguns serviços conexos, como as companhias telefônicas, que, na realidade, estão fazendo jogo de azar puro e simples. O fato de se anunciar numa rede de televisão que serão sorteados 500 automóveis nada mais é do que um jogo que - presumo - está legalizado, pois é feito ostensivamente. Não entendo que se considere que os malefícios do jogo se manifestarão no dia em que este for permitido como uma atividade que um cidadão qualquer possa patrocinar ou que uma instituição privada possa realizar. Quando o Governo faz o jogo, ninguém se insurge contra a idéia. Se o Governo continuar patrocinando o jogo no Brasil, deveremos permiti-lo para todo mundo, já que o lado moral ou imoral da atividade estará presente no jogo patrocinado pelo Governo. Mas, se isso não for permitido para ninguém, deveremos acabar com o jogo realizado pelo Governo. Essa era a ponderação que eu queria fazer.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - A ponderação de V. Exª tem sentido, mas o projeto, especificamente, trata de cassino e de jogo do bicho. O projeto não trata de outra modalidade de jogo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Isso já existe ou não?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Existe.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - A lei vai apenas reconhecer a sua existência.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Mas o projeto visa legalizar o jogo do bicho. O meu argumento é o seguinte: primeiramente, é evidente que sempre haverá defensores e opositores da idéia.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Não sou defensor da idéia. Sou um curioso. Eu apenas queria que alguém me explicasse isso.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Claro. Mas V. Exª mesmo disse que há os favoráveis e os contrários a essa idéia.

O que não aceito é o argumento que quer dar uma certa dignidade à atividade. Veste-se o jogo como uma atividade digna, legítima e comercial, mas, na verdade, os dados não demonstram isso. Duvido que será instalado um cassino em Canindé ou na Caicó de V. Exª! Que nada! Farão como em 1931, quando instalaram cassinos em Las Vegas.

Hoje, quando estamos próximos do ano 2000, qualquer americano, em menos de duas horas de viagem de carro, chega a um cassino. Os dados de que disponho mostram que, nos Estados de Wisconsin e Illinois, a maior parte dos ganhos dos cassinos provém de jogadores da própria comunidade e não de forasteiros. Isso quer dizer que esses ganhos não têm nada a ver com a atração do turismo. Nesse ponto, estou de acordo com V. Exª.

Por exemplo, há uma polêmica do Ministério Público com relação ao serviço telefônico 0900, porque foi dada uma concessão para uma emissora de televisão. Estão explorando o jogo! Daqui a pouco, será possível que a rentabilidade dessas empresas, em grande medida, advenha do jogo, dessa jogatina eletrônica. No que diz respeito ao bingo, há uma lei; acabamos de votar aqui a revisão da Lei do Bingo. A Caixa Econômica explora esses concursos de prognósticos. Também discordo desse aspecto. Não é o fato de o jogo ser explorado pelo Estado que faz com que o mesmo seja legítimo, embora, em princípio, a renda decorrente sirva para subsidiar algumas atividades de cunho social. Mas não é o caso de se justificar o jogo por isso.

O projeto trata de cassino e de jogo do bicho, e isso é algo que devemos distinguir. Mas, se V. Exª quiser propor uma emenda para que seja feita uma proibição geral, vamos fazê-lo. O serviço 0900 é uma vergonha!

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Lúcio Alcântara, não quero impedir a intervenção do Senador Romeu Tuma, que, certamente, é mais importante e mais qualificada que a minha.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Pelo contrário. Quero falar para apoiar a sua intervenção.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - A sua intervenção é igualmente importante e qualificada.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Penso que, não na posição de V. Exª, mas em muito do que se diz por aí afora, existe uma onda de hipocrisia indiscutível. Qual é a razão para se dizer que o jogo do bicho não pode ser legalizado? Esse jogo existe no Brasil, mas não é legal. O que é indigno não é a existência do fato. O que é indigno é não reconhecermos que esse jogo existe. Ou temos capacidade de liquidar com esse assunto ou temos o dever de aceitar que este País pertence ao seu povo. As instituições que nos governam, presumivelmente, são instituições que criamos e mantemos e devem estar, portanto, abaixo de nós; essas instituições devem ser inferiores à sociedade.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - É verdade.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Na realidade, o que estamos verificando? A sociedade não pode fazê-lo, porque não sabe gerir a sua dignidade, e os pais de família não sabem cuidar do seu dinheiro ou da sua família ou da sua moral, mas o governo sabe. Então, sendo o governo, qualquer governo, em qualquer tempo, sendo o Estado, pode. Os sorteios da Caixa Econômica são jogos de azar puro e simples, não vejo diferença.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Não podemos defender um Estado intervencionista. Até o mundo está caminhando em outra direção. Mas há certas regras. A famosa defesa da sociedade não pode deixar de ser exercida, é papel do Estado. Se o Estado não existir para isso, vai existir para quê?

