Discurso no Senado Federal

RESPOSTA A AMEAÇA DO MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SENHOR LUIS CARLOS MENDONÇA DE BARROS, DE PROCESSA-LO CRIMINALMENTE.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • RESPOSTA A AMEAÇA DO MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES, SENHOR LUIS CARLOS MENDONÇA DE BARROS, DE PROCESSA-LO CRIMINALMENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/1998 - Página 10302
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO. ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • RESPOSTA, DECLARAÇÃO, LUIS CARLOS MENDONÇA DE BARROS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC), DESRESPEITO, SENADOR, AMEAÇA, PROCESSO, ORADOR, MOTIVO, QUESTIONAMENTO, PRIVATIZAÇÃO, TELECOMUNICAÇÕES BRASILEIRAS S/A (TELEBRAS).
  • CRITICA, ATUAÇÃO, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), DENUNCIA, PREJUIZO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE S/A (LIGHT).
  • ANALISE, FALTA, DEMOCRACIA, BRASIL, IMPOSSIBILIDADE, QUESTIONAMENTO, ATUAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não poderia ausentar-me hoje desta tribuna; não poderia procrastinar a minha obrigação de aqui estar para responder a certas assertivas dirigidas à minha pessoa pelo Sr. Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, nos Estados Unidos, e que A Tribuna de três dias atrás noticia em sua primeira página.

Referiu-se S. Exª o Ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, àquilo que teria dito “um senadorzinho qualquer” - este que agora ocupa a tribuna - a respeito da venda da Telebrás tal como está sendo “teleguiada” pelo Ministro. Disse S. Exª ainda que jamais em sua vida fora sequer suspeito de estar conduzindo mal a coisa pública e que iria processar-me. Aguardo com ansiedade que S. Exª logo venha a cumprir essa sua promessa.

Sou, sim, um senadorzinho qualquer. E aqui nesta tribuna, por diversas vezes, já me referi à minha pessoa como um senador de terceira; um senador que não ocupa presidência de comissões; um senador que nunca pisou em palácio; um senador que jamais pediu cargo para qualquer pessoa; um senador que não gastou senão R$60 mil em sua eleição, tendo conseguido 50% dos votos dos eleitores de Brasília; um senadorzinho qualquer que, modestamente, pretende dar resposta aos seus eleitores porque não comprou voto. Então estou aqui para pagar o seu mandato àqueles que confiaram nele.

Porém, estranha-me, não como senador, ser chamado de “um senadorzinho qualquer”, porque, se do governo fora, qualquer não seria. Estranha-me realmente que um senhor, Luiz Carlos Mendonça de Barros, mineiro do sul de Minas, afirme tratar-se de um senadorzinho qualquer. Para mim, não há cidadãozinho qualquer, senadorzinho qualquer, vereadorzinho qualquer. Infelizmente, isso é um traço marcante de uma personalidade que conseguiu sair da raia miúda e, certamente por meio de recursos públicos, foi para as “estranjas” aperfeiçoar-se em artes e engenhos de administrar, confundindo talvez o particular e o público, não percebendo que existem duas lógicas diferentes para administrar uma empresa privada, que deve maximizar lucros ou minimizar prejuízos, e a coisa pública. Sobre isso, eu teria que falar algumas horas, mas quero ater-me única e exclusivamente à ameaça que “muito me amedronta”: ser processado por S. Exª.

Em outras oportunidades, por exemplo, por ocasião da CPI dos Precatórios, mandei uma carta à Presidência dessa Comissão, abrindo mão de minha imunidade parlamentar para que fosse processado, caso alguma coisa pairasse a respeito de meu comportamento. Agora, não abro mão. Estou no exercício de meu mandato e, neste momento, é minha obrigação acompanhar, fiscalizar o que está acontecendo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que venho denunciando desde minha primeira semana nesta Casa. Quantas vezes repeti: delenda BNDES! O BNDES é que deveria ser o destruído, o privatizado. Tínhamos que privatizar o privatizador, o doador do sangue do povo brasileiro coagulado nas empresas estatais. Com o andar da carruagem, percebemos que a Dona Landau e os presidentes do BNDES se vangloriavam e soltavam foguetes toda vez que conseguiam vender na bacia das almas uma Light, uma Vale do Rio Doce ou uma outra empresa qualquer por um preço aviltado, por um preço incrivelmente baixo.

