Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM A MEMORIA DO ARQUITETO E URBANISTA LUCIO COSTA.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM A MEMORIA DO ARQUITETO E URBANISTA LUCIO COSTA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1998 - Página 10885
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LUCIO COSTA, ARQUITETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Brasil, Brasília e o Governo prestaram poucas homenagens a Lúcio Costa. Possivelmente, neste momento, a discussão do Dunga com o Bebeto seja muito mais importante do que a vida de Lúcio Costa para uma certa concepção de jornalismo. Quero, portanto, no meu modesto limite, fazer a minha parte, da tribuna do Senado.

A geração de Lúcio Costa é a geração que traz para o Brasil as idéias do modernismo, ou seja, as mesmas idéias que latejaram na literatura, em 22, com o Manifesto Modernista, e que tiveram conseqüência em vários campos da arte, porém conseqüência também no campo da política, até porque a arte sempre caminha na frente da política; a arte antevê, augura.

Essas idéias se corporificaram na arquitetura, numa concepção estética determinada que gera arquitetos como Lúcio Costa - talvez o grande pai de todos -, Oscar Niemeyer, os irmãos Roberto, Afonso Reydi, Marcos Fonder Reis e tantos outros da mesma geração. Tanto gera a formação desses arquitetos com uma concepção estética, como, dentro da concepção estética, estava embutida uma concepção política. São todos, em geral, homens de esquerda, com uma visão de um país que poderia ter sido socializado dentro da democracia, não fossem todas as questões da Guerra Fria que nos impeliram para a tola idéia de um conflito de ideologias, dentro do qual o Brasil deveria se alinhar num dos lados.

Brasília talvez seja o último suspiro do modernismo aplicado à literatura. Falo mais claro. O modernismo não foi uma ruptura com o belo, como muita gente supõe: o modernismo é a tentativa de manutenção do belo fora dos padrões clássicos e tradicionais de beleza, fora do padrão romântico de beleza, fora do padrão clássico de beleza, ou seja, das harmonias geométricas, não-sinuosas, etc. O modernismo procura exatamente uma forma de beleza dentro da aparente assimetria que, no fundo, resultava harmônica. Ele traz a criatividade, ele traz a obra de arquitetura como escultura, num certo sentido. Porém, no seu conteúdo, os arquitetos da escola, digamos assim, de Lúcio Costa são arquitetos que visaram colocar nessa assimetria o humano, colocar nessa assimetria o socialmente equilibrado.

A concepção de Brasília é muito mais interessante do que se possa imaginar, por mais que se imagine, por mais que ela seja habitualmente consagrada. É verdade que talvez tenha havido apenas um cálculo equivocado quanto à possibilidade da expansão desta cidade, dos rumos da economia e da disparada da indústria automobilística. Fora daí, porém, quase 40 anos depois da fundação de Brasília, ela é uma das raras cidades nas quais a concepção arquitetônica e, sobretudo, a concepção urbanística, tanto quanto a arquitetônica, estão absolutamente presentes, modernas, atuantes e eficazes.

Brasília, em primeiro lugar, foi concebida com uma visão socialista, uma visão de cidade sem que a cidade, na sua aparência, fosse reflexo das diferenças sociais de seus habitantes; uma cidade que não discriminasse pelo edifício, pela qualidade de vida da quadra - portanto, ela não discriminaria pela moradia. Em segundo lugar, uma cidade que também não discriminasse sob outros pontos de vista, embora tenha sido concebida antes da era dos supermercados e dos grandes magazines, chamados shopping centers, ela concebeu também a idéia da quadra como uma unidade própria, independente, peculiar, com todas as suas necessidades abastecidas. O que efetivamente, do ponto de vista também da grande discriminação que há no transporte, dava uma resposta social a essa discriminação, de vez que o transporte deixaria de ser tão necessário, sendo ele o fator da discriminação de natureza social.

A própria concepção educacional de Brasília, à época da fundação - e num certo sentido, aqui, Brasília se afastou da concepção original -, juntava as idéias da escola-parque e da escola intimamente relacionada com a comunidade. A idéia, na ocasião, era praticamente uma escola para cada não sei quantos grupos de quadras - não me recordo. Portanto, ela visava, na sua concepção, uma macrointegração como cidade e uma microintegração nos seus ambientes localizados.

