Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARTA, ASSINADA POR 86 PERSONALIDADES MUNDIAIS E ENVIADA AO SECRETARIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, AVALIANDO O CONTROLE MUNDIAL DAS DROGAS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CARTA, ASSINADA POR 86 PERSONALIDADES MUNDIAIS E ENVIADA AO SECRETARIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, AVALIANDO O CONTROLE MUNDIAL DAS DROGAS.
Aparteantes
Bello Parga.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/1998 - Página 10227
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • LEITURA, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, CARTA, ASSINATURA, AUTORIDADE, MUNDO, ENDEREÇAMENTO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AVALIAÇÃO, COMBATE, DROGA, SOLIDARIEDADE, ORADOR, MANIFESTO.
  • CRITICA, FALTA, INFORMAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DOCUMENTO, INEFICACIA, POLITICA, OPOSIÇÃO, TRAFICO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, REPRESSÃO, CRIME, NECESSIDADE, DEFESA, SAUDE, DIREITOS HUMANOS, SOBERANIA NACIONAL, COMENTARIO, OPINIÃO, AUTORIDADE, CIENTISTA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quando perguntado na última segunda-feira, dia 8 de junho de 1998, em Nova Iorque, a respeito do documento que foi assinado por 386 representantes de diversas entidades, afirmando que o foco da criminalização e punição restringe à banalidade das Nações de criarem soluções efetivas para os problemas locais de drogas - documento que foi assinado por extraordinárias personalidades que vão desde Morton Abramovisk ao economista Thomas More; de Milton Friedman a Dom Pedro Casaldáliga; de Marie Claire Acoster, Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos do México até o Presidente de Honra do PT, Luiz Inácio Lula da Silva...

O Sr. Bello Parga (PFL-MA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Ouço V. Exª, nobre Senador Bello Parga.

O Sr. Bello Parga (PFL-MA) - Peço-lhe desculpas por interrompê-lo, mas quero fazê-lo antes de V. Exª iniciar propriamente o seu discurso. Gostaria de ouvi-lo e, se possível, aparteá-lo, mas tenho um compromisso premente, por isso peço licença e desculpas por ter de me ausentar, privando-me do prazer de participar de um debate com V. Exª.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço o empenho de V. Exª de estar aqui nesta sexta-feira e a oportunidade de já ter debatido com V. Exª nesta manhã.

Sr. Presidente Lauro Campos, refiro-me ao extraordinário teor deste documento que, sinto muito, não tenham os assessores do Presidente Fernando Henrique feito chegar às suas mãos logo na manhã de segunda-feira. Fico pensando: será que Sua Excelência realmente não viu o que estava nas páginas do New York Times, o principal jornal dos Estados Unidos, estando Sua Excelência em Nova Iorque para tratar do assunto das drogas? Sua Excelência, quando perguntado pela imprensa, ao longo do dia, o que achava da carta que havia sido assinada inclusive por Lula e por todas essas personalidades acima citadas, veja, Sr. Presidente, o que Sua Excelência respondeu: “Não vi a carta, portanto, não posso comentar. A posição do Brasil eu expressei na ONU. Agora, não sabia que o Lula tinha interesse por esse assunto.”

Sr. Presidente, é tão relevante o teor desta carta que, certamente, os visitantes que aqui se encontram terão interesse de ouvi-la. Ela é datada de 06 de junho de 1998 e dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. Kofi Annan:

Prezado Secretário-Geral

Por ocasião da Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas sobre Drogas, em Nova Iorque, de 08 a 10 de junho de 1998, nós conclamamos por sua liderança em estimular uma avaliação franca e honesta dos esforços do controle global sobre as drogas.

Nós todos estamos profundamente preocupados com respeito à ameaça que as drogas representam para nossas crianças, nossos companheiros cidadãos e nossas sociedades. Não há escolha senão a de trabalharmos juntos, tanto dentro de nossos países e através das fronteiras, para reduzir os males associados com as drogas.

As Nações Unidas têm um papel legítimo e importante a desempenhar a respeito disso, mas somente se estiver querendo perguntar e se dirigir às difíceis questões sobre os sucessos e fracassos de seus esforços. Nós acreditamos que a guerra global contra as drogas está causando mais males do que o abuso em si das drogas.

Toda década, as Nações Unidas adotam convenções internacionais, focalizadas, sobretudo, na criminalização e na punição que restringe a habilidade das nações individuais de desenvolver soluções efetivas para resolver os problemas locais com as drogas. Todo ano, governos editam mais medidas de controle de drogas, mais punitivas e custosas. Todo dia, políticos endossam estratégias mais duras na guerra contra as drogas.

