Discurso no Senado Federal

LEITURA DE MENSAGEM ENVIADA AOS JOGADORES DA SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SECA E DO SEMINARIO 'O NORDESTE ALEM DA SECA', PROMOVIDO PELA CUT, NOS DIAS 27 E 28 DE MAIO DO CORRENTE.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • LEITURA DE MENSAGEM ENVIADA AOS JOGADORES DA SELEÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. CONSIDERAÇÕES ACERCA DA SECA E DO SEMINARIO 'O NORDESTE ALEM DA SECA', PROMOVIDO PELA CUT, NOS DIAS 27 E 28 DE MAIO DO CORRENTE.
Aparteantes
Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 10/06/1998 - Página 10148
Assunto
Outros > ESPORTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • LEITURA, MENSAGEM (MSG), AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, ATLETA PROFISSIONAL, TIME, FUTEBOL, PARTICIPAÇÃO, SELEÇÃO, BRASIL, OPORTUNIDADE, DISPUTA, CAMPEONATO MUNDIAL, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA.
  • ANALISE, COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, PROMOÇÃO, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), MUNICIPIO, PETROLINA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), DISCUSSÃO, PROBLEMA, SECA, REGIÃO NORDESTE, PAIS.
  • ANALISE, HISTORIA, SECA, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORDESTE, INEFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, PROJETO, IRRIGAÇÃO, INICIATIVA, DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS (DNOCS), BANCO DO NORDESTE DO BRASIL S/A (BNB), COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DO VALE DO SÃO FRANCISCO (CODEVASF), SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).
  • CRITICA, GOVERNO, AUSENCIA, VONTADE, NATUREZA POLITICA, PRIORIDADE, DESTINAÇÃO, RECURSOS ECONOMICOS, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE, INSUFICIENCIA, APLICAÇÃO, VERBA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, NATUREZA SOCIAL.
  • LEITURA, PROPOSTA, RESULTADO, SEMINARIO, CENTRAL UNICA DOS TRABALHADORES (CUT), DISCUSSÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA, BRASIL, DEFESA, LANÇAMENTO, CAMPANHA, AMBITO NACIONAL, COMBATE, FOME, DESEMPREGO, CRIAÇÃO, MUTIRÃO, ARRECADAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, ARMAZEM, REDUÇÃO, PREÇO, MERCADORIA, PROGRAMA, RENDA MINIMA, ADOÇÃO, POLITICA, SAUDE, REGIÃO SEMI ARIDA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero ler a mensagem que estou encaminhando à Seleção Brasileira:

“Prezados Dunga, Jogadores da Seleção Brasileira e Comissão Técnica:

Quero lhes transmitir a maior força e energia, dizer que é muito grande a torcida para que vocês tenham um excelente desempenho, que joguem o futebol maravilhoso que sabem, como tantas vezes já demonstraram, que encantem todos os povos do mundo e que conquistem o pentacampeonato mundial de futebol. Que o façam com tanta garra quanto nós, da Oposição, estamos nos empenhando para que o Brasil deixe de ser o campeão mundial da desigualdade socioeconômica. Deus os acompanhe.

O abraço.

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy.

Líder do PT e do Bloco de Oposição no Senado Federal.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna para fazer considerações a respeito da seca e do Seminário “O Nordeste além da Seca”, que a Central Única dos Trabalhadores realizou em Petrolina, Pernambuco, em 27 e 28 de maio de 1998.

Assistimos ao quadro estarrecedor de mais uma seca no Nordeste. Milhões de brasileiros estão sofrendo as duras consequências da estiagem, de um modo que muitos julgavam implausível neste final de século. Sabemos que é a população pobre da zona rural do semi-árido nordestino que realmente padece com a seca: são os pequenos proprietários, os lavradores sem terra e as respectivas famílias que vêem suas plantações de subsistência arruinadas e aprendem a conviver com a fome, alimentando-se no limiar do mínimo necessário. São os pobres do Polígono das Secas obrigados a abandonar seus lares e seus roçados, acumulando-se nas ruas das cidades interioranas. Muitos partem para as cidades grandes do Nordeste ou do Centro-Sul do País, onde vão aumentar o contingente de desempregados. Dentre esses flagelados da seca, as crianças representam o grupo mais vulnerável, tendo o seu desenvolvimento físico e intelectual seriamente comprometido pela desnutrição; constituem também o grupo com maior número de mortos em decorrência da fome.