Essa concepção de cidade permitiu alguns pontos que, em geral, não são lembrados. Brasília só vem ter grandes edifícios ao tempo da ditadura. Todas as ditaduras têm a idéia de se eternizarem pelos edifícios, porque, talvez, seja o que delas fica. Mas, na concepção urbanística, jamais se pensou em estuprar a natureza com massas de cimento armado e conjuntos de pessoas superiores à capacidade e à qualidade de vida necessárias a uma convivência harmônica. Aí estava uma outra concepção de natureza social que até hoje é vigente em Brasília, e eu me refiro, evidentemente, ao Plano Piloto.

Trinta e oito anos depois da sua fundação, a não ser pelas violências do automóvel, que é quem destrói as cidades - se repararmos, as cidades são destruídas pelo automóveis -, Brasília continua a abrigar, mesmo com uma população quase o dobro daquela para a qual foi concebida, um modelo de vida absolutamente notável, pouco observado pelo Brasil, pouco observado até talvez pelos seus moradores. A cidade não tem grandes conflagrações de trânsito, as formas de vida harmonizam espaços livres. Sobretudo a Asa Sul, 38 anos depois, pôde ver florescer uma natureza que acolheu árvores que não eram da região, como a sibipiruna, o flamboyant, além da espatódea, com sua bela flor vermelha, a mangueira e o abacateiro, que são pródigos nas superquadras de Brasília.

As superquadras, portanto, principalmente na Asa Sul, conseguiram manter com perfeição esse planejamento, e a passagem do tempo como que harmonizou-as, criando um ambiente de vida absolutamente civilizado, igualitário, no melhor sentido da palavra, e o mais possível harmônico.

Já não diria que a Asa Norte tenha resistido, mas também não se deteriorou. Quem observar a relação verde/edifícios da Asa Sul com a relação verde/edifícios da Asa Norte verificará diferenças. A Asa Norte já é filha de alguma especulação imobiliária, já há menos espaço, já existem menos árvores, já há uma sofreguidão por prédios um pouco maiores e com espaços menores dentro de cada um. Já ali o valor do metro quadrado entrou, digamos, numa especulação de natureza capitalista, fora da concepção original. Até porque, na concepção original de edifícios de Lúcio Costa - e saio de Brasília neste momento -, estava a idéia da recuperação da casa brasileira. Por acaso ou porventura, vivo num edifício, no Rio de Janeiro, que hoje pertence ao Patrimônio e que foi traçado por Lúcio Costa. Portanto, posso aquilatar na prática o que vou dizer em seguida.

Os arquitetos de vanguarda dessa ocasião eram orientados pela idéia de que o Brasil passaria por uma explosão populacional, e a casa comum não mais seria o lugar para abrigar toda a população. Vejam, Srªs. e Srs. Senadores, que estávamos na década de 40 quando essa concepção apareceu. Nessa época, não havia ainda os grandes êxodos rurais, por falta de uma reforma agrária e de todas as questões ligadas ao campo. O País ainda era 60% agrícola e apenas 40% urbano, e eles já haviam concebido um tipo de edificação que nem seria a velha casa, tradicional, porque não caberia numa cidade como o Rio de Janeiro - que então deveria estar pela casa dos 2 milhões de habitantes -, mas um tipo de edifício com larguezas e generosidade de espaço compatíveis com a idéia de casa. Conta, inclusive, com um tipo de iluminação compatível com o trópico e com o tipo de iluminação que as casas antigas possuíam. A iluminação natural desapareceu quando a explosão imobiliária dos anos 50, nas grandes cidades, praticamente isolou as pessoas do sol, do ar, do espaço, de tudo aquilo que tornou as grandes cidades um verdadeiro inferno.

Essa concepção de edifício está nos edifícios da Asa Sul em Brasília. Eu diria que são espaços necessários, não mais do que necessários. Porém, não são espaços acanhados ou avarentos, como os espaços que a especulação imobiliária entrega para a construção civil no Brasil, até porque, pela sua concepção socialista, não eram espaços destinados a um ganho indiscriminado nessa área. Portanto, Brasília conseguiu manter essa estrutura de cidade, e vejam como essa estrutura de cidade é interessante.