Qual o proveito que poderá advir da legalização dos cassinos no Brasil - é a pergunta que faço -, a não ser para os donos, para os proprietários dos cassinos? Então, por que o Estado vai sancionar uma atividade dessa? O próprio projeto diz que vai haver uma contribuição que será instituída por lei complementar. Quando isso será instituído? Os defensores respondem que será uma contribuição para o Imposto de Renda. Ora, sabemos que, no Brasil, quem praticamente paga Imposto de Renda são as pessoas físicas. Como pensar que cassino vai pagar?

Há pessoas que gostam de jogar e querem jogar. Se for esse o argumento, teríamos que ceder a outros impulsos que os cidadãos têm também, como o de que falava há pouco o Senador Romeu, da droga. Há quem defenda a legalização da maconha, a liberação das drogas. É um debate. Não acho que eu esteja completamente com a razão, mas, pelo menos, vamos colocar as coisas nos seus devidos lugares: se querem legalizar o jogo, vamos legalizá-lo; mas não me venham com conversa de turismo, de criação de emprego, de desenvolvimento, porque cassino não é instrumento de desenvolvimento em lugar nenhum.

Fiquei pasmo quando soube o que representa o Cassino de Monte Carlo para Mônaco - que, com todo respeito à sua beleza, comparando com as grandes cidades brasileiras, é um bairro. A participação do cassino na renda do Principado é ridícula: está em torno de 4% ou 5%. É uma coisa que atrai o mundo todo, todo mundo já se extasiou diante da elite mundial freqüentando aqueles salões e, no entanto, não vale nada em termos de arrecadação para uma Cidade-Estado, como é Mônaco.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte ao Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Senador Lúcio Alcântara, serei rápido, em função mesmo de um compromisso. O debate sobre o tema que V. Exª traz é importante. O Senador Geraldo Melo tem razão nesse aspecto de acompanhar de perto essas discussões para que possamos, diante da globalização, da modernidade, saber como decidir. Há os prós e os contras e V. Exª tem mostrado aqui uma coisa que é importante: a doença social. Quer dizer, não é a doença física. V. Exª, como médico, traz à nossa discussão a tentativa de uma cura para uma doença social: o jogo compulsivo. Li matérias enormes sobre o tema discutido, enfocando tratar-se de uma doença que tem que ser tratada. Quanto ao jogo do bicho, falo por experiência policial - se me for permitido apenas tocar nesse tema que o Senador Geraldo Melo está debatendo: sempre que se consultava uma autoridade, um secretário de segurança, um chefe de polícia, a resposta era: há outras prioridades. Então, a tolerância com a contravenção, sem dúvida nenhuma, proporcionou a abertura de vários crimes conexos, dela advindos.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Nós precisamos da tolerância zero, não é, Senador Romeu Tuma?

