Discurso no Senado Federal

ENCONTRO DA SOCIEDADE CIVIL OCORRIDO NO MUNICIPIO DE LAJES, NO ULTIMO DOMINGO, CONHECIDO COMO 'O GRITO DA TERRA'. JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 130, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE O CREDITO RURAL DESTINADO AO FINANCIAMENTO DE INVESTIMENTOS NECESSARIOS A EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADES ECONOMICAS DE SEQUEIRO NO SEMI-ARIDO DO NORDESTE E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
José Agripino (PFL - Partido da Frente Liberal/RN)
Nome completo: José Agripino Maia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • ENCONTRO DA SOCIEDADE CIVIL OCORRIDO NO MUNICIPIO DE LAJES, NO ULTIMO DOMINGO, CONHECIDO COMO 'O GRITO DA TERRA'. JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 130, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE O CREDITO RURAL DESTINADO AO FINANCIAMENTO DE INVESTIMENTOS NECESSARIOS A EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADES ECONOMICAS DE SEQUEIRO NO SEMI-ARIDO DO NORDESTE E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1998 - Página 10898
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, ENCONTRO, PROMOÇÃO, SOCIEDADE CIVIL, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), ANALISE, NECESSIDADE, MELHORIA, ESTRUTURAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, OBJETIVO, GARANTIA, SUBSISTENCIA, AGRICULTOR, PERIODO, SECA, REGIÃO SEMI ARIDA.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CREDITO RURAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, INVESTIMENTO, PROMOÇÃO, EXPLORAÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORTE, INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGIÃO NORDESTE.

            O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL-RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, inicialmente desejo registrar a ocorrência, no último domingo, 14 de junho, no Rio Grande do Norte, no Município de Lajes, de um encontro promovido pela sociedade civil do meu Estado, que passou a ser conhecido como “grito da seca”, promovido por potiguares que nem políticos são.

            O Presidente do Tribunal de Contas do Estado, Dr. Nélio Dias, tomou a peito a tarefa de convidar entidades de classe do meu Estado e de mobilizar a classe política do Rio Grande do Norte e ministros de Estado, que compareceram para participar do “grito da seca”. Lá estiveram o Ministro da Agricultura, Francisco Sergio Turra; o Ministro-Chefe da Secretaria de Políticas Regionais, Dr. Ovídio de Angelis; o Superintendente da Sudene; representantes do Banco do Nordeste; o Presidente do Sebrae; o Governador do Estado; os três Senadores do Estado; a maioria da bancada federal e um grande número de entidades de classe, de proprietários rurais, pequenos, médios e grandes, de agricultores e até de sem-terra para debater a questão da seca, que, neste momento de Copa do Mundo, está adormecido e meio esquecido.

            Desejo registrar a presença de pessoas como Ariano Suassuna, que foi painelista, homem ligado à terra, telúrico, que deu sua contribuição, grande, moderada, equilibrada e crítica sobre um problema que ele conhece bem, porque é pernambucano e nordestino; e do Dr. Manoelito, que é um herói da resistência da agricultura no sequeiro, um homem que consegue sobreviver e tirar lucro da atividade rural no semi-árido seco. Falaram também o Presidente da Associação dos Criadores do Rio Grande do Norte, o Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte, os três Senadores e o Governador do Estado.

Desejo fazer uma reflexão sobre o que ali foi dito, comentado e analisado. Aquilo sobre que menos se falou foi o que fazer neste momento de angústia. O Governador teceu comentários sobre o número de cestas e o número de alistados que lá estão chegando, mas os demais painelistas, como os Senadores, aprofundaram o debate da questão estrutural. É claro que é importante o “grito da seca” para reivindicar atenção no presente momento, para fazer com que as pessoas sobrevivam. Mas muito mais importante é a projeção para o futuro, é o que fazer, é a análise da estrutura do Nordeste, os seus pecados, os seus vícios, os seus problemas e as suas perspectivas, que existem, são claras.

No Nordeste, alguns Estados têm terras boas, água subterrânea ou água de superfície já acumuladas: têm o fotoperiodismo favorável, um tempo de exposição de luz ímpar no mundo e vocações naturais. Tudo isso foi objeto de muita reflexão e de muita discussão.