Qual é o resultado? As agências da ONU estimam que a receita anual gerada pela indústria ilegal das drogas atinge US$400 bilhões, ou equivalente a 8% do comércio internacional total. Essa indústria trouxe poder a criminosos organizados, corrompeu governos em todos os níveis, erodiu a segurança interna, estimulou a violência e distorceu os valores morais e dos mercados econômicos. Essas são as conseqüências não do uso da droga em si, mas de décadas de políticas fúteis e falhas da guerra contra as drogas.

Em muitas partes do mundo, a política da guerra contra as drogas impede os esforços de saúde pública para estancar a expansão do HIV, da hepatite e de outras doenças infecciosas. Os direitos humanos são violados, assaltos ao meio ambiente são perpetrados e as prisões inundadas de centenas de milhares de violadores da lei. 

Recursos escassos, melhor gastos em saúde, educação e desenvolvimento econômico, são espremidos e enxugados em esforços de interdição cada vez mais caros. Propostas realistas para diminuir o crime relacionado à droga, à doença e à morte são abandonadas em favor de propostas retóricas para criar sociedades livres de drogas.

Persistir nas políticas vigentes somente resultará em mais abuso das drogas, maior fortalecimento dos criminosos e dos mercados das drogas e mais sofrimento e doenças. Muito freqüentemente, aqueles que conclamam o debate aberto, a análise rigorosa de políticas atuais e considerações sérias de alternativas são acusados de estarem se rendendo. Mas a verdadeira rendição acontece quando o medo e a inércia se combinam para calar o debate, suprimir a análise crítica e dispensar todas as alternativas às políticas atuais.

Sr. Secretário-Geral, apelamos a V. Exª para iniciar um diálogo verdadeiramente aberto e honesto a respeito do futuro das políticas globais e o controle de drogas, aquele em que o medo, o preconceito e as proibições punitivas levem ao senso comum, à ciência, à saúde pública e aos direitos humanos.

Respeitosamente,

(Assinam 386 personalidades.)

Peço que a lista contendo os nomes dessas personalidades conste dos Anais da Casa, Sr. Presidente.

Gostaria, também, Sr. Presidente, de dizer que também me junto aos signatários deste manifesto em favor do bom senso, do senso comum, da saúde pública e em defesa dos direitos humanos.

E ressalto que sinto que o Presidente, na sua oração à Sessão Especial da Assembléia Geral da ONU sobre drogas, colocou alguns pontos de contato e de harmonia com este documento. Vou ressaltar alguns:

Ficou claro que as ações adotadas de prevenção e recuperação dos dependentes e a luta contra os delitos conexos eram também fundamentais. A droga afeta e destrói o que o ser humano tem de mais precioso, a liberdade e a dignidade. Se precisamos redobrar os nossos esforços de prevenção e se precisamos ser duros com o crime, com o tráfico, devemos ter igual empenho no tratamento e na recuperação de dependentes de drogas, vítimas do que é provavelmente a maior doença social do tempo. Quanto à prevenção, ela não deve ser apenas a atemorização, mas antes a revelação de caminhos que facilitem ao jovem aceitar o desafio de ser senhor de si mesmo diante de uma realidade muitas vezes difícil. A guerra contra as drogas só será vencida se for conduzida em várias frentes simultaneamente. Nela o êxito será medido acima de tudo pela capacidade de assegurar, num futuro sem drogas, a juventude de nossos países. 

Sr. Presidente, quero ressaltar que o importante - e a ênfase do documento - é que se reveja essa política de repressão que vê simplesmente as drogas como um crime em que é preciso investir bilhões e bilhões. Recordarmo-nos que uma das votações efetuadas aqui que representarão maior gasto para o Poder Público nos próximos anos teve como pressuposto também a guerra contra as drogas. Refiro-me ao Projeto Sivam. Houve enorme pressão do governo norte-americano para que, aqui, autorizássemos um empréstimo, salvo engano meu, de mais de US$2,5 bilhões, recursos a serem aplicados num sistema de controle de toda a Amazônia e de todos os movimentos que, porventura, ocorram ali, sob a alegação de que era necessária a realização desses gastos. 