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - É. Mas então essa tolerância fez com que essa Juíza Denise Frossard mostrasse alguns fragmentos de uma doença social que é grave, que é a corrupção. Quem se corrompe pelo jogo de bicho não vai ter nenhuma dúvida em se corromper por outro. Não vai dizer: “Não, o jogo de bicho não é crime e eu posso receber algum dinheiro de favor”. Negativo. Quando você quebra a estrutura moral, ela vai de roldão.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Veja V. Exª - para aproveitar o seu aparte - que mesmo com atividades com hábitos de consumo há muitos e muitos anos legais, como, por exemplo, fumar e tomar bebida alcoólica, a tolerância da sociedade com esses hábitos está diminuindo. Todo dia aumentam as restrições: não pode fumar aqui, não pode fumar ali, projeto para não vender cigarro a menor, projeto para não vender bebida a menor. O Senador José Serra - agora Ministro da Saúde - ampliou o horário da interdição para publicidade de bebidas alcoólicas na TV. E essa intolerância está levando a quê? Hoje, criança com dez, doze anos de idade está começando a beber, tomando porre de cerveja. Infelizmente é uma constatação. Amanhã vai ser o quê?

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - É um estímulo indireto.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Vai ser um alcoólatra. Vai passar para outras bebidas mais fortes e tudo o mais. Quer dizer, a sociedade também experimenta e depois reage. Talvez aí, para concordar com o Senador Geraldo Melo, há uma espécie de auto-regulação, mas à custa de muito sofrimento.

           O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA(PSDB-CE) - Ouvi muita autoridade dizer que não podíamos abrir mão do IPI do cigarro, mas hoje já há cálculos demonstrando que a despesa decorrente dos males com o cigarro é muito maior do que o apurado com o Imposto.

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Mas aí teria que proibir, então.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Exatamente. Pelo menos a restrição está aumentando. Todos nós concordamos que está aumentando.

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Fumante, hoje, já é indesejável em vários locais. Nos Estados Unidos é difícil. Mas, só para terminar, nobre Senador, V. Exª também se referiu ao bingo esportivo, que era da Lei Zico. A regulamentação dessa lei, o seu controle, foi entregue aos Estados. Mas começa a se perder na medida em que a fiscalização passa a não existir. O objetivo era manter o esporte amador, mas, às vezes, o clube que dá o nome é que tem que pagar imposto, quando não recebeu nada.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - É laranja.

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Portanto, não vou entrar no mérito da discussão do projeto, mas há uma grande interrogação: o Estado está em condições de fiscalizar a autorização da abertura de cassino em cada Estado?

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Para começar.

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Para começar, até que seja regulamentado.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Exatamente.

           O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Não vou entrar no mérito, mas a Receita, na exposição aberta, foi contrária porque não tem essa condição.

           O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Nobre Senador Geraldo Melo, o nobre Senador Lauro Campos já me havia solicitado o aparte anteriormente - se V. Exª for breve, eu o ouvirei, porque quero concluir o meu pronunciamento.

           O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - É apenas uma pequena observação em relação ao papel do Estado. Como regulador e como autoridade que a sociedade escolheu para disciplinar as suas próprias normas, não há nenhuma divergência entre o que V. Exª diz e o que eu digo. Apenas penso que o Estado não deve regular a sociedade contra a vontade dela. Deve submeter-se à vontade dela, embora caiba a ele, inalienavelmente, a responsabilidade, o direito e o dever de normatizar. Segundo, gostaria de fazer uma pequena observação sobre a questão de corrupção no jogo do bicho. Para mim, o importante para o País era que o jogo do bicho não existisse. Agora, se ele existe, e sabemos que ele existe e somos tolerantes, sabemos que o fato de ele existir ilegalmente é que obriga os bicheiros a corromperem as autoridades. Na realidade, se ao invés de pagar a taxa de corrupção eles pagassem o imposto, o jogo, para a sociedade, não mudaria nada, porque ele continuaria existindo como agora. Gostaria finalmente de dizer que não sou um dos defensores da legalização do jogo no País, apenas sou alguém que acha que a discussão não está esgotando dúvidas que a sociedade tem, com justa razão.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Isso ficou claro, Senador.

           Concedo o aparte ao Senador Lauro Campos.

           O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - Advirto ao orador e ao aparteante que o tempo está prestes a se esgotar. Peço brevidade nessas últimas intervenções.

