Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE AS DIFICULDADES DOS MUNICIPIOS NORDESTINOS QUE SOFREM COM A SECA.

Autor
José Alves (PFL - Partido da Frente Liberal/SE)
Nome completo: José Alves do Nascimento
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • COMENTARIOS SOBRE AS DIFICULDADES DOS MUNICIPIOS NORDESTINOS QUE SOFREM COM A SECA.
Publicação
Publicação no DSF de 18/06/1998 - Página 10563
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, EFEITO, SECA, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, AUMENTO, MORTALIDADE INFANTIL.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, PROVIDENCIA, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, AUSENCIA, ATENÇÃO, ORGÃO PUBLICO, PREVISÃO, SECA.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, PRIORIDADE, GASTOS PUBLICOS, SOLUÇÃO, PROBLEMA, SECA.

O SR. JOSÉ ALVES (PFL-SE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, confirmando as previsões anteriormente anunciadas pelos órgãos especializados em estudos do clima, a situação da estiagem no Nordeste vem-se agravando e com isso aumentando as dificuldades econômicas, devido à quebra de safra e aos problemas sociais relacionados com a sobrevivência de milhões de pessoas atingidas pela seca.

Mais de 1.200 municípios convivem com imensas dificuldades de provisões de água e comida, quando se sabe que a seca deste ano vai piorar.

A Unicef, em documento intitulado “Seca 98, uma calamidade anunciada”, justifica ser esta uma das piores entre as 23 secas históricas do Nordeste.

Um dado importante e sintomático que já reflete este drama é o crescimento comprovado da taxa de mortalidade infantil, conseqüência direta da situação de carência nutricional das mães, que cedo perdem a capacidade de amamentar seus filhos e estes, devido ao empobrecimento da qualidade da água para o consumo, cada vez mais escassa e barrenta no fundo das cacimbas, açudes e poços, de fácil contaminação por microorganismos, tornam-se vulneráveis a diarréias e, assim, à desidratação.

No Ceará, por exemplo, segundo informações de sua Secretaria da Saúde, conforme publicado no Jornal O Estado de S. Paulo de ontem, a taxa de mortalidade infantil aumentou em 32% com relação ao mesmo período do ano passado.

Não tenho dados concretos, hoje, em mãos, mas não erraria por muito quem afirmasse que, devido a esta seca, a mortalidade infantil, nos Estados do Nordeste por ela atingidos, tenha crescido entre 15 e 30% com relação aos meses correspondentes de 1997, o que é extremamente lamentável, considerando-se o esforço realizado para se reduzir a mortalidade infantil em nosso País e na região.

Morrer de sede ou de fome às portas do século XXI é algo inaceitável, mesmo que já estejamos entorpecidos e um tanto acomodados aos quadros de miséria e violência irracional que vaga pelo mundo ao lado da fortuna, do luxo e da avareza dos segmentos mais desenvolvidos da humanidade.

O noticiário tem divulgado locais onde pessoas estão comendo palma, ração normalmente usada como último recurso em reserva para alimentar o gado em períodos de estiagem.

Em locais de difícil acesso, longe do asfalto, só alcançáveis por estradas vicinais, a cavalo ou a pé, em alguns lugarejos os pais se apressam a batizar os filhos pequenos para que não corram o risco de morrerem pagãos.

Embora a manipulação política tenha promovido vários saques e desordens na distribuição de alimentos, já tem havido saques, a exemplo de períodos anteriores, com motivação exclusiva de grandes necessidades de sobrevivência. Isto é o pavor do espectro da fome que faz parte da consciência do semi-árido, e é um fantasma que povoa a mente do povo sertanejo, há séculos convivendo com essa ameaça.

É, portanto, lamentável que as autoridades não tenham tomado medidas preventivas para minorar esse desastre anunciado pelos estudiosos e pelos meios de comunicação com razoável antecedência e preparar o povo, suas lideranças e as estruturas dos Governos locais para enfrentar a situação que, a cada dia, mais se agrava e cujas conseqüências ainda não se pode avaliar.

Desde o século passado, conhecemos a regularidade com que as secas castigam o Nordeste, e, desta vez, com o recrudescimento do fenômeno El Niño, a estiagem foi amplamente profetizada há mais de um ano, com demonstrações didáticas de sua origem e funcionamento, mas nada foi feito de concreto, com a devida antecipação, para minorar a fome, as necessidades e o sofrimento de milhões de brasileiros, especialmente aqueles que retiram das entranhas da terra o seu sustento, e contribuem para alimentar os que moram nas cidades, que ora ficam sujeitos à pressão do êxodo, que já vinha ocorrendo em conseqüência das próprias dificuldades por que vem atravessando o setor rural.

Segundo o censo agropecuário do IBGE, referente ao período de 1985 a 1993, mais de três milhões de brasileiros foram expulsos do campo devido às dificuldades em continuar produzindo, desincorporando da produção agrícola milhares de hectares. Muitos dos pequenos produtores com tradição e vocação para a atividade rural perderam ou venderam suas propriedades por causa do endividamento com os bancos. Além do mais, a prioridade governamental dos assentamentos, devido às pressões sobre a reforma agrária, terminou por relegar a segundo plano, por algum tempo, os pequenos produtores, muitos dos quais não puderam ser salvos pelo Pronaf, engrossando as levas do êxodo rural.