Sinto saudades, sim, do Ministro Sérgio Motta. Várias vezes, nesta Casa, tive oportunidade de argüí-lo e ouvir as suas respostas inteligentes, nem sempre satisfatórias, mas sinto saudades dele, porque, entre outras coisas, ele disse que o valor da Telebrás alcançaria R$40 bilhões.

O barateiro do BNDES, o seu antigo Presidente, o Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros, tanto desvalorizou as empresas que foram colocadas à venda, que a Vale do Rio Doce, por exemplo - o BNDES pagou à Merrill Lynch e a uma outra empresa para duas avaliações; uma avaliou em R$11 e outra em R$12 bilhões - foi vendida pelo preço irrisório de R$3,2 bilhões.

Em relação à Light, parecia difícil encontrar algum recebedor -- não é comprador --, para recebê-la como presente. Então, fizeram uma operação interessante: o vendedor financiou o comprador, para que o leilão não fracassasse.

Diante do sucesso desse leilão, que entregou uma empresa estatal, a Light, a uma empresa estatal francesa, parece-me que o defeito não consiste em ser a empresa estatal, ou que a empresa estatal não tenha a flexibilidade e a modernidade para administrar o patrimônio. Afinal, a empresa estatal brasileira passou para as mãos de uma empresa estatal francesa. Trata-se, na verdade, de uma predileção pelas vendas, para fazer caixa, sim. Em segundo lugar, nesse caso a que me referi, obviamente se trata de uma preferência por outra nação qualquer, que não o Brasil, tendo em vista que uma empresa estatal brasileira foi vendida a uma empresa estatal francesa. Aliás, isso também aconteceu na Argentina, onde uma empresa estatal espanhola adquiriu a empresa aérea estatal argentina.

Naquela ocasião, S. Exª o Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros fez essas referências pouco elogiosas, mas muito justas. Sou realmente um “senadorzinho qualquer”. E prefiro ser um “senadorzinho qualquer” a ser um “bajuladorzinho qualquer”, um “sabugo de governos”.

O que realmente me chama a atenção é o resquício de ditadura militar que paira sobre nós. Quando eu usei aqui a linguagem, os termos e a forma de análise do Professor Fernando Henrique Cardoso para mostrar o grau de despotismo, de autoritarismo que está presente na democracia brasileira, não me referi ao direito que tem Sua Majestade, o Presidente do Brasil, Sua Majestade, o Presidente da República, de não ser atingido ou ser excluído daquilo que os advogados chamam de exceção da verdade. Quando alguém fala mal de outrem, mas prova que aquele fato considerado calunioso é verdadeiro, encerra-se o processo de calúnia. Não pode haver condenação do suposto caluniador, porque não houve calúnia; a verdade é que foi dita, e não houve a calúnia imputada.

Pois bem: desde o tempo do General Geisel, Sua Majestade, o Presidente da República, tal como a mulher de César, paira acima de qualquer dúvida. No caso em tela, por exemplo, ainda que se prove que houve realmente uma conduta criminosa na desvalorização de empresas estatais que estão sendo vendidas, o Presidente da República poderá processar, por exemplo, o companheiro Lula, que nesse caso não terá como se defender, já que não é possível valer-se da exceção da verdade quando o ato questionado é praticado pelo Presidente da República.