Ocupo esta tribuna, hoje, para falar sobre a questão da sobrevivência do agricultor, seja pequeno, médio ou grande.

No “grito da seca”, muito se falou sobre agricultura irrigada e agricultura de sequeiro. Bem perto de Lajes, existe o Projeto de Irrigação do Baixo-Açu. Água abundante, terras boas e fotoperiodismo favorável. Mas, para sermos sinceros, praticamente nenhum dos projetos, nenhum dos lotes da irrigação do Baixo-Açu, que é um programa de irrigação pública, vai bem. Como não vai bem nenhuma propriedade rural que pratica agricultura de sequeiro no meu Estado, o Rio Grande do Norte - e eu estenderia o mesmo raciocínio a qualquer Estado do Nordeste; ao seu Estado, Senador Ronaldo Cunha Lima, ao seu Estado Senador Ney Suassuna. A verdade é essa.

Razões são muitas, mas a razão fundamental - e é esse o fulcro da questão que desejo abordar - é a taxa de juros do crédito rural. Por quê? Isso foi exaustivamente debatido pelos painelistas, que teceram críticas à política de crédito do Brasil, por meio dos seus órgãos oficiais de crédito. Por quê? Porque a taxa de juros do crédito rural do Nordeste é a mesma praticada para o crédito rural no Paraná, em São Paulo, no Rio Grande do Sul. Não há diferenciação nem há subsídio. É como se o Brasil fosse o mesmo, como se as condições do Paraná, do Mato Grosso fossem as mesmas do Piauí, do Rio Grande do Norte, do Ceará, da Paraíba, quando não são.

O Nordeste não deseja favor, nem esmola, nem óbolo; mas quer ter oportunidade. E da cabeça dos nordestinos é que tem de surgir essa oportunidade. Venho trazer a esta Casa a perspectiva dessa oportunidade, por intermédio de um projeto de lei que já apresentei.

Por que é que nem nas terras onde existe água, onde existe bom fotoperiodismo e onde existe terra de boa qualidade se viabiliza a agricultura irrigada? Por que é que na região do sequeiro as condições são também adversas? A infra-estrutura do Nordeste, a distância dos centros consumidores e a tecnologia são fatores que depõem contra a nossa região. A taxa de juros é imposta de cima para baixo. Não interessa quanto as propriedades rurais do Nordeste possam render nem a sua lucratividade.

            Quando era Governador, no período de 1990 a 1994, tomei a peito a tarefa, juntamente com a Associação dos Plantadores de Cana e com a Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores, de desenvolver um estudo em parceria com a Embrapa, que foi assessorada pelo CPATSA, um dos melhores órgãos de pesquisa agrícola do semi-árido no Brasil. Qual era o nosso propósito? Identificar a capacidade real da propriedade rural nordestina de pagar taxas de juros, de acordo com o seu desempenho econômico e com sua lucratividade.

Esse trabalho foi feito e foram examinadas, num horizonte de 15 anos, numa perspectiva histórica de 15 anos de análises, com anos de seca e anos de inverno, propriedades de 5, 10, 15, 20, 50 hectares e até mais do que isso, com a finalidade de se verificar qual era o desempenho econômico das mesmas e que taxas de juros, em razão da atividade desenvolvida, elas poderiam suportar. Foi realizado um estudo isento, feito pelo Governo do Estado, pelo Governo Federal e por entidades de classe, que objetivava apenas a constatação da realidade econômica e a sobrevivência das propriedades rurais. Como elas podem sobreviver? Aplicando-se, fazendo a conta de trás para diante, uma determinada taxa de juros à atividade vigente. Do contrário - não vamos nos enganar -, estaremos convivendo com a morte lenta da propriedade rural no Nordeste, porque ela estará pagando uma taxa de juros incompatível com o seu desempenho e acumulando débitos todos os anos, empurrando-os com a barriga, até chegar à situação de hoje, de insustentabilidade, de insolvência e de incompreensão por parte dos órgãos de crédito oficial.