           O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Pois não, Sr. Presidente. Apenas gostaria de ouvir o Senador Lauro Campos, que de há muito havia manifestado o desejo de dar um aparte. Logo após, concluirei.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Apenas gostaria de colocar a minha posição, que se parece muito com a de V. Exª, Senador Lúcio Alcântara, e de salientar algo. Em 1992, entrei junto à Procuradoria-Geral da República com uma representação que tinha por escopo justamente coibir e mesmo eliminar esses bingos, loterias e sorteios televisivos. Naquele tempo, três televisões realizavam essas atividades. Anteontem, tive notícia pelos jornais de que o Tribunal Regional de São Paulo estava examinando a questão e, possivelmente, iria prolatar uma sentença que seria prejudicial aos interesses do Grupo Sílvio Santos, que, por intermédio da Liderança Capitalização, explora o jogo do bicho. Os jogos de azar estavam proibidos desde os tempos de Dutra. Jogos de azar são aqueles em que as pessoas não usam nem a inteligência, nem a esperteza para conseguir resultados. Jogos de azar, portanto, são aqueles em que não há influência de qualquer atividade humana em relação aos seus resultados. Então, os jogos de azar estavam proibidos. O que fizeram os espertos? Havia um excludente de criminalidade em relação à Caixa Econômica Federal, introduzido nos anos 60 no Brasil. Quer dizer, só não seria crime a utilização e exploração da loteria esportiva e outros semelhantes feita pela Caixa Econômica Federal. Nesse caso, houve suspensão de criminalidade apenas em relação à Caixa Econômica Federal. Penso que isso é muito saudável no sentido de que: dos males o menor. Quer dizer, é melhor do que se conceder a exploração desses jogos a particulares, que ganham uma fortuna só pela falta de devolução daquele valor de R$1,60 aplicado na capitalização - o que, na realidade, é apenas uma capa da exploração da loteria. Dessa forma o Grupo Sílvio Santos embolsou R$300 milhões em um ano. Por isso, assim como o monopólio da força, da coerção tem de ser exercido pelo Estado - só o Estado pode prender; se eu for prender alguém é cárcere privado, é crime -, penso que o jogo deveria continuar a ser monopólio do Estado, vinculando-se a destinação de parte desse resultado a iniciativas de interesse social.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Vou concluir citando o Senador Bello Parga. Pesquisei muito a questão da capitalização. Fiz um pedido de informação ao Ministro da Fazenda, que me enviou os dados. Fui despertado para isso por um cidadão que me escreveu uma carta. Os dados e as cifras envolvidas espantaram-me, levando-me a elaborar um projeto dispondo sobre a destinação dos títulos premiados, ou dos que completaram em parte ou no total a capitalização, e que não foram buscar o dinheiro. Simplesmente, as empresas estão se apropriando desses recursos. Elaborei o projeto, louvando-me no caso do PC, em que o Governo se apropriou dos recursos das “contas fantasmas”, ou seja, daqueles que não se recadastraram. Então, fiz algo semelhante.

Entretanto, o Senador Bello Parga, com sua clarividência, enxergou ali vícios de inconstitucionalidade e melhorou o projeto de minha autoria. Fez, assim, um substitutivo, constituindo um fundo, que será gerido pelo Estado para destinar esses recursos, com finalidades sociais, até que alguém, dentro das regras do Código Civil, possa apresentar-se como detentor daqueles valores.

Espero que esse projeto tramite, ordenando a questão, porque as cifras oferecidas pelo Ministério da Fazenda, atendendo a requerimento que formulei por intermédio da Mesa do Senado Federal, são realmente impressionantes.

V. Exª tem toda razão. Então, que esses recursos sejam destinados ao Estado, de quem poderemos cobrar e exigir, melhor controlando para que a utilização dos lucros auferidos tenha cunho social.

Sr. Presidente, creio que o assunto ainda vai ser objeto de muita discussão nesta Casa.

Muito obrigado.