Há alguns fenômenos em Brasília, até nem percebidos diariamente, que decorrem da concepção de cidade idealizada por Lúcio Costa. Pode parecer corriqueiro, mas aquelas rotundas nas quais tem a preferência no trânsito quem está a fazer a curva - nem sei como os brasilienses chamam essas rotundas, esses círculos -, desde logo acostumaram o motorista de Brasília a um certo grau de solidariedade, sem o qual imperaria o caos. Esse grau de solidariedade e essa concepção viriam a ser vencidos muitos anos depois, com a explosão da indústria automobilística, quando aparecem em Brasília os primeiros semáforos. Aí, a concepção ficou de certa forma mutilada, porque foi toda idealizada para um sentido de colaboração e integração, em que a preferência era óbvia e respeitada.

Por essa razão, como decorrência ainda de uma concepção urbanística que ajuda o cidadão a compreender a sua cidade e, portanto, ser um partícipe e um defensor dela, pode-se observar em Brasília: primeiro, que as grandes linhas do Plano Diretor, de certa forma, estão respeitadas; segundo, Brasília é uma cidade sem buzina. Logo que vim morar aqui, inadvertidamente, com o meu hábito carioca, apertei a buzina e percebi imediatamente quase que um oh! inglês a meu lado, espantado, por um tal ato de falta de compostura pública, como buzinar. Logo depois, soube que em Brasília não se usava buzina.

Há outro aspecto interessante engendrado pela cidade a respeito do que significa uma concepção humanitária de cidade. Em Brasília, foi possível abrir-se um espaço para pedestre que está a ser respeitado pela população. Fico pessoalmente, não encantado, mas emocionado como cidadão deste País, quando vejo todos aqueles automóveis bonitos, cheios de pessoas importantes dentro, serem obrigados a parar apenas porque uma simples cidadã brasileira, pobre, mestiça, que nunca é respeitada em nada, nos outros campos, coloca o pé na faixa de pedestres. Ali, os carros são obrigados a respeitá-la.

Ora, esse espírito de solidariedade não pode passar como algo em relação ao qual não se dá atenção; ele é possível numa cidade cuja concepção engendra esse tipo de comportamento, inteiramente diferente do que acontece nas cidades não planejadas, puramente adstritas ao vigor capitalista, nas quais existe, ao contrário, a violência, a disputa, a invasão dos espaços, a especulação imobiliária mais hedionda, essa que faz os edifícios caírem com pessoas dentro. É o oposto.

Então, precisamos meditar na lição que essa geração de Lúcio Costa nos deu.

Brasília serve ainda para outra reflexão. Como um país reacionário e injusto socialmente, como o Brasil, consegue montar uma cidade com essas características? Como consegue criar nela uma civilização interessante que amalgama todos os brasileiros, de todas as regiões, que para aqui vieram, e, ao mesmo tempo, manter ao seu lado, brasileiramente, as cidades que foram inicialmente concebidas para serem dissolvidas após a construção de Brasília, como o chamado Entorno de Brasília, vivendo não com a qualidade de vida da cidade, mas, ao contrário, vivendo no grande faroeste que se transformou o habitat urbano no Brasil com as várias migrações? Este País, capaz de ter um Lúcio Costa, que concebe uma visão urbana dessa ordem, não é capaz de ter um princípio de justiça social, de equilíbrio na educação, que faça com que as cidades que abasteceram e ajudaram a construir Brasília pudessem ter a mesma qualidade e o mesmo padrão de vida desta cidade. Ali está de novo, de modo muito claro, o exemplo brasileiro, a injustiça social brasileira. Brasília pode ser essa representação muito clara do Brasil. De um lado, a lucidez, a visão de futuro, a percepção de uma geração que sonhou um Brasil moderno, um dos postulados do modernismo na política. De outro lado, aquilo que foi possível fazer, aquilo que o Brasil não construiu, aquilo que o Brasil deixou para depois, aquilo que este País permanentemente adia: a integração social, a justiça, a igualdade na concepção. O traço de Lúcio Costa nos faz lembrar tudo isso.

Se a grande e justificada fama de Oscar Niemeyer é sempre lembrada e destacada pela beleza escultural de suas obras, nem sempre é lembrada a qualidade do pensamento urbanístico de Lúcio Costa. Quando Lúcio Costa morreu, na semana passada, uma emissora de televisão reproduziu uma de suas últimas entrevistas, e a jovem repórter, com muita afetividade por ele, perguntou-lhe: “Professor, o que diria o senhor a um jovem arquiteto?” Ele, com seus noventa e cinco anos, rápido e sempre de bom humor, olhou para ela e disse: “Que mude rápido de profissão”. Com isso, estava Lúcio Costa, como também toda a sua geração, a dizer como iluminados criadores deste País terminam com a consciência de que cumpriram o seu dever, sim, mas do quanto em torno deles vicejou a derrota das suas idéias. Quem olhar os grandes aglomerados urbanos brasileiros, quem olhar a emasculação de uma arquitetura que é obrigada a ceder aos ditames da especulação imobiliária, quem olhar a qualidade urbanística, estética da grande maioria do território brasileiro, se for arquiteto, evidentemente vai se deprimir. Já se deprime quem não é arquiteto, imaginemos arquitetos, pessoas capazes de concepções globais de vida, pessoas capazes de pensar a sociedade e as cidades como um todo, ao verem essa desordem habitacional brasileira, essa tragédia habitacional brasileira, responsável por tantas mortes, por tantas dores, por tantos derrubamentos, por tantas casas que caem, por tantas concentrações viciosas. Talvez por isso Lúcio Costa tenha dito: “Que mude rápido de profissão”. É lógico que ele falava com a tristeza de quem vê ao seu lado o oposto de tudo aquilo que uma bela vida, uma luminosa inteligência e um grande sentido social de sua profissão lhe deram como característica.

Lúcio está entre as grandes figuras brasileiras. Ele está ao nível de figuras que são normalmente festejadas, lembradas, cultuadas. Por, possivelmente, não ser uma estrela da mídia, não tenha merecido a lembrança, a memória, as homenagens, a recordação de tudo o que significou. Fica dessas pessoas o exemplo, ficam dessas pessoas as lições, ficam dessas pessoas as obras, ficam dessas pessoas a recordação e a memória em alguns de seus contemporâneos, e, possivelmente no futuro, ela cresça.

A vida de Lúcio, as suas criações, o seu sentido de harmonia para os povos como base até de uma concepção política de vida - que era a dele inclusive - são teses que ainda estão vivas no Brasil. O Brasil não venceu essas lutas: elas estão aqui e hoje igualmente presentes.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Com muito prazer, Senadora.

A Srª Marina Silva (Bloco/PT-AC) - Estou acompanhando o pronunciamento de V. Exª e o considero como uma aula, nesta manhã de sexta-feira. Eu não tenho a mesma capacidade de V. Exª para falar sobre o tema, mas, observando Brasília na minha condição de cabocla da Amazônia que aprendeu a arquitetura da natureza produzida por Deus, dá-me um certo encantamento pensar como os artistas e os poetas produzem para o impossível. Talvez seja impossível imaginarmos um mundo onde todos os espaços e a concepção que aqui está posta venham a acontecer na vida de cada cidadão, mas os artistas, os poetas e os homens de ciência produzem para o impossível, e esse impossível é a nossa Estrela de Davi: sem ela não seríamos capazes de continuar dirigindo o nosso barco. São sinais daqueles que são capazes de colocar para a humanidade o desafio de fazer melhor, de oferecer o melhor, para que, a partir desses pontos de referência, não nos acomodemos com a mesmice e a mediocridade da nossa incapacidade de resolver os nossos problemas. Estou acostumada com cidades que vieram do espontâneo, que têm esquinas, que têm pequenos becos, em que um dia se vê uma coisa e, no outro, vê-se uma outra realidade. Há uma dinâmica poética embutida nessas cidades do acaso. No entanto, Brasília é como se fosse um poema bem lapidado em que ninguém tem coragem de fazer uma emenda para não estragar a beleza do soneto. É elogiável o pronunciamento de V. Exª, muito embora, para um cidadão de cidades espontâneas, Brasília cause um certo estranhamento. Mas é também grandioso observarmos que os homens são capazes de, numa relação profunda com a natureza, mostrar que é possível transformá-la numa obra em que ele deixa a sua marca. Brasília tem embutida em si uma visão que eu diria antropocêntrica, em que o homem pensa a história, produz a história e materializa essa história em três dimensões, para que o mundo veja que a história não é simplesmente fruto do acaso, mas da vontade deliberada dos homens. Talvez no socialismo, nos ideais que Brasília incorpora enquanto projeto arquitetônico é que se tenha exagerado um pouco. O historiador Arnold Toynbee diz que a história é de ciclos e nela temos que dar espaço para o acaso, para as surpresas. Talvez o nosso grande erro tenha sido não termos dado espaço para o acaso. Muito obrigada.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado, Senadora. V. Exª, em síntese, enriquece enormemente a minha fala e inclusive a embeleza pela colocação, pela visão. Quem vem da floresta tem de tudo isso uma visão muito mais aguda do que quem vem do cimento, sobretudo de quem vem de um cimento desordenado como o das grandes cidades brasileiras.