Dessa forma, entre todas as desigualdades criadas em um processo de reeleição - e sobre isso já fiz mais de oito pronunciamentos desta tribuna -, há mais essa desigualdade entre os candidatos nesta nossa democracia capenga, nesta nossa democracia de papel. De modo que eu já estava pensando em talvez recorrer ao artigo das páginas 9, 10 e 11 da Gazeta Mercantil, do dia 19 de junho do ano passado, em que o Presidente da República prometia gastar mundos e fundos, fazendo o plano Brasil em Ação até as eleições. Inauguraria, nesse itinerário, 14 obras. Obviamente, não se referiu às 490 emissoras de rádio e televisão do sistema governamental. Esse não pode ser vendido, porque tem que prestar serviços e mostrar na telinha todos os dias e a toda hora os feitos e efeitos televisivos de Sua Excelência. O repórter perguntou a Sua Majestade, digo, a Sua Excelência, o Presidente da República: “De onde virá tanto dinheiro?” Respondeu-lhe o Presidente Fernando Henrique Cardoso: “Dinheiro não vai faltar. Lembre-se de que petróleo é dinheiro, e as jazidas de petróleo pertencem à União”. Então, Sua Excelência prometia, naquele momento, vender não apenas a Telebrás, mas as jazidas de petróleo existentes no subsolo brasileiro, para queimar o petróleo na campanha eleitoral.

Isso disse Sua Excelência, mas não se podem invocar esses e outros ditos para argüir a exceção da verdade, porque a lei não permite que se levante o seu poder legal contra uma autoridade que, obviamente, não deve ter assento nesta Terra, mas deve viver no Olimpo, onde os deuses habitam e transitam.

Inúmeras vezes se poderia mostrar como tem sido essa a intenção de Sua Excelência. Quando veio o problema do sudeste asiático e o ataque especulativo, o Presidente da República atrasou suas obras eleitorais. De acordo com o Banco Central, naquela vez, tínhamos perdido R$10 bilhões. O FMI, tempos depois, afirmou que o Banco Central faltou com a verdade e que foram R$50 bilhões que o Brasil perdeu naquela ocasião.

Com essas perdas todas, é evidente que a euforia eleitoreira teve que ser reduzida por alguns tempos. Agora, voltamos com energia redobrada para o Brasil em Ação, para as inaugurações que estão sendo feitas. Eram tantas as promessas de inauguração que eu, desta tribuna, sugeri a Sua Excelência que fizesse uma fábrica de pedras inaugurais para reduzir o custo das obras para o Governo, agora considerado falido.

Gostaria de mostrar a diferença entre os cidadãos comuns, as leis feitas para eles e as leis feitas para os colarinhos-brancos. Thouserland, autor do livro The White Color Criminallity, que li nos anos 50, mostra justamente isso. Como um sistema legal permite que a criminalidade seja feita impunemente, que o mundo das leis não atinja determinada categoria de cidadãos? No Brasil, houve agora o caso de uma lei que difere para favorecer a figura de Sua Excelência o Presidente da República quando se trata de crime de calúnia.

Sr. Presidente, estou convocando para aqui comparecer o Ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. Aliás, fiz uma convocação ao Ministro Sérgio Motta, de saudosa memória, uns dois meses antes do seu falecimento, mas não tive a oportunidade de ter essa última conversa com ele. Por isso, pretendo convocar o Ministro que deseja processar-me. Espero que S. Exª não esteja com bursite, como diz o caipira no sul de Minas:

      - Viu o que disse o Ministro Mendonça de Barros? Que tem um candidato aí que está com bursite!

      - Bursite, compadre? Que é isso? Ah, aquilo dói muito!

      - Pois é. Engraçado, depois que ele saiu daqui, estava falando umas coisas esquisitas.

É evidente que um mineiro do sul de Minas não poderia estar usando a expressão bullshit, mas só poderia estar referindo-se a “bursite”.

      Good name in man and woman, dear my Lord, is the immediate jewel of their souls. Who steals my purse steals trash. It was mine; It is his and has been slave to thousands, but he that filches from me my good name robs me of that which nothing enriches him but makes me poor indeed.

Disse Shakespeare que o “bom nome dos homens e das muheres é a jóia sublime de suas almas. Aquele que rouba meu bolso e minha bolsa rouba-me daquilo que é meu, que foi dele e que pertence a qualquer pessoa. Mas aquele que rouba o meu bom nome rouba-me daquilo que me empobrece de verdade - makes me poor indeed”.

Gostaria, então, de continuar rico como sou e de ser processado pelo Sr. Luiz Carlos Mendonça de Barros.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/1998 - Página 10302