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO PROFERIDO PELO SR. LÚCIO ALCÂNTARA:

           Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, há momentos, em nossa carreira de Parlamentares, em que temos a oportunidade de tomar decisões de alcance mais largo, cuja influência se estende a diversos setores da vida política, econômica e social da Nação. Nossa responsabilidade, nessas ocasiões, é tremenda: qualquer erro - por mais bem intencionado que tenha sido o ato que o gerou -, qualquer desvio de informação - causado que seja pela falta ocasional de dados objetivos ou pela manipulação dos dados existentes por parte de lobbies - pode nos levar a equívocos lamentáveis. O ulterior arrependimento em pouco ou nada nos ajudará na correção de rumos que haverá de se fazer necessária, nos casos mais graves, pois sempre há conseqüências irreversíveis para certas decisões legislativas.

           Meu desejo, neste pronunciamento, é tratar, como alguns dos meus insignes pares podem estar antecipando, da possibilidade que se oferece agora de revogar-se a legislação que proíbe os jogos de azar no Brasil. V. Exªs sabem, por minha recente atuação como relator do Projeto de Lei sobre o assunto na Comissão de Assuntos Econômicos, que sou frontalmente contrário à liberalização do jogo. Do ponto de vista de meu posicionamento pessoal, portanto, este discurso não traz novidades àqueles que estão informados sobre as atividades dos membros desta Casa.

           No entanto, sinto ser meu dever insistir nisso que considero uma questão fundamental. Faço-o, não somente para chamar a atenção dos Parlamentares presentes neste plenário, que votarão esse Projeto, mas também para despertar as consciências de toda a Nação: dessa gente que nos enviou a esta função pública e espera que tomemos as melhores decisões para o futuro do Brasil. Gente, por sinal, que haverá de nos cobrar caro por nossos equívocos.

           Daqui desta tribuna, portanto, tendo por audiência os Srs. Senadores e quantos brasileiros possam estar sintonizando a TV e a Rádio Senado, além dos que vierem a ouvir, à tardinha, a Voz do Brasil, quero retomar alguns dos argumentos que alinhei em meu parecer e, se me permitem V. Exªs, desenvolver mais alguns, visando, sobretudo, a refutar, com dados objetivos, as alegadas vantagens econômicas do jogo legalizado.

           Os defensores da volta dos cassinos à legalidade costumam levantar sempre os mesmos argumentos de razão econômica, como a criação de empregos, a geração de impostos, a dinamização de regiões distantes dotadas de potencial turístico, como os paraísos ecológicos, as estâncias hidrominerais e os balneários litorâneos. Para esses analistas, o jogo, uma vez liberado, propiciaria a criação de empregos, tanto na atividade principal, de jogo propriamente dito, quanto nas atividades paralelas, como as de bar, restaurante e hotel. Além disso, os hotéis-cassino poderiam ser também casas de espetáculos, criando outros empregos e trazendo benefícios de ordem cultural e artística.

           Desse modo, ao lado de empregos para crupiês e caixas da banca, por exemplo, também haveria demanda de trabalhadores para as funções de servente, arrumadeira, cozinheiro, garçom, vendedora de tabaco, etc. Assim, a atividade teria um enorme efeito multiplicador sobre as bases tributárias, por se tratar de uma atividade movimentadora de grandes somas de dinheiro, por incrementar o movimento turístico - sem dúvida uma das atividades mais lucrativas no mundo de hoje - e por gerar também tributos incidentes sobre salários, como as obrigações trabalhistas e o imposto de renda.

           Não nos esqueçamos, tampouco, já que falamos do aspecto cultural e artístico, de como o saudosismo dos tempos dos cassinos Atlântico e da Urca no Rio de Janeiro foi, por décadas, o cavalo-de-batalha de personagens notáveis do mundo dos espetáculos, como o ator Sebastião Prata, o Grande Otelo. Clamando repetidamente pela volta dos cassinos, em plena era da televisão por satélite, nosso Macunaíma continuava a chorar as orquestras, os corais, os dançarinos, humoristas e cantores que, coitados, viram-se desempregados no dia 30 de abril de 1946, quando o Presidente Eurico Gaspar Dutra promulgou o Decreto-Lei nº 9.215.

           Podemos até relevar, em merecida homenagem a Otelo, o caráter corporativista de sua arenga. Não podemos é ignorar o fato de que o advento da televisão trouxe uma queda progressiva e segura do público de espetáculos, relegando ao gueto da pornochanchada o antes florescente gênero da revista em que ele, Otelo, brilhou.

