Discurso no Senado Federal

CRITICAS AOS QUE APREGOAM O ADVENTO DO CAOS, NA HIPOTESE DE VITORIA DA CANDIDATURA DE LUIZ INACIO LULA DA SILVA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • CRITICAS AOS QUE APREGOAM O ADVENTO DO CAOS, NA HIPOTESE DE VITORIA DA CANDIDATURA DE LUIZ INACIO LULA DA SILVA A PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/1998 - Página 10146
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • CRITICA, FORMA, ATUAÇÃO, PARCELA, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, APOIO, REELEIÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APREENSÃO, CRESCIMENTO, CANDIDATURA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, CARGO ELETIVO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, MOTIVO, IMPUTAÇÃO, CANDIDATO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), EVENTUALIDADE, VITORIA, ELEIÇÃO, PROVOCAÇÃO, DESMONTAGEM, PAIS.
  • ANALISE, CRITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, RESPONSABILIDADE, DESMONTAGEM, BRASIL, RESULTADO, APROVAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, REELEIÇÃO, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), AUMENTO, COBRANÇA, TAXAS, JUROS, PROVOCAÇÃO, IMPEDIMENTO, CRESCIMENTO ECONOMICO, AGRAVAÇÃO, PROBLEMA, DESEMPREGO, FOME, MISERIA, FALTA, INICIATIVA, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE, CRISE, ATENDIMENTO, SERVIÇO PUBLICO, SAUDE.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na dança dos números que brotam das agências de pesquisa que tentam determinar as variações dos humores dos eleitores e suas preferências em relação aos candidatos que ocupam o cenário político brasileiro, percebemos o desespero de alguns e, obviamente, a satisfação de outros.

Nas últimas pesquisas, com a queda da preferência manifestada pelo Presidente Fernando Henrique Cardos e a ascensão do candidato Lula, vemos que começam a recorrer, prematuramente, à guerrilha, que vê a possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva como uma ameaça do caos. Dizem que “o caos vem aí, se Lula vencer a eleição”.

No entanto, esses mesmos que estão aí agora fazem antevisões terroristas para o futuro, se tudo não permanecer como está, se a estrutura do poder não for essa, se os seus componentes não permanecerem imutáveis por meio de um processo de reeleição. Eles, muito modestamente, escondem sua contribuição para o caos social e econômico que já está instalado neste País.

O que disse o Ministro Bresser Pereira, por exemplo, secundado pelo Presidente da República, numa entrevista que os dois concederam à Revista Esquerda 21, em seu primeiro número? Há mais de um ano, S. Exªs disseram: “Estamos no caos”.

Se estamos no caos, de acordo com declaração do próprio Presidente da República, é óbvio que Luiz Inácio Lula da Silva não pode ser responsável por um caos que virá por aí. Já estamos no caos! Reservo, portanto, a autoria desse diagnóstico ao Senhor Presidente da República e ao Sr. Ministro Bresser Pereira. Eles já sabiam, há um ano, e tinham de saber, que estamos no caos.

Um dos responsáveis por este caos e pelo agravamento da situação é, obviamente, a reeleição, a experiência inédita da reeleição, que só poderia fazer com que o caos se aprofundasse no Brasil. E, depois, uma política desastrosa e teimosa, na qual querem insistir, com a desconstitucionalização, o desemprego, o esfacelamento da estrutura do Estado. Insiste-se nos “des”: na desmontagem de tudo, por meio da desmoralização das nossas universidades, do desfazimento dos serviços públicos de saúde, de educação, etc.

Desmancharam o País em três anos e meio de Governo e agora teriam que, obviamente, editar um plano “Brasil em Ação” para ver se o brasileiro esquece, nos poucos meses que nos separam da reeleição, o “des”, o desemprego, o sucateamento da indústria nacional, o número de falências incrível que importamos por meio de nossas políticas cambiais, de nossas políticas fiscais, de nossa política de taxas de juros elevadíssimas adotadas como proteção. Em nome da proteção da economia nacional e do Estado nacional, instauramos o caos e a crise na economia brasileira.