Eu me alinho na corrente do Toynbee. Acredito também que haja um conluio misterioso, inextricável, entre aquilo que a inteligência pode fazer e o acaso. Cabe à inteligência permanentemente corrigir o acaso ou, ao contrário, ouvir o acaso, deixá-lo existir.

No caso de Brasília, o acaso aparece pelo tipo de vida que, a partir do planejamento urbano, estabeleceu-se nesta cidade. Repare que Brasília é uma cidade introvertida. Venho de uma cidade extrovertida, do Rio de Janeiro. Nascido no Rio de Janeiro, apaixonado pelo Rio de Janeiro - loucamente apaixonado pelo Rio de Janeiro -, sou filho de uma cidade extrovertida: mar, sol, alegria, disposição, vida exterior.

Brasília é uma cidade introvertida. Reparem que todas as emoções em Brasília quase não se expressam no âmbito da cidade: elas se expressam no âmbito dos grupos, das coletividades que se reúnem, de uma convivência que é até quase pouco aparente na cidade. Tanto é assim que os pontos de Brasília de vida exteriorizada são pequenos e muito conhecidos: a 109, nos jogos da Copa; as manifestações políticas na frente do Congresso; alguma coisa ali pelo lado do Gilberto Salomão. Não há propriamente a vida exteriorizada na cidade como um todo; ela é introvertida.

No entanto, a cidade introvertida traz alegrias inimagináveis, porque ela traz também a possibilidade de levar o cidadão para dentro de si mesmo. Quando há um equilíbrio entre o grau de introversão necessário ao estudo, ao trabalho, à pesquisa, e o grau de extroversão na natureza, que se torna bela e convidativa, acredito que pode uma cidade chegar ao equilíbrio.

Brasília é uma das cidades mais próximas do equilíbrio nesse sentido, porque a sua concepção aí está a ser mantida, a ser compreendida e a ser, sobretudo, defendida permanentemente de tudo que ataca a vida nas grandes cidades - desde logo, o automóvel, a especulação imobiliária e certas formas decadentes do comportamento da cidadania com relação à própria cidade. Brasília não tem traços notórios de nada disso, e isso é notório em muitas outras grandes cidades brasileiras.

Por isso, acredito que Brasília vá contar permanentemente com a lucidez de seus habitantes, até porque é uma das cidades que têm os maiores índices de participação da comunidade no seu dia-a-dia. A própria divisão administrativa da cidade ajuda, porque ela é bastante descentralizada. Enfim, tudo isso são alguns pontos que fazem de Brasília uma cidade muito especial.

O meu tempo se esgotou. Gostaria de ficar aqui interminavelmente a falar de Lúcio Costa e a ouvir os apartes da Senadora Marina Silva, mas o tempo é implacável. 

Fica, portanto, essa homenagem modesta a Lúcio Costa. O Brasil não homenageou Lúcio Costa no tamanho de seu verdadeiro valor. O Governo e a imprensa também não o fizeram. Cabe, pois, a cada um de nós fazer o que está ao seu alcance.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1998 - Página 10885