A seca é um fenômeno natural de caráter cíclico no Semi-árido nordestino. Isso significa dizer que, embora não possamos predeterminar sua periodicidade - Euclides da Cunha disse que, pelo menos a cada 12 anos, poderíamos esperar uma seca grave -, é certo que haverá novas secas após a atual. Também podemos prever que as conseqüências sociais da próxima seca serão tão nefastas como as que presenciamos neste momento, se não houver uma profunda mudança nas ações governamentais.

Essa história se repete dezenas de vezes. As primeiras notícias sobre a seca do Nordeste - e V. Exª, Senador Bello Parga, conhece muito melhor do que eu por ser Senador do Maranhão - datam do final do século XVI. No século passado, políticos e administradores começaram a considerar a necessidade de enfrentar mais seriamente os efeitos sociais e econômicos desse fenômeno. Apenas com a terrível seca de 1877, que resultou em centenas de milhares de mortos, o Governo do Império Brasileiro se dispôs a tomar uma medida concreta, nomeando uma Comissão Nacional de Inquérito para estudar o problema e propor soluções. As medidas recomendadas foram a construção de açudes, perfuração de poços, abertura de um canal para levar as águas do rio São Francisco para o Ceará, assim como a construção e melhoria de estradas, ferrovias e portos ao longo do Nordeste. Nada disso, entretanto, foi posto em prática, apesar de o próprio Imperador Dom Pedro II ter prometido vender as jóias da Coroa para que mais nenhum nordestino morresse de fome.

Depois da proclamação da República, o combate aos males da seca continua a ser encaminhado em marcha lenta. Em 1906, foi criada, enfim, uma instituição de caráter permanente com essa finalidade - a Superintendência de Estudos e Obras contra os Efeitos da Seca, que seria denominada, em 1945, Departamento Nacional de Obras Contra a Seca - DNOCS. Com a fundação do órgão, iniciou-se a chamada fase hídrica de combate às secas, assentada sobre uma visão que compreendia o problema unicamente como o da falta de água. A mera existência de um órgão específico, no entanto, não garantiu o sucesso dessa política das águas, que preconizava a armazenagem do precioso líquido em açudes e a perfuração de poços. As verbas afluíam precariamente, e os resultados eram pouco visíveis, situação que somente se alterou durante o mandato de um Presidente da República paraibano, Epitácio Pessoa, que procurou tornar o combate às secas uma prioridade nacional. Várias obras iniciadas nesse período, de 1918 a 1922, foram interrompidas com a posse do novo Presidente.

A Constituição de 1934 tornou dever da União a “defesa permanente contra os efeitos da seca” nos Estados do Nordeste, destinando um mínimo de 4% da receita tributária federal para esse fim. Após o Estado Novo, esse dispositivo foi restaurado pela Constituição democrática de 1946, com um percentual um pouco menor.

A estratégia de combate às secas capitaneada pelo DNOCS conseguiu armazenar, até 1958, 6,7 milhões de metros cúbicos de água em mais de 200 açudes e barragens públicas. A seca que então se abateu, não obstante, trouxe as mesmas conseqüências dramáticas de anos anteriores para a população nordestina, o que levou a um questionamento da política que vinha sendo implementada.

É certo que já havia outros indicativos de que o problema das secas devia ser situado em um quadro mais amplo. Em 1945, foi criada a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - a Chesf, estatal que alguns anos depois passou a fornecer energia elétrica a quase todo o Nordeste, possibilitando um efetivo avanço no processo de industrialização. A Companhia Vale do São Francisco surgiu três anos depois, inspirada por um programa que tornou economicamente produtivo o Vale do Tennessee. A instituição com o nome de Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Codevasf - continua desenvolvendo, até os dias de hoje, um trabalho com projetos de irrigação entre outros programas. Em 1952, foi fundado o Banco do Nordeste do Brasil - BNB, voltado, até hoje, para o financiamento de projetos que promovessem o desenvolvimento econômico na região.