Agora não há tempo de voltar atrás e escolher outro caminho. O caminho é único: é o caminho da perdição. É o caminho que já havia sido barrado em 1929 pela grande crise. É o caminho do neoliberalismo - idéias fantásticas que ocorreram em 1873 a três iluminados e esquizofrênicos economistas europeus. Digo esquizofrênicos, porque o fundador, Herman Gossen, decepcionado com a receptividade de suas idéias, reuniu todos os livros que pôde, ateou fogo neles e se suicidou ao lado de sua obra, fundadora do neoliberalismo.

De modo que estamos vendo que a situação não poderia deixar de se agravar. “Governo abre cofre a gasto social”. Não sou eu que estou escrevendo esta manchete: “Governo abre cofre a gasto social”. “Equipe entra na guerra da reeleição”, diz o Jornal do Brasil. Este jornal não pertence ao PT; não temos nenhuma ação do Jornal do Brasil.

O Ministro Antonio Kandir disse, em seu discurso de posse: “Austeridade, austeridade, austeridade”. Terminou-o repetindo essas palavras. Austeridade, enxugamento, continuidade do processo de desemprego, de desrespeito aos direitos adquiridos para colocar mais gente na rua. Foram demitidos 107 mil funcionários, de acordo com as declarações de D. Claudia Costin e do Sr. Bresser Pereira. Cento e sete mil!

E agora o Presidente da República aparece na televisão, da qual, aliás, ele não sai, e diz: “Quem é que pode ser a favor do desemprego? Isto é um absurdo! Sou, obviamente, a favor do emprego”. No entanto, seu Ministro demite 107 mil funcionários.

Adotaram-se políticas bancárias que resultaram em Proers - foram gastos R$23 bilhões no Proer e mais tantos bilhões foram atraídos para socorrer os banqueiros quebrados -, contra a orientação de Milton Friedman, que é o representante atual, moderno, neoliberal, com os seus 90 anos. Ele afirmou o seguinte: “As instituições internacionais não podem e não devem socorrer os bancos quebrados”. Ele disse isso recentemente, referindo-se ao que está acontecendo no Sudeste Asiático. Aqui, os seus discípulos têm uma espécie de “bancotropia”, “bancotropismo”, uma atração pelos bancos.

A seca que fique por lá, a queimada que devore a floresta, os pobres que morram de fome. Mas os banqueiros, não. Os banqueiros não podem quebrar. Infelizmente, ouvi isso, pela primeira vez, do Ministro Sayad, em 1984: “Os bancos não podem quebrar”. O resto pode quebrar: os mini e pequenos empresários podem quebrar, os consumidores também. Há 52% de inadimplência neste País; os consumidores foram levados, conduzidos a gastar mais do que a sua capacidade de pagamento lhes induziria, por propagandas, por uma taxa de juros que, logo em seguida, veio cortar a sua cabeça.

Fiz um projeto de lei a respeito, preocupado que estava, sabendo que iria acontecer isso. O que propõe o meu projeto de lei? Ele estabelece no Brasil a falência civil, que existe na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros países. Dessa forma, aqueles que foram induzidos a comprar acima de sua capacidade, aqueles que foram vítimas da “empurroterapia”, daqueles que empurram seu estoque sem analisar a capacidade de compra de seus clientes não seriam os únicos apenados: para receber, os credores teriam de formar um concurso de credores da pessoa física que houvesse pedido falência civil. Cinqüenta e dois por cento de inadimplência é uma verdadeira loucura: metade dos que compraram não estão pagando.