           Em tempos de videocassete e, mais recentemente, de televisão por assinatura, até o público dos cinemas foi esvaziado, o que se demonstra pela transformação de diversas dessas salas de projeção em templos evangélicos. Sonhar com um passado de salas de espetáculos cheias, dando emprego a uma miríade de profissionais não passa, portanto, de mistificação saudosista. Deixemos o passado para trás!

           Julgo, porém, que acabei por ir muito longe e por desviar-me de meu assunto. Volto, então, ao debate sobre a legalização do jogo. Falei, pois, dos argumentos fundamentalmente econômicos dos seus defensores. Os opositores da legalização, por seu lado, dividem-se em dois tipos. Por um lado, há aqueles que alinham, principalmente, argumentos de ordem moral, como os dignitários da Igreja Católica que publicam colunas regulares em jornais, como D. Luciano Mendes de Almeida e D. Lucas Moreira Neves; por outro lado, os que se dedicam, mais objetivamente, a contestar as tais vantagens econômicas apontadas por defensores da volta dos cassinos e da legalização do popular bicho.

           Quero deixar claro que respeito profundamente os questionamentos morais dos sacerdotes, bem como os dos representantes de todas as religiões e correntes de pensamento. Penso que eles têm o direito de manifestar-se e de buscar convencer seus fiéis e seguidores. As questões morais, porém, são de foro íntimo ou confessional, não servindo como base para a elaboração das leis em um Estado laico e pluralista, como é a República Federativa do Brasil, a partir mesmo de uma das mais importantes cláusulas pétreas de sua Constituição.

           Por essa razão, se ainda vou tratar, neste pronunciamento, de algumas questões morais, fá-lo-ei dando ênfase a suas conseqüências econômicas e sociais, eximindo-me de exarar juízos de valor. Não é meu objetivo, por exemplo, condenar o vício ou as pessoas que se viciam no jogo, mas ressaltar a perda de renda e de bem-estar que seu hábito representa para suas famílias, sobretudo quando são pobres.

           Os dados que passarei a expor provêm do estado norte-americano do Novo México, onde acordos entre as diversas tribos de índios da região e o Governo estadual autorizaram, em 1995, o funcionamento de cassinos nas áreas de reserva indígena. Antes de trazê-los ao conhecimento dos Srs. Senadores, porém, julgo necessário fazer um pequeno relato sobre a questão legal dos cassinos indígenas norte-americanos.

           De fato, uma lei federal americana, bastante restrita, faculta o funcionamento de cassinos em reservas indígenas, a partir de acordos entre as tribos e os Estados. O objetivo dessa abertura é o de propiciar alguma fonte de renda para as tribos, visto que, muitas vezes, desde o século passado, por razões históricas e políticas, elas foram confinadas em áreas desérticas e improdutivas. Para consolidar essa fonte de rendimento, essas autorizações concedem aos índios o monopólio do jogo em cada Estado. Em todo o país, 145 tribos fizeram um total de 161 acordos com os governos de 24 Estados, segundo dados atualizados do Ministério do Interior dos EUA.

           No caso do Novo México, houve muita contestação, no plano legal, dos acordos de 1995, o que incluiu desde a alegação de transgressões da lei federal na forma como foram feitos, até argüições quanto a constitucionalidade. Depois de sua impugnação, pela Suprema Corte estadual, os cassinos continuaram abertos enquanto as tribos recorriam à esfera federal, onde também foram considerados ilegais. Finalmente, em 1997, novos acordos foram assinados e reconhecidos pelo judiciário. Como resultado, 11 tribos já operavam cassinos ao final do ano passado e outras 4 haviam assinado o acordo, pretendendo abri-los em breve.

           Passo agora às estatísticas do Novo México, fornecidas pela organização não-governamental Coalizão Estadual contra o Jogo. Embora faltem dados anteriores a 1994, que poderiam fornecer informações sobre as tendências de longo prazo das estatísticas levantadas, alguns números são bastante eloqüentes e indicam uma probabilidade séria de que o único fator relevante a influenciar a evolução dos fatos tenha sido a introdução dos cassinos. É importante notar que se trata de dados econômicos, que contradizem fortemente a noção de que jogo traz riqueza.