           Paralelamente, ia progredindo a compreensão teórica do problema. No século passado, houve vários relatos sobre as calamidades das secas e algumas tentativas de explicação para o singular fenômeno climático. Euclides da Cunha reuniu, no estilo vigoroso de Os Sertões, publicado no início deste século, as duas qualidades de observador com formação científica e de testemunha sensível aos dramas humanos, descrevendo a resistência heróica mas inútil do sertanejo diante da estiagem. Em sua concepção naturalista, entendia a seca como uma “fatalidade inexorável”, o “martírio secular da terra” que, ciclicamente, abatia-se sobre todas as formas de vida que ali habitavam.

           Chamamos a atenção para a contribuição de Josué de Castro ao escrever, quatro décadas após Euclides da Cunha, outro livro clássico sobre os problemas brasileiros: A Geografia da Fome. Na parte que se refere ao Semi-árido, o geógrafo pernambucano mostra como a dieta parca mas razoavelmente eficaz da população sertaneja, durante a época das chuva regulares, dá lugar à fome epidêmica nas secas. Da desnutrição acentuada decorre uma série de doenças, inúmeras das quais resultam em morte, outras em males irreversíveis, como a cegueira ou a má formação óssea das crianças.

           A obra de Guimarães Duque Solo e Água no Polígono das Secas exprimia, em 1949, um outro enfoque do problema: não apenas era enfatizada a necessidade de desenvolvimento econômico para que a população sertaneja pudesse resistir melhor ao impacto da estiagem, como se propunha que a agricultura no Semi-árido fosse baseada principalmente em culturas xerófilas, mais adaptáveis ao clima seco, como o algodão mocó e a palma forrageira. O agrônomo, pertencente aos quadros do DNOCS, recomendava que também a pecuária no sertão levasse em conta a dimensão agroecológica-econômica, priorizando a criação de caprinos e ovinos.

Todo esse novo contexto institucional e teórico, somado à experiência da seca de 58, embasou o documento produzido pelo Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, coordenado pelo eminente economista Celso Furtado. O documento, que se intitulou “Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste” apresenta, ainda hoje, grande atualidade. Nele é diagnosticado o problema nordestino como sendo o subdesenvolvimento, caracterizando-se a construção da rede de açudes como “mera etapa preliminar na execução de uma política de melhor aproveitamento de terras e águas na Região”. Argumenta-se que a atividade econômica mais afetada pela estiagem é a agricultura de subsistência praticada pelos pequenos proprietários e pelos lavradores sem terra, que mantêm relações de parceria com os proprietários. De fato, metade da população economicamente ativa fora lançada em situação de indigência por ocasião da seca de 1958. Já os donos de médias e grandes propriedades dispunham - como ainda dispõem - de mecanismos para se defender da seca, a qual significava para eles essencialmente uma crise de produção.

Propondo uma estratégia para a industrialização regional, bem como para a reorganização da economia do Semi-árido, com base no equilíbrio entre a agricultura de sequeiro e a agricultura irrigada, o texto tornou-se uma referência central para a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene, em 1959, durante o Governo Juscelino Kubitschek.

A atuação da Sudene, que teve Celso Furtado como seu superintendente desde sua criação até março de 1964, marcou o surgimento de uma nova fase no desenvolvimento de programas contra os efeitos da seca. As ações de natureza permanente passaram a inserir-se em um contexto mais amplo, constando dos “Planos Diretores de Desenvolvimento do Nordeste”, que foram submetidos à aprovação do Congresso Nacional. Além de implementar seus projetos próprios, a Sudene passou a coordenar as ações de todos os Ministérios no Nordeste. Um mecanismo de incentivos fiscais deveria estimular os investimentos privados em projetos aprovados pelo órgão, transformando-se posteriormente no Fundo de Desenvolvimento do Nordeste - Finor. Após a implantação do regime militar, no entanto, a Sudene se enfraqueceu e perdeu a autonomia, em decorrência da acentuada concentração de poder e de recursos tributários na esfera federal.