Sr. Presidente, ontem resolvi telefonar para o Dr. Elisaldo Araújo Carline, que foi um dos principais assessores do Ministro da Saúde, Dr. Adib Jatene, e depois do Dr. Carlos Albuquerque, mas que deixou o cargo há alguns meses. S. Sª tinha sob sua responsabilidade, no Ministério da Saúde, a questão da prevenção às drogas - ele é um dos maiores especialistas nessa área. Ontem à noite, li para ele o documento e S Sª me disse que é exatamente o que pensa. É um documento que encoraja aqueles que têm proposta e que, inclusive, estão participando do Conselho Federal de Entorpecentes. O Dr. Carline recomendou-me que conversasse com o Dr. Luiz Matias Flach, que é o atual Presidente do Conselho Federal de Entorpecentes - Confen -, no Ministério da Justiça. E há pouco comentei com S. Sª - e disse-me também o Dr. Luiz Matias Flach - que o teor dos documentos constitui exatamente aquilo que a maior parte das vozes no Confen estão expressando: que as políticas até agora desenvolvidas não são adequadas; que o modelo repressor se exauriu e exatamente a defesa da saúde e dos direitos humanos, do uso da ciência, do esclarecimento à população e, sobretudo, aos jovens é a posição recomendada pelo Confen. É claro que há vozes, aqui e acolá - numa questão como esta nem sempre há homogeneidade -, que são discordantes.

Mas o que quero ressaltar, Sr. Presidente, é que o Presidente da República precisa rever a sua posição de ignorar esse documento. No meu entender, Sua Excelência precisa lê-lo com atenção e exaltá-lo, e, inclusive, fazer uma avaliação crítica da sua postura, se não estiver inteiramente de acordo com o que aqui está exposto por pessoas de extraordinária experiência e conhecimento científico.

O Presidente, que na sua memorável aula, em função de contradições, no Hospital Sarah Kubitschek, disse que na Academia se procura saber e dizer a verdade, mas que nem sempre é esta a atitude de um Chefe de Estado, neste caso, pelo menos, precisa estar atento ao que diz a Academia, o que dizem alguns dos maiores economistas, sociólogos, inclusive, laureados com o Prêmio Nobel, como Pérez Esquivel e tantas personalidades, e embaixadores, como o ex-Embaixador do México. O Presidente do México ficou bastante preocupado com o que está ocorrendo com os Estados Unidos, que estão ultrapassando as suas fronteiras para prender pessoas no México, nem sempre respeitando o que seria a política de uma nação.

Mas é bom que, no Conselho Federal de Entorpecentes, haja pessoas com essa mentalidade. Inclusive, gostaria de ressaltar que a Drª Ester Kosovski, ex-Presidente do Conselho Federal de Entorpecentes - Confen, acabou sendo perseguida, exatamente porque tinha uma postura tal como a exposta e defendida por esse documento. Ela acabou sendo afastada do seu cargo e ameaçada torpemente.

Cumprimento o atual Presidente do Confen, o Sr. Luiz Matias Flach, por sua postura. Ele me disse que está de pleno acordo com o que é dito nesse documento, que tem como título: “Acreditamos que a guerra global contra as drogas está agora causando mais malefícios do que as próprias drogas em si mesmas”.

Presidente Lauro Campos, este é o tamanho do anúncio publicado às pág. 12 e 13 do The New York Times, no dia em que o Senhor Presidente Fernando Henrique fez um pronunciamento sobre as drogas. Sua Excelência estava em Nova Iorque e, na ONU, discorreu sobre esse tema, mas nenhum de seus assessores teve o cuidado de lhe mostrar este documento. Sua Excelência, sinceramente, precisa modificar os seus assessores. Não é possível que isso ocorra.

Será que o Embaixador Paulo de Tarso Flecha de Lima, que acompanhava Sua Excelência, não lhe mostrou esse documento? O Senador Romeu Tuma, que, na terça-feira, disse que não chegou a ver o documento, poderia tê-lo ajudado também, porque perguntei a S. Exª se dele havia tomado conhecimento.

Quando se está num país a trabalho, é importante que se abra o principal jornal do país pela manhã. É claro que o Senhor Presidente estava muito atarefado, mas seria próprio que seus assessores o tivessem advertido a esse respeito. Mas, se Sua Excelência não deu entrevista naquele dia, seria importante que ainda tivesse corrigido e avaliado a sua posição. Inclusive, farei isso agora, pois visitarei o Dr. Luiz Matias Flach no Ministério da Justiça, exatamente para lhe mostrar um documento dessa importância.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/1998 - Página 10227