Sabe-se que ao solo fértil do Nordeste só falta a bênção de água disponível para revelar sua altíssima produtividade agrícola e, no seu subsolo, já foram identificadas reservas de água de baixa profundidade de volume superior ao da Bahia da Guanabara.

O Governo torrou bilhões de reais para salvar meia dúzia de banqueiros de alguns bancos falidos. Só no caso do Banespa, uns 30 bilhões; outros foram praticamente perdidos ou irrecuperáveis nas operações do Banco Central, mas para viabilizar a sobrevivência de milhões de nordestinos não se conseguiu liberar os recursos necessários para a meta governamental fixada para irrigação neste período de Governo, que atualmente mal chega a 30% do previsto. O que é lamentável, pois os investimentos em irrigação implicam em captação, canalização, preservação e desenvolvimento de recursos hídricos, que no Nordeste tem importância extraordinária.

O Nordeste pode perfeitamente conviver com a seca, desde que obras fundamentais sejam realizadas, pois a região é rica em águas subterrâneas, seu solo é fértil, viável à irrigação, como demonstram projetos em execução em regiões áridas próximas ao Vale do São Francisco, e é extremamente rica em belezas naturais, diversidades culturais que fazem do turismo, como se pode verificar em alguns Estados, uma atividade econômica altamente promissora.

A escassez de recursos para investimentos é uma realidade mundial, mas a definição de prioridades para melhor aplicação dos poucos recursos é uma questão de sensibilidade governamental, e aí reside a importância das lideranças comprometidas com os reclamos e as necessidades da região.

Desde o Plano Real, em julho de 1994, o endividamento do setor público cresceu de forma assustadora, os títulos públicos fora do Banco Central, que eram de 59,5 bilhões naquela época, em março último, chegaram a 287,6 bilhões. Entretanto, não se conseguiu um único bilhão para projetos de grande envergadura e benefícios para o Nordeste.

Em seu livro intitulado Nordeste, uma Estratégia para o Sucesso, o engenheiro João Alves Filho, profundo conhecedor e dedicado estudioso dos problemas da região, assunto em que já reuniu considerável experiência, não apenas nas viagens de estudos que realizou no exterior procurando conhecer experiências que pudessem servir como subsídios à nossa realidade, mas também de sua passagem pelo Ministério do Interior e duas vezes pelo Governo de Sergipe, onde executou obras definitivas em termos de recursos hídricos, como o Projeto Chapéu de Couro e a construção da maior rede de adutoras do Nordeste, detalha e justifica a proposta subscrita por todos os Governadores, que, na ocasião, foi encaminhada à Presidência da República visando um plano de desenvolvimento auto-sustentado para a região nordestina.

Este plano, ainda atualizado em termos de previsão de recursos necessários, benefícios e metas, previa criar quase três milhões e meio de empregos, desenvolvendo estruturas para a sobrevivência do homem com a seca em termos de abastecimento hídrico comunitário, agricultura irrigada, em projetos mistos de irrigação e no desenvolvimento do turismo. Seriam implantados sistemas simples de abastecimento, açudes, barragens, aguadas, cisternas comunitárias e familiares, adutoras, poços tubulares, disseminação do cultivo de plantas e criação de caprinos resistentes à seca, e outras medidas de subsistência adaptadas à região. Também seriam implantados projetos de piscicultura, carcinocultura e fruticultura irrigada. Todos os projetos com justificação técnica, custo definido e benefício pretendido.

Tudo isso seria feito com menos de R$12 bilhões, uma ninharia, comparando-se com a montanha de dinheiro que o Governo já gastou para salvar o sistema financeiro e os grandes endividados institucionais.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ao Nordeste, na maior parte de sua história contemporânea, tem faltado sensibilidade, prioridade e vontade política dos governantes em solucionar de forma definitiva os principais obstáculos ao equacionamento do problema das secas, quando se sabe que tem países do mundo, em regiões muito mais áridas que a nossa, com solos imprestáveis para a agricultura, e que, com a solução do problema hídrico e aplicações de tecnologias, conseguem até produzir uvas no deserto do Oriente Médio. E temos o exemplo da Califórnia, hoje um dos maiores celeiros agrícolas do mundo, e aqui no Brasil o caso de Petrolina, com áreas do sertão irrigadas por canais de captação ligados do rio São Francisco e que produz frutos tropicais para exportação.

O Governo tinha conhecimento, desde o ano passado, por meio de estudos realizados pelo INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, desta grande estiagem que estamos vendo. E as obras hídricas já previstas em 1997 no Orçamento da União para este ano de 1998, muitas delas relacionadas no conjunto de medidas recentemente anunciadas no pacote para reduzir os estragos da seca, estão com enorme atraso na liberação dos recursos, a exemplo de anos anteriores, o que logicamente implica atraso em sua execução, quando se sabe que a seca está apenas começando, e, a partir de julho teremos dificuldades, especialmente nos mais de 1.200 municípios atingidos, aos quais a solidariedade material que tem sido enviada por pessoas, entidades e organizações de caráter humanitário muito tem contribuído para amenizar as carências imediatas da população, que há anos aguarda soluções definitivas para encontrar o seu destino de bem-estar e progresso.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/06/1998 - Página 10563