Com uma nova seca, em 1970, os órgãos competentes foram levados, uma vez mais, em pleno período repressivo, a questionar os resultados das políticas adotadas. Uma pesquisa coordenada por Dirceu Pessoa e Clóvis Cavalcanti serviu de marco para uma nova compreensão do drama das secas. Constatou-se que as ações até então desenvolvidas resultaram em um reforço da estrutura latifundiária do Sertão e do Agreste nordestinos, beneficiando muito pouco os lavradores sem terra, assalariados ou parceiros e os pequenos proprietários. O simples estímulo ao crescimento econômico não se mostrou suficiente para resolver os problemas dos que mais tinham problemas. A seca desfez o tênue equilíbrio econômico da região, e seus efeitos calamitosos incidiram diretamente sobre a parte mais fraca. Mesmo nos quadros do regime militar, surgiu a consciência de que era necessário aprofundar o âmbito das ações de caráter permanente para superar os malefícios sociais da seca.

Assim foi que o Governo Federal lançou o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste, o Proterra, em 1971. O programa, que tinha entre seus objetivos a promoção de uma reorganização fundiária regional e a modernização da agricultura, defrontou-se com uma estrutura social de extremas desigualdades, em um contexto político adverso a transformações. Foram assentadas apenas três mil famílias, sendo os grandes proprietários e o capital agroindustrial os principais beneficiários do crédito concedido.

Novo programa federal foi, então, lançado em 1974, já com uma filosofia de ação plenamente identificada com o conceito de desenvolvimento rural integrado: o Polonordeste ou Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste. Sua aplicação pressupunha a realização de um diagnóstico socioeconômico de uma área determinada, a partir do qual planejou-se um conjunto de ações necessárias para elevar os níveis de produção, produtividade, renda e emprego, envolvendo componentes de infra-estrutura, sociais e produtivos. O Polonordeste, assim como o Projeto Sertanejo, de 1976, que consistia em uma linha de crédito supervisionado, com o apoio de núcleos de prestação de serviços às unidades produtoras, não obtiveram a penetração ou os resultados esperados, tanto pela diminuição das verbas quanto por terem sido planejados e conduzidos sem a participação e o respaldo dos grupos interessados.

Ainda nos últimos anos do regime militar, no início da década de 80, o Governo procurou criar um programa de grande abrangência, o Projeto Nordeste, o qual incluía o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural - PAPP -, um Programa de Irrigação e outros relacionados à saúde, educação e saneamento no meio rural. Apoiado financeiramente pelo Banco Mundial, o PAPP, que procurou absorver o método e as realizações do Polonordeste, teve um bom impulso inicial, desdobrando-se em subprojetos em todos os Estados nordestinos. Acabou, entretanto, perdendo a força, com as mudanças de rumos políticos da primeira metade do anos 80.

Também o Programa de Irrigação apresentou bons resultados iniciais, ao contrário dos demais programas do Projeto Nordeste, que não foram além da fase de planejamento. Em 1985, a criação do Ministério Extraordinário para Irrigação parecia assinalar que o tema seria priorizado pelas políticas governamentais, que, entretanto, já em 1989, foi extinto.

A Constituição de 1988, além de reintroduzir a vinculação de parte da receita tributária federal para financiamento do setor produtivo no Nordeste, em percentual de 1,8%, abriu boas perspectivas para o combate à seca ao reverter o processo de centralização efetivado durante o Governo militar, garantindo mais recursos aos Estados e Municípios. O Governo Collor marcou o momento em que se passou a adotar uma política não apenas de contenção de gastos públicos, mas de descomprometimento do Estado com a atuação em diversas áreas de interesse social, em consonância com a norma econômica preconizada pela Primeira-Ministra Margareth Thatcher.

