Discurso no Senado Federal

APRESENTANDO PROJETO DE LEI, QUE CRIA A RESERVA DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - FPE - PARA AS UNIDADES DE FEDERAÇÃO QUE ABRIGAREM, EM SEUS TERRITORIOS, UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E TERRAS INDIGENAS DEMARCADAS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • APRESENTANDO PROJETO DE LEI, QUE CRIA A RESERVA DO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL - FPE - PARA AS UNIDADES DE FEDERAÇÃO QUE ABRIGAREM, EM SEUS TERRITORIOS, UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E TERRAS INDIGENAS DEMARCADAS.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1998 - Página 10903
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, RESERVA, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), DESTINAÇÃO, ESTADOS, SEDE, RESERVA INDIGENA, AREA, CONSERVAÇÃO, NATUREZA, EXPECTATIVA, DEBATE, SENADO, SOCIEDADE CIVIL, AUTORIDADE.
  • IMPORTANCIA, SIMULTANEIDADE, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ANALISE, VANTAGENS, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DEFESA, RESERVA, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), INVESTIMENTO, PESQUISA, TECNOLOGIA, DISTRIBUIÇÃO, CUSTO, ESTADOS, BRASIL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o que me faz falar, nesta sexta-feira, é o fato de que estou apresentando um projeto de lei que cria reserva do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE - para as unidades da Federação que abrigarem, em seus territórios, unidades de conservação da natureza e terras indígenas demarcadas.

Esse projeto faz parte de um conjunto de ações. Desde que cheguei a esta Casa, tenho trabalhado no sentido de fazer uma combinação entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico e social. Para mim, é fundamental que essa associação seja vitoriosa, porque, somente assim, será possível fazermos com que governantes, prefeitos, em suas pequenas comunidades, o Governador e as próprias instâncias federais sejam capazes de dar respostas eficazes em busca da preservação do meio ambiente.

O conceito de socioambientalismo, que seria a união entre a preservação do ambiente e a resposta adequada aos problemas econômicos e sociais vividos naquelas regiões ou naquela determinada área que precisa ser preservada, para mim, constituiu-se um grande avanço na luta do Movimento Ambiental no planeta. A partir daí, deverá ser possível fazer com que mesmo aqueles segmentos que, muitas vezes, têm-se demonstrado contrários à questão da preservação do meio ambiente possam ser envolvidos nesse processo.

Todo o processo de preservação do meio ambiente, associado às questões ligadas à legislação ou a ações de proibição, cumpriu uma etapa importante. Se isso não ocorresse, hoje não haveria as áreas de preservação existentes. No entanto, se persistirmos, única e exclusivamente, em agir pelo viés das leis e das proibições, não seremos capazes de dar as respostas de que o nosso País e o planeta necessitam.

Por isso, desde que cheguei a esta Casa, trabalhei no sentido de que os Estados, os Municípios e o próprio Governo Federal pudessem contar com esses instrumentos, para fazer com que a sociedade percebesse que preservar o meio ambiente também seria um grande negócio.

Para uma boa parte da população, graças a Deus, não é preciso fazermos cálculos contábeis para demonstrar que é lucrativo preservar o meio ambiente. Existem aquelas pessoas que têm sensibilidade para preservar a natureza, pelo simples fato de entendê-la como fundamental à sobrevivência do planeta e ao seu equilíbrio em termos do seu ecossistema global. No entanto, existem aqueles que só se sensibilizarão se formos capazes de demonstrar que eles terão algum lucro a perceber com essas ações. Além da vantagem de haver um ambiente saudável, de se poderem explorar economicamente os recursos naturais por um longo de tempo - espera-se que os recursos sejam sustentáveis no tempo - e de possibilitarmos às gerações futuras os meios necessários para a sua sobrevivência com dignidade, além dessas vantagens, existem vantagens concretas do ponto de vista da preservação do meio ambiente.

A criação desse Fundo, além de cumprir com a determinação de fazer com que a idéia de meio ambiente esteja associada à visão de desenvolvimento, também institui um mecanismo.

Sr. Presidente, o projeto de lei diz que:

“O Congresso nacional decreta:

Art. 1º O art. 2º da Lei Complementar nº 62, de 28 de outubro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 2º Os recursos do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal - FPE - serão distribuídos da seguinte forma:

I - 84% (oitenta e quatro por cento) às Unidades da Federação integrantes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

II - 14% (catorze por cento) às Unidades da Federação integrantes das Regiões Sul e Sudeste;

III - 2% (dois por cento) para constituir Reserva do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal a ser distribuída às Unidades da Federação que abriguem unidades de conservação da natureza e terras indígenas demarcadas, para aplicação em projetos de desenvolvimento sustentável, segundo diretrