Discurso no Senado Federal

REGISTRO DO ASSASSINATO DE FRANCISCO ASSIS DE ARAUJO, O CHICÃO, CACIQUE QUE LUTAVA PARA QUE OS 7.800 INDIOS XUKURU TIVESSEM A POSSE DEFINITIVA DE SUA TERRA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • REGISTRO DO ASSASSINATO DE FRANCISCO ASSIS DE ARAUJO, O CHICÃO, CACIQUE QUE LUTAVA PARA QUE OS 7.800 INDIOS XUKURU TIVESSEM A POSSE DEFINITIVA DE SUA TERRA.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/1998 - Página 10811
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, COUTINHO JORGE, SENADOR, ELOGIO, ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
  • DENUNCIA, HOMICIDIO, FRANCISCO DE ASSIS ARAUJO, LIDER, TRIBO XUKURU, MUNICIPIO, PESQUEIRA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), MOTIVO, LUTA, RETOMADA, TERRAS INDIGENAS.
  • REGISTRO, CONFLITO, FAZENDEIRO, AMEAÇA, INDIO, CONTESTAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, LIDERANÇA, TRIBO XUKURU, SOLICITAÇÃO, INVESTIGAÇÃO, PUNIÇÃO, HOMICIDIO, GARANTIA, POLICIA FEDERAL, INTEGRIDADE, INDIO, LUTA, DEMARCAÇÃO, TERRAS.
  • ENCAMINHAMENTO, OFICIO, ORADOR, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), PRESIDENTE, SENADO, APOIO, REIVINDICAÇÃO, INDIO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Coutinho Jorge, primeiramente quero cumprimentar V. Exª, meu colega no Senado Federal desde o início da Legislatura, em 1º de fevereiro de 1991. Ao longo desses sete anos e meio, muitas vezes expressamos preocupações comuns com respeito à necessidade de realizar justiça neste País.

Cumprimento-o pela sua preocupação com a questão da preservação do meio ambiente, seu trabalho à frente da ECO-92, em defesa da Amazônia e de seu Estado. Agradeço ainda a atenção de V. Exª para com a minha pessoa, quando, nas diversas ocasiões em que apresentei projetos, inúmeras foram as palavras de apoio de V. Exª, inclusive na Comissão de Assuntos Econômicos, em outubro e dezembro de 1991, em relação ao Programa de Garantia de Renda Mínima.

Sr. Presidente, venho a esta tribuna falar de mais uma morte anunciada em nosso País. Na manhã de quarta-feira, dia 20 de maio, em Pesqueira, no Estado de Pernambuco, morreu Francisco de Assis Araújo, o Chicão, o cacique Xukuru.

Por que morreu Chicão?

Chicão morreu porque - juntamente com seu povo - lutava para que os Xukuru conseguissem a posse definitiva dos 26.980 hectares de terra de que são legítimos donos, dos quais grande parte encontra-se invadida por pretensos proprietários da região, membros de famílias influentes de Pernambuco.

Chicão morreu porque liderou, desde 1990, retomadas de áreas que pertencem, por direito, a seu povo. De Pedra d’Água, da fazenda Capaíbe de Baixo, dos Sítios Canivete e Canabrava, e de mais de 200 hectares que se encontravam nas mãos da poderosa indústria Peixe, que há anos inviabiliza o acesso dos índios às águas de um açude.

Chicão morreu porque sua luta atravessou divisas estaduais e fronteiras étnicas, legitimando-o como um dos líderes da APOINME - Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Em maio de 1992, o Ministro da Justiça determinou a colocação dos marcos nos limites da superfície de 26.980 hectares, o que causou extrema insatisfação e inquietação entre os fazendeiros. Naquele mesmo ano, em 4 de setembro, foi assassinado o índio José Everaldo Rodrigues Bispo, filho do Pajé Zequinha, com um tiro pelas costas, disparado pelo fazendeiro Egivaldo Farias Filho. Após a sua fuga, os índios encontraram no local uma lista de 21 nomes de índios marcados para morrer, entre os quais o do pai da vítima e do Cacique Chicão. Por conta disto, Chicão só viajava após longos rituais de proteção, comandados pelos pajés e, mesmo assim, sempre acompanhado por, no mínimo, dois homens.

Com os trabalhos de demarcação física da área, em 1995, a situação voltou a ficar tensa. Recados transmitidos por fazendeiros diziam que “a demarcação da terra indígena poderia até ocorrer, mas rolariam as cabeças do Cacique Chicão e do advogado Rolim,” seu amigo e que vinha representando a Funai no acompanhamento aos trabalhos de demarcação da área. Pouco depois, as ameaças se concretizaram em parte, em 14 de maio daquele ano, quando o advogado Geraldo Rolim foi assassinado.

Com a edição do Decreto nº 1.775/96, que permite a contestação aos procedimentos de demarcação de terras indígenas, os fazendeiros rearticularam-se contra a demarcação da terra Xukuru. Duzentas e setenta e duas contestações foram apresentadas à FUNAI, envolvendo sobrenomes de grande influência econômica e política na região e no País, como Petribu, Carneiro Leão e Maciel (familiares do Vice-Presidente da República). Sob pressão da opinião pública internacional, o então Ministro da Justiça Nelson Jobim julgou improcedentes as contestações. Inconformados, os fazendeiros impetraram mandado de segurança junto ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

Neste momento difícil da luta indígena, veio o covarde atentado que ceifou a vida de Chicão, aos 46 anos de idade. Numa demonstração de respeito e reconhecimento ao seu trabalho, mais de três mil pessoas estiveram presentes ao seu sepultamento, no solo sagrado de Pedra D’Água, sob a mata cuja reocupação liderou, em 1990, e onde pretendia ser enterrado.

Na compreensão dos líderes Xukuru, a área indígena provavelmente já estaria homologada, não fosse o Decreto 1.775/96, que acabou levando o caso ao Superior Tribunal de Justiça, e o fato de o Vice-Presidente da República Marco Maciel ter parentes entre os que disputam a terra Xukuru em Pesqueira -PE - salvo se houver melhor esclarecimento do Vice-Presidente Marco Maciel, por quem tenho respeito e amizade. Gostaria, inclusive, que S.Exª pudesse se empenhar para o esclarecimento dessa questão.

A viúva do líder indígena Xukuru, Srª Zenilda, acompanhada de lideranças políticas e espirituais do grupo, num total de mais de quarenta indígenas, procuraram-me no Senado, aqui estiveram no dia 04 de junho - faz duas semanas, portanto - e solicitaram que, além da identificação e punição dos responsáveis pela covarde execução do Cacique Chicão, a Polícia Federal garantisse a integridade física e a vida dos seus companheiros mais próximos, também ameaçados de morte em razão de sua posição de liderança nas lutas Xukuru. São eles: D. Zenilda, viúva do Cacique Chicão; Zé de Santa; Toinho, Vereador do PSB em Pesqueira, e Totonho, testemunha ocular do crime. Com a mesma urgência, solicitaram medidas de proteção à líder Maninha Xukuru-Kariri, de Palmeira dos Índios - AL, companheira de Chicão na liderança da APOINME.

Junto com este discurso, estou encaminhando um ofício ao Ministério da Justiça, solicitando as medidas necessárias para a proteção das pessoas mencionadas e a rápida resolução da questão da área indígena com sua justa homologação. Estou também enviando um ofício, anexo a este pronunciamento, ao Presidente desta Casa, Senador Antonio Carlos Magalhães, comunicando que a comitiva Xukuru, que visitou o Senado Federal, tendo inclusive solicitado uma audiência junto a S. Exª, pediu que reforçasse suas reivindicações junto ao Ministro Renan Calheiros. Naquela oportunidade, o Presidente Antonio Carlos Magalhães não pôde recebê-la, mas estiveram naquela mesma tarde os índios Xukurus e a viúva do Cacique Chicão visitando o Presidente Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, a quem fizeram reivindicações semelhantes de proteção e de agilização no reconhecimento da terra dos Xukurus.

Cabe ressaltar ainda que o Deputado Fernando Ferro (PT/PE), representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados - em audiência pública realizada em Pesqueira (PE), no dia 9 de junho passado - comprometeu-se a encaminhar à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU) as denúncias da violência dos fazendeiros contra o povo Xukuru.

Para finalizar, quero me solidarizar com a dor dos 7.800 índios Xukuru, especialmente com Dª Zenilda, viúva de seu líder assassinado covardemente. Tenho certeza de que a luta de Chicão não foi em vão e que seus filhos e netos viverão em paz nas terras que por direito lhes pertencem.

Sr. Presidente, solicito que este pronunciamento seja encaminhado ao Vice-Presidente Marco Maciel para que S. Exª tenha consciência daquilo que foi externado, inclusive pela viúva Zenilda, do Cacique Francisco, e por todos aqueles que visitaram o Senado e o Presidente Celso de Mello. Solicito também que sejam transcritos os ofícios ao Ministro Renan Calheiros e ao Presidente Antonio Carlos Magalhães.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/1998 - Página 10811