Pela impossibilidade de aprofundar a transformação da estrutura econômica do Nordeste, a Sudene continuou a desenvolver ações de caráter emergencial durante as diversas secas que ocorrem após o seu surgimento. Essas ações repetiam as formas já tradicionais de assistência às populações flageladas, resumindo-se na abertura de postos de trabalho provisórios e na distribuição de água e de alimentos. Até a seca de 1976, as frentes de trabalho privilegiaram a construção de grandes obras, o que obrigava o trabalhador a se deslocar do seu município e a se separar da família, tendo que dividir com ela os minguados rendimentos. Nos primeiros anos da grande seca que se estendeu de 1979 a 1983, essas frentes foram voltadas para pequenas obras em propriedades particulares, cujos donos ofereciam um tipo de contrapartida, de acordo com a extensão de suas terras. Esse tipo de transferência de recursos públicos para a esfera privada foi objeto de muitas críticas e da resistência dos próprios trabalhadores, de forma que, a partir de 1981, passaram a ser executadas obras públicas e comunitárias, a cargo do DNOCS, da Codevasf e de algumas secretarias estaduais. Certas experiências realizadas em âmbito estadual propiciaram uma maior participação da população na definição das obras a serem realizadas.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Lauro Campos, se V. Exª permitir que eu avance nesse histórico, aí poderá, com todo o seu conhecimento como economista e historiador, aprofundar-se ainda mais na análise da matéria. O aparte a V. Exª está garantido, com certeza.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Sem dúvida nenhuma. Como V. Exª preferir.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Podemos tirar desse histórico de lutas contra os efeitos da seca no Nordeste uma série de conclusões importantes. A primeira delas é que, em lugar de ações emergenciais, o Semi-árido nordestino necessita de soluções definitivas para seus problemas socioeconômicos agravados pelas secas. Essas soluções compreendem não apenas o aumento da capacidade de armazenar e distribuir água, mas também o processo de desenvolvimento econômico da região como um todo e da zona rural do Semi-árido em especial.

O desenvolvimento econômico, entretanto, não beneficia por igual a todas as classes sociais. No Sertão e no Agreste nordestinos, as medidas tomadas para promover o desenvolvimento têm favorecido principalmente aqueles que menos necessitam de ajuda. Os açudes e as barragens feitos com verbas públicas em terras particulares foram quase sempre construídos nas propriedades de grandes fazendeiros e de chefes políticos, reforçando seu poder sobre os lavradores não-proprietários e minifundiários. Ainda ontem, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma extensa reportagem sobre a fazenda que parece modelo de pastagem, de criação de gado, com 1.800 cabeças de gado. A fazenda pertence a uma importante figura política, líder do governo Fernando Collor de Mello, que ainda apresenta altíssimos níveis de mortalidade infantil e de pobreza.

Essa é uma das razões que explicam o fato de a irrigação ter-se desenvolvido muitíssimo menos do que a capacidade de armazenar água, considerando-se justamente que a criação de gado costuma ter, para os grandes proprietários, maior relevância econômica do que a agricultura.

O uso de verbas públicas em benefício particular, tanto político quanto financeiro, seja nas ações emergenciais, seja nas de caráter permanente, ainda não mudou de modo substancial. Um esquema secular de dominação e de exclusão social continua, infelizmente, a mostrar-se eficaz. Ele pode ser traduzido em ação tanto na simples permuta de votos por cestas básicas como na troca de apoio político pela liberação de verbas orçamentárias, para obras que muitas vezes não se mostram essenciais para a população - para não dizer da má qualidade das cestas básicas atualmente distribuídas, que, em diversas ocasiões, estão sendo até devolvidas.

Os diversos programas criados para incentivar os pequenos produtores rurais padeceram de uma crônica falta de continuidade, sendo desativados ao sabor das mudanças políticas conjunturais. Constata-se, entretanto, uma valiosa acumulação de experiências nessa área, apontando para a necessidade de se estabelecerem programas de desenvolvimento rural integrado, abrangendo diferentes tipos de ação, aí incluída a reforma agrária. Qualquer programa que vise efetivamente ao progresso do Semi-árido nordestino deve pautar-se também pela melhoria dos seus indicadores sociais, mormente os que se referem à educação e à saúde da população. Chegamos, enfim, à presente seca e às ações desenvolvidas pelo Governo Fernando Henrique Cardoso para combatê-la, bem como ao tratamento que vem sendo dado ao desenvolvimento social e econômico do semi-árido do Nordeste.