Diante dessa situação caótica, descobrem que o caos vem por aí. Não vem por aí não! O caos pertence a eles. Não venham socializar a culpa pelo caos! Os dados estão aí, gritantes. Eles estão produzindo o caos há muito tempo. Há pouco tempo, quando o caos se manifestou de forma virulenta no Sudeste Asiático, o que eles fizeram? Multiplicaram a taxa de juros do Brasil, que já era a mais alta do mundo civilizado, por sete. Ela chegou a um nível sete vezes maior do que a maior taxa de juros do mundo civilizado. Isso foi feito em nome da salvação nacional, para impedir que o dinheiro que aqui estava saísse do País - os US$62 bilhões que estavam mamando nas reservas internacionais brasileiras, o dinheiro que estava especulando na Bolsa. O que eles fizeram? Obviamente, uma vez que aquelas tetas estavam secando, tiveram de arranjar o leite gordo da taxa de juros elevadíssima para que esse capital volátil, esse capital voraz não caísse fora, não emigrasse do Brasil à procura de comida mais gorda em outras paragens.

De modo que não poderia ocorrer outra coisa: houve uma primeira onda de destruição com a importação de bugigangas, de sapatos, de tecidos e de porcelanas que vieram destruir o parque industrial brasileiro e, obviamente, elevar o desemprego a mais de 8% - como se encontra hoje.

O que vemos, portanto, é que houve uma onda de destruição e de sucateamento - e o Presidente da República falou no dia 19 de junho, páginas 9, 10 e 11 da Gazeta Mercantil, que “realmente nós exageramos um pouco, o câmbio foi fixado de uma maneira exageradamente valorizada”. “Mas”, disse ele, “o erro veio do Governo de Fernando Collor, que exagerou.” E ele teve quatro anos para sanar o exagero e preferiu continuar caminhando em direção ao caos.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso faria, então, um plano - o Brasil em Ação - para salvar alguns setores atingidos por essa primeira crise, não a da taxa de juros que Sua Excelência elevou há pouco tempo, mas a crise que permitiu o escancaramento da economia nacional, para que fosse destroçada pelas mercadorias produzidas por salários de menos de US$1,00 por dia, na China e em Bangladesh.

Um recente estudo, realizado na Alemanha, afirma que se as mercadorias alemãs, com tecnologia elevada, tivessem que concorrer com as de Bangladesh ou da China, o trabalhador médio alemão deveria ter seu salário reduzido em mais de 20 vezes. Isso teria que acontecer para que houvesse a globalização. Portanto, seria uma globalização por baixo, sendo preciso reduzir o custo Brasil, o custo Argentina, o custo México, o custo Alemanha, para que todos se igualassem ao custo China, ao custo Bangladesh, onde os salários são de menos de US$1,00 por dia.

É óbvia a política de retirar das costas do Governo a responsabilidade pela condução dos negócios e de culpar o mercado impessoal de guilhotinar o sistema. O mercado impessoal não tem culpa de nada, mas é sobre ele que jogam a responsabilidade desses planos malfadados, desses programas de governo completamente desgravitados e afastados do homem, da vida humana, com a preocupação tecnicista de acertar déficits sobre a destruição da vida, do emprego, da aposentadoria.

Estamos no caos e, portanto, não seria preciso relembrar, mas é bom, num País em que a memória é tão curta, recordar que a dívida líquida do setor público, a dívida interna passou de R$59,036 bilhões, em 1987, para R$102,686 bilhões, em 1989, e atingiu, em 1997, R$233,135 bilhões. Passou, portanto, de R$70 bilhões, em 1990, para R$233 bilhões agora. E o Governo lança 13 bilhões de títulos e fica muito satisfeito.

Mas o que declarou o Presidente do Banco Central na semana passada? O overnight está voltando. A cada dia que passa, o Governo só consegue vender e colocar papéis no mercado a prazo menores e a juros mais elevados. O overnight antigo era uma forma de proteger a moeda da desvalorização de uma inflação enorme. Não há, agora, motivo aparente para que o overnight volte.

Portanto, não há dúvida de que o Brasil que vai ser herdado pela administração Lula é um Brasil muitas vezes pior, com uma situação muitas vezes mais caótica do que aquele Brasil que o Presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu juntamente com a sua faixa presidencial.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/1998 - Página 10146