Assim procedendo, em 1992 chegamos a uma conclusão sobre determinadas taxas de juros. Naquela época - não vivíamos tempo de seca, e eu era apenas Governador -, não tivemos condições de transformar as idéias em um projeto de lei. Mas, hoje, com a seca, com o olhar do Brasil voltado para o Nordeste, creio que temos a grande oportunidade - nós, nordestinos, brasileiros - de encontrar uma saída para a região, que não quer ser problema, que deseja ser solução; que tem condições de agregar renda e de contribuir para a formação da riqueza nacional.

Qual é o projeto que apresento? É a tradução dos estudos que a Embrapa, o CPATSA, o Governo do Rio Grande do Norte e órgãos de classe realizaram naquela época. Ele visa adequar a taxa de juros do crédito rural à realidade, que permitirá a sobrevivência dessas empresas. Não quero agora impor ao Governo do Estado ou propor ao Governo Federal uma taxa de juros compatível com a nossa atividade, porque isso - sou um pragmático e assim entendo - seria extremamente difícil. Mas nós, nordestinos, podemos formular uma proposição que viabilize a taxa de juros por meio deste projeto de lei que encaminho, o qual dispõe sobre o crédito rural destinado a financiamento de investimentos necessário à exploração de atividades econômicas de sequeiro no semi-árido do Nordeste e dá outras providências.

Vamos admitir que a taxa de juros seja de 8%. Incompatível. Por quê? Porque, pelos estudos realizados, que passo a ler para V. Exªs, as propriedades rurais de até 10 hectares não suportam juro algum.

Quem diz isso não sou eu, mas estudo feito em cento e setenta e três propriedades, analisadas ao longo de quinze anos pela Embrapa e CPATSA, com a atividade tradicional desenvolvida no Nordeste, o sequeiro:

A propriedade rural de até 10 hectares não suporta juro algum. A propriedade rural de 10 a 20 hectares suporta juro máximo de 1,3% ao ano, para pagamento em trinta anos.

A propriedade rural de 20 a 50 hectares suporta juros de 2,9% ao ano, para pagamento em trinta anos. E a propriedade rural acima de 50 hectares suporta juros de 4,4% ao ano.

Ora, se a taxa de juros for de 8%, vamos pedir que baixe para isso, tenho receio de encontrar ouvidos surdos por parte das autoridades federais, mas, nós, nordestinos, podemos propor uma fórmula em que nós próprios, cosendo-nos com as nossas próprias linhas, possamos propor uma formulação que viabilize a essas empresas rurais, a essas pequenas propriedades sobreviverem, pagando a taxa de juros que proponho no projeto de lei. De que forma? Através da criação de um Procef, um fundo de crédito para equalizar a taxa de juros vigente e a taxa de juros possível para a pequena, a média e a grande propriedade do Nordeste.

Esses recursos viriam:

a. Contribuição dos tomadores em montante equivalente a 3% (três por cento) do financiamento total, a ser descontado na primeira parcela de liberação do crédito;

O tomador, portanto, daria uma contribuição. Não é esmola que queremos. Cada tomador do empréstimo entraria com 3% do seu financiamento para compor esse fundo.

b. 1% (um por cento) do valor do Fundo de Participação dos Estados, destinado ao Estado da Região Nordeste que aderir voluntariamente ao programa;

Se o Governador do Estado deseja, efetivamente, ajudar a agricultura do seu Estado, que libere 1% - não é algo do outro mundo - do Fundo de Participação do Estado para compor esse fundo que vai viabilizar a propriedade rural no Nordeste.

c. 1% (um por cento) do valor do Fundo de Participação dos Municípios relativo aos Municípios dos Estados da Região Nordeste que aderirem voluntariamente ao programa;

Que o Prefeito também retire 1% do seu Fundo de Participação para ajudar a sobrevivência da agricultura do seu Município.

d. 1% (um por cento) dos recursos previstos no art. 159, I, c, da Constituição Federal, e no art. 34, § 10, II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

Ou seja, 1% do valor do FNE participaria da composição desse fundo.

e. outros recursos públicos ou particulares de fontes internas e externas, que sejam especificamente destinados ao Procef.