Trata-se, antes de tudo, Sr. Presidente Bello Parga, de uma seca anunciada - a mais anunciada de todas as secas. A revista Veja, em matéria sobre a estiagem nordestina, na edição de 6 de maio último, ressaltava que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais previa, desde outubro do ano passado, que a seca seria grande. A revista ISTOÉ já anunciava, em uma matéria sobre o El Niño, de 30 de julho, que o Nordeste brasileiro seria privado de sua temporada de chuva, o que poderia “causar a maior seca desde 1983”. As mesmas conclusões estão sobejamente confirmadas no relatório divulgado em setembro do ano passado pela Comissão Especial desta Casa que analisou os problemas do El Niño.

Esses acontecimentos nos fazem recordar a história de José no Egito. Quando o Faraó sonhou com as sete vacas gordas, a que se sucederam sete vacas magras, precisou recorrer ao prisioneiro José para interpretar o sentido do sonho. Depois de ter conhecimento do sonho das sete espigas de milho frondosas e das sete espigas secas, José anunciou que o Egito passaria por sete anos de safras abundantes e sete anos de safras escassas. Desconheço se o Senhor Presidente Fernando Henrique teve algum sonho profético sobre a seca que se abateria sobre o Nordeste, mas, mesmo que não tivesse tido qualquer sonho, dispunha de previsões ainda mais seguras, obtidas pelos métodos científicos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Menos previdente que o faraó, o Presidente da República não deu a menor atenção aos sinais sobre os tempos de fome que sobreviriam para seu povo.

O que foi feito, então, Srªs. e Srs. Senadores, para evitar os efeitos catastróficos da estiagem perfeitamente prevista? O que fizeram as autoridades competentes - ou talvez devêssemos dizer incompetentes, se não fosse mais apropriado qualificá-las de profundamente desinteressadas - para minorar, a tempo hábil, o sofrimento cruel de dez milhões de pessoas, milhares das quais estão se alimentando apenas duas vezes por semana, de acordo com a referida matéria da revista Veja ou de tantas reportagens que as diversas emissoras de televisão têm mostrado nas últimas semanas?

Ao que tudo indica, não foi feito nada à altura da necessidade.

Sr. Presidente, estou prestes a concluir, mas preciso conceder um aparte ao Senador Lauro Campos.

O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - Peço a V. Exª que conclua com o aparte ao Senador Lauro Campos, pois temos outro orador inscrito.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Vou conceder, então, o aparte ao Senador Lauro Campos para depois concluir o meu pronunciamento, que tem ainda uma seqüência importante.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Parabéns, Senador Eduardo Suplicy, pela forma como aborda esse tema. Não quero tomar seu tempo, pois sei que é melhor utilizado por V. Exª do que por mim. Mas seu discurso mostra, claramente, que a seca é uma questão cultural no Nordeste do Brasil e que quando os rios param de fluir, começa a fluir dinheiro. Mas o dinheiro não corre para minorar o sofrimento dos pobres; geralmente, corre para aumentar as desigualdades sociais, para beneficiar os ricos. À página 47 do seu livro Perspectivas da Economia Brasileira, Celso Furtado, tido como socialista, afirma: “A solução para os problemas do Nordeste se encontra no próprio Nordeste. É o baixo salário monetário que recebem os trabalhadores do Nordeste que pode atrair o capital”. Então, reduzir o mais baixo salário dos trabalhadores nordestinos é a proposta para atrair o capital. Isto é cultural. É absurdo alguém encontrar na redução dos salários monetários do trabalhador nordestino a solução para os problemas do Nordeste. Levaram muito dinheiro para lá, mas não o levaram na direção social; não canalizaram esse fluxo de recurso para os fins devidos. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Sr. Presidente, tendo em vista ainda ter uma parte importante de meu pronunciamento para fazer, peço a palavra como Líder para que possa utilizar o tempo destinado aos Líderes.

O SR. PRESIDENTE (Bello Parga) - Conclua seu discurso, Senador.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ainda mais dada a relevância do tema, que diz respeito ao próprio Estado e à terra do Nordeste, a que V. Exª pertence.