           Será, por exemplo, que a criação de cassinos no Novo México criou empregos no Estado? As estatísticas não mostram isso: a taxa de desemprego pulou dos 6 por cento em 1994, antes do jogo, para 6,5 por cento em 1995, ano em que os cassinos foram abertos, e para 7 por cento em 1996, ano em que funcionaram a todo o vapor.

           Reduziu-se a miséria? Que nada: a percentagem de pessoas vivendo abaixo do nível de pobreza definido pelo Governo americano pulou de 21,1 por cento em 1994 para 25,3 por cento em 1995. Ou seja, houve um incremento de cerca de vinte por cento na pobreza, tudo isso em apenas um ano!

           E os negócios em geral no Estado, melhoraram? Bem, não é o que mostram os dados referentes ao crescimento do faturamento dos restaurantes no Novo México, precisamente um dos setores que deveriam ser mais beneficiados com o influxo turístico. Pois o faturamento dos restaurantes crescia à taxa de 7 por cento ao ano até 1994, tendo caído para a taxa de 1,52 por cento em 1997. Ainda quanto ao suposto progresso econômico, observe-se a evolução das falências. Foram 3.526 em 1994, passaram para 4.343 em 1995 e atingiram a marca de 5.882 no Estado em 1996. Aumento de 67 por cento.

           Uma questão social sempre associada ao jogo é, por certo, a criminalidade. Pois não deu outra: o número de crimes graves cometidos na capital Albuquerque passou de 40.390 em 1994 para 48.246 em 1996, com um aumento de 19,5 por cento.

           Enquanto isso acontecia, enquanto todos os indicadores econômicos e sociais se agravavam, será que os cassinos estavam falidos, será que estavam mal administrados, não rendendo o benefício social que poderiam? Hipótese falsa: seus lucros cresceram solidamente, de 300 milhões de dólares em 1995 para 450 milhões em 1996 - um aumento de 50 por cento.

           É útil citar, ainda, alguns dados relativos às influências sociais do jogo, recolhidos por pesquisadores de algumas das mais prestigiosas universidades americanas. São estatísticas que mostram, como mencionei anteriormente, os efeitos econômicos e sociais dos problemas morais que os cassinos trazem às comunidades em que se instalam.

           Por exemplo, o professor John Warren Kindt, da Faculdade de Economia da Universidade de Illinois, constatou um aumento de 100 a 550 por cento no número de jogadores compulsivos nas áreas em que se instalam cassinos. A quantidade de lares endividados, que deixam de pagar a hipoteca e precisam reduzir suas despesas básicas aumenta proporcionalmente. Além disso, o vício no jogo, segundo relatório do Promotor Geral do Estado de Maryland, Joseph Curran Jr., está relacionado à maioria dos casos de violência doméstica e de abuso sexual de crianças naquele Estado.

           Entre as pessoas mais susceptíveis ao vício do jogo estão os adolescentes. O Professor Howard Schaffer, da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, estima em 6 por cento o número dos jovens norte-americanos viciados no jogo, e em 17 por cento o número dos que apresentam problemas de comportamento relacionados ao hábito de apostar. Além disso, dez por cento dos adolescentes, segundo estudo do Professor Durand Jacobs, da Escola de Medicina da Universidade de Loma Linda, envolvem-se em diversas atividades ilegais, como roubo, furto, tráfico de drogas ou prostituição, para financiar seu vício

           Não é tudo: nos condados onde há cassinos, de acordo com uma análise publicada no U.S. News and World Report, as taxas de criminalidade são duas vezes maiores do que na média nacional das comunidades de porte equivalente. Atlantic City, por exemplo, era a qüinquagésima cidade americana em criminalidade antes da abertura do jogo; pois bem, Sr. Presidente, será que os cassinos não terão nada a ver com o fato de que ela passou, hoje, para o posto de cidade norte-americana mais violenta, em relação a sua população?