Asseguro a V. Exªs que, aprovado este projeto com a composição que proponho, esse Procef terá recursos suficientes para atender a pequena, a média e a grande propriedade de qualquer Estado do Nordeste, adequando a taxa de juros a uma condição de sobrevivência e lucratividade. Está em nossas mãos, agora, viabilizá-lo.

Encaminho o projeto ao Senado, pedindo o apoio não dos nordestinos, porque o Nordeste é um pedaço do Brasil, mas do Senado Federal, para que possamos aprová-lo, porque ele é democrático.

Vejam V. Exªs a quem o meu projeto propõe a gestão do fundo; vejam o espírito democrático da proposta:

Art. 5° - A administração do Procef caberá a um Conselho Diretor composto de :

a. um representante da Confederação Nacional da Agricultura - CNA;

b. um representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - Contag;

c. um representante da Organização das Cooperativas Brasileiras - OCB;

d. um representante da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - Sudene;

e. um representante do Banco do Nordeste do Brasil S/A - BNB

Os recursos ficariam sob a guarda do Banco do Nordeste do Brasil, vigiados, policiados e orientados por um Conselho composto por entidades que representam o próprio pensamento da agricultura do Brasil. Está em nossas mãos equacionar e resolver esse problema.

Encaminho, neste quase final de junho, esta proposta para discussão, avaliação e para a aprovação que desejo, porque vejo neste projeto a pedra de toque para viabilização da questão fulcral da viabilidade, da rentabilidade e da perspectiva de manutenção de empregos no Nordeste, na área do semi-árido.

A vocação nordestina é industrial? Pode até ser, mas é fundamentalmente agrícola.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL-RN) - Ouço, com muita honra, o aparte do Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Senador José Agripino, com muita atenção ouvi o pronunciamento de V. Exª e acredito que seu projeto é de suma importância para o País, principalmente para o Nordeste. V. Exª pede muito pouco se comparado com os sistemas privilegiados de agricultura do Japão, da Itália e da França, onde áreas mínimas são subsidiadas a ponto de um terreno de 200x100 conseguir manter um trabalhador. Pede pouco porque pede justiça, já que é impossível querer-se retirar de uma atividade agrícola mais do que ela pode dar. A propriedade está passando para as mãos do banco, que não tem o que fazer. O capital nada vale sem o trabalho e não há produção; o capital, em si, é estéril se não for trabalhado, manipulado, para gerar, principalmente no caso da agricultura, alimentos. Assim, solidarizo-me com V. Exª, que está pedindo pouco, mas de forma inteligente. Se os dirigentes deste País tiverem juízo, com toda a certeza esse será um projeto com tudo para prosperar e salvar o que ainda pode ser salvo da agricultura, seja no Nordeste, seja no restante do País. Muito obrigado.

O SR. JOSÉ AGRIPINO (PFL-RN) - Muito obrigado Senador Ney Suassuna.

Desejo aduzir ao enriquecedor aparte de V. Exª uma exemplificação: japoneses que dispõem de terras no Brasil, na região central, praticam agricultura com a produção voltada para exportação e são financiados por outros japoneses, a taxa de juros de 2%. No Chile ou na Europa essa taxa é de 4%. Esses são países com inflação equivalente à do Brasil hoje.

Então, V. Exª está coberto de razão quando diz que não peço favor. V. Exª também fala da compreensão que devemos esperar das autoridades federais. Precisamos ganhar a batalha primeiro no Congresso Nacional, uma iniciativa que não é paternalista, até porque estamos oferecendo a solução. Não estamos pedindo que o Governo baixe a taxa de juros e, sim, estamos oferecendo a oportunidade de criação de um fundo, cosendo-nos com as nossas próprias linhas, que viabilizará a cobertura da diferença da taxa de juros. Portanto, estamos oferecendo uma contribuição para a solução de um problema que é nosso e que responde pela maior quantidade de empregos na região mais sofrida do País, que é a de V. Exª e minha.

Este, Sr. Presidente, é o projeto que encaminho e espero a compreensão, o apoio e endosso dos Senadores do Nordeste e do Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1998 - Página 10898