Agradeço o aparte do Senador Lauro Campos. S. Exª, com seus conhecimentos, reforça os argumentos que estou expondo, ou seja, de como tantas vezes a forma de estimular o desenvolvimento do Nordeste teve por característica maneiras de concentrar ainda mais a renda e a riqueza.

            Não foi tomada alguma medida antes de o problema da seca tomar proporções calamitosas, porque esse tipo de ação não faz parte das prioridades políticas, econômicas ou sociais do Governo Federal. As declarações mais veementes do Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a seca nordestina foram contra a sua exploração política, principalmente por padres da Igreja Católica e militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST -, que apoiaram os saques realizados pela população faminta. Parece que apenas esse fato, essa ameaça de subversão, que encontra amparo na doutrina da Igreja e do Código Penal, conseguiu realmente comover o Senhor Presidente da República. Mas sábia foi a atitude da Srª Ruth Cardoso ao dizer que os saques constituem um fenômeno cultural conhecido de há muito tempo no Nordeste brasileiro, e inclusive tolerado em vista de os Governos não terem, até hoje, conseguido uma alternativa mais eficaz para aplacar a fome.

Os programas de ação emergencial, que poderiam ter sido iniciados há pelo menos seis meses, foram lançados de forma tímida e estão sendo implementados em um ritmo demasiadamente lento. Também não são merecedoras de louvor as afirmações do Presidente da República de que a “indústria da seca” é coisa do passado. Ao contrário, é preciso uma vigilância de toda a sociedade para garantir que não mais ocorra tal prática, extremamente covarde mas ainda comum em uma região com desigualdades sociais tão acentuadas.

Devemos reconhecer um mérito no Governo Fernando Henrique, pois ele realiza de modo consistente aquilo que o Governo Collor procurou fazer de forma atabalhoada. A sua política de redução da presença do Estado na área social tem sido praticada com perfeita coerência. Os efeitos do tão propalado aumento do poder aquisitivo da população mais pobre, ocorrido no momento da implantação do Plano Real, ainda no Governo Itamar Franco, já se estão esvaindo. Favorecer as classes trabalhadoras e os excluídos nunca foi um objetivo central da política vigente. Devo referir-me uma vez mais ao desinteresse do Governo em regulamentar o Programa de Renda Mínima a tempo, inviabilizando a sua implementação no corrente ano. Mesmo na forma limitada em que foram aprovados por lei, os programas públicos de renda mínima constituiriam uma medida de inegável eficácia para se combater o atual surto de fome no Nordeste, desde que fossem iniciados a tempo. Mas o verdadeiramente moderno, no entender dos dirigentes políticos do País, é estimular a competição entre as pessoas, entre as empresas, entre as regiões, e não trabalhar no sentido de diminuir as desigualdades que impossibilitam, inclusive, uma competição mais justa.

A atuação do Governo na área social “está capenga”, afirma, com toda a pertinência, um prelado da Igreja Católica no Nordeste. Constatamos que, mesmo concentrando poderes, ao tomar verbas dos Estados e Municípios por meio do Fundo de Estabilização Fiscal e da Lei Kandir, o Governo Federal não conseguiu implementar qualquer projeto que se tenha mostrado relevante para promover o desenvolvimento da Região Nordeste. A reforma agrária e os programas de apoio aos pequenos produtores, incluindo o financiamento rural, a assistência técnica e a oferta de água para irrigação, deveriam ser metas prioritárias. Outra obra que sempre é lembrada quando a seca aumenta é a transposição das águas do rio São Francisco. Vale ressaltar que ela foi apresentada pela primeira vez em 1847, por um Deputado cearense.

O combate aos efeitos das secas no Nordeste, empreendido há pelo menos um século sem resultados realmente consistentes, deve desenvolver-se em vários planos, abrangendo não apenas a viabilização do acesso à água e à irrigação, como também a promoção de desenvolvimento econômico que beneficie de fato a população de menor renda. No entanto, podemos notar que a política do Governo Federal não privilegia a superação dos problemas do semi-árido nordestino, porque de fato não privilegia a atuação na área social. Apesar de o Executivo e seus aliados afirmarem o contrário, a inação do Governo diante da ameaça anunciada da seca foi a responsável pelas agruras por que hoje passa a população pobre do Sertão e do Agreste. Exigimos que, ao menos de agora em diante, cesse a atitude de descaso e desinteresse do Governo Federal em relação à sorte de milhões de nossos irmãos nordestinos.

Tive a oportunidade de participar do Seminário “O Nordeste além da Seca”, promovido pela Central Única dos Trabalhadores, a convite do seu Presidente, Vicente Paulo da Silva. O encontro foi realizado em Petrolina, contando também com a participação do Prof. Aziz Ab Saber, de professores e técnicos da Embrapa e do Secretário da Agricultura de Pernambuco, entre outros que contribuíram para o debate sobre a problemática da seca do Nordeste.

Gostaria de ressaltar algumas das recomendações a que chegaram os participantes do seminário:

“1. Lançamento imediato de uma Campanha Nacional com título o ‘Nenhum brasileiro poderá morrer de fome pela seca ou pelo desemprego’;

2. Criar um mutirão nacional de arrecadação e distribuição de alimentos a todas as famílias atingidas pela seca;

3. Utilização imediata dos estoques reguladores do Governo para socorrer as famílias que sofrem com os efeitos da seca prolongada;

4. Criar armazéns do sertão que possam vender produtos mais baratos e regularizar preços em época de seca - o professor Aziz Ab Saber, inclusive, sugeriu que as grandes redes de supermercado, como Wallmart, Pão de Açúcar, Carrefour, localizados em São Paulo, possam instalar, em convênio com o Governo, esses grandes armazéns;

5. Criar um Grupo de Trabalho no INSS para agilizar a concessão de aposentadorias e benefícios assistenciais aos trabalhadores rurais das áreas atingidas pelas secas;

6. Estabelecer uma política de saúde voltada para o combate à desnutrição e doenças endêmicas que assolam crianças e adultos dos assentamentos, comunidades rurais e periferia de grandes centros urbanos;

7. Instituição imediata de um Programa de Renda Mínima baseado nos fundamentos segundo os quais toda pessoa tem direito a participar da riqueza da Nação; toda pessoa tem direito ao suficiente para sua sobrevivência; toda família carente tem direito a receber um complemento de renda para que suas crianças possam freqüentar a escola, ao invés de serem obrigadas a trabalhar precocemente;

8. Estabelecer um Programa de Trabalho articulado com o Programa de Renda Mínima para famílias atingidas pela seca, integrado a um Programa de Alfabetização e Qualificação Profissional, voltado para a convivência com o semi-árido e, em especial, com a gestão sustentável dos recursos hídricos;

9. Criar formas e meios de ocupação de mão-de-obra não especializada, oferecendo postos de trabalho alternativo no contexto da seca, por meio de um programa de implementação de Obras de Infra-estrutura Hídrica, Produtiva, Habitacional e Social (cisternas, poços artesianos, barragens subterrâneas, açudes, canais de irrigação, armazéns, estradas vicinais, construção e recuperação de escolas, postos de saúde, moradias, saneamento básico, olarias comunitárias) nas áreas de assentamento, comunidades rurais e periferia dos centros urbanos, com mão-de-obra local e utilizando recursos do BNDES, FGTS, FAT e Fundo Constitucional do Nordeste.”

Sr. Presidente, há ainda uma seqüência de propostas estruturais como o mapeamento imediato do Sertão/Semi-árido, identificando as características específicas de cada região, a fim de orientar uma política de infra-estrutura hídrica de combate aos efeitos da seca e outras, que peço que sejam transcritas na íntegra, nos Anais.

Tais propostas indicam que a sociedade está interessada em pensar os problemas do Nordeste e, mais do que isso, em resolvê-los de fato, após tantas décadas de esforços insuficientes. Cabe ao Governo ir ao encontro dos anseios dos nordestinos e dos brasileiros de todos os quadrantes, capitalizando essa vontade de transformação como um meio de se construir um País mais desenvolvido, mais justo, mais humano.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/06/1998 - Página 10148