           O propalado papel que os cassinos teriam no aumento da arrecadação de impostos, melhorando as contas públicas, é categoricamente desmentido pelas estatísticas americanas. O já citado economista John Warren Kindt calculou que, nos Estados Unidos, para cada dólar arrecadado pelo Estado a partir dos lucros dos cassinos, 3 dólares passaram a precisar ser gastos nos sistemas judiciário e penal, na seguridade social e em outras despesas públicas.

           Aumento no turismo? Qual nada: as estatísticas de alguns Estados americanos, como Illinois e Wisconsin, mostram que a maior parte dos ganhos dos cassinos provém de jogadores da própria comunidade, e não de forasteiros.

           De onde vem então, Srs. Senadores, essa certeza que têm os defensores da reabertura dos cassinos de que eles podem trazer benefícios à sociedade, se toda a experiência mundial mostra o contrário?

           Uma palavra deve ser dita, finalmente, para contestar os que alegam que o jogo já existe, clandestinamente, e que é melhor legalizá-lo, passando o Estado a arrecadar recursos de impostos com seu funcionamento. Desse tipo de argumentação tivemos exemplo no depoimento de Íris Resende, então Ministro de Estado da Justiça, à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Disse nosso companheiro de Senado, entre outras coisas, que, quando Governador de seu Estado de Goiás, tentou combater o jogo do bicho mas fracassou, constatando que era grande o poder de corrupção dos banqueiros sobre o aparelho policial e jurídico. A partir dessa experiência, teria passado a defender a opinião segundo a qual é melhor legalizá-lo.

           Ora, com a devida vênia e com o respeito merecido por uma figura tão insigne da República: é completamente descabida a idéia de que o Estado deveria legalizar os crimes que não consegue combater. Assim, se houvesse uma onda de seqüestros indeslindados, deveríamos legalizar os seqüestros. Daí para se descriminarem o estupro, o assassinato e o roubo seria um pulo. Ademais, existe, entre os maiores criminologistas do País de do exterior, a suspeita, quase certeza, de que a estrutura de crime organizado montada para a exploração do jogo clandestino esteja também ligada ao tráfico de drogas e armas.

           Vamos entregar a esses criminosos e contraventores, de mão beijada, as condições de exercerem suas atividades ilegais mais tranqüilamente, no bojo da legalização do jogo?

           Não é tudo: foi uma grande vitória conseguirmos elaborar e aprovar uma lei moderna e eficiente contra a lavagem de dinheiro. Vamos anular graciosamente seus benefícios, autorizando o funcionamento de uma atividade econômica cuja verificação e controle de rendimentos é difícil, quase impossível, por parte do Estado?

           Srs. Senadores, como disse no início deste pronunciamento, não são comuns ocasiões como esta, em que temos uma decisão tão importante para tomar com nosso voto, neste plenário. Exorto-os para que o façam com o espírito informado e a consciência de que o País já convive com um excesso de jogos, entre as loterias estatais, os bingos e os sorteios televisivos.

           Não nos esqueçamos, igualmente, do fato de que bingos e tele-sorteios foram criados pela Lei dos Esportes com o objetivo de angariar recursos para instituições sem fins lucrativos dedicadas aos esportes ou a atividades filantrópicas. Pois bem, por essa brecha na proibição dos jogos de azar está passando toda sorte de pilantragem, como vêm noticiando os meios de comunicação. O impasse recente entre a União e os Estados quanto à fiscalização dos bingos é uma demonstração dos problemas legais que o jogo introduz.

           Barremos essa proposição, para que não seja necessário o Presidente da República se dar ao trabalho de vetá-la, como já foi anunciado que o fará, se a aprovarmos. Barremo-la, para que não seja necessário, depois, tornar a proibir o jogo.

           Não se trata de uma questão de prurido moralista, mas de pura razão econômica.

           Enquanto os meios de comunicação e alguns formadores de opinião divulgarem a idéia de que o Congresso é inútil, será muito grave que lhes mostremos que estão com a razão, aprovando uma proposição destas, que atenta contra os interesses do Estado e da Nação.

           Barremo-la, é o que tenho a lhes pedir.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/1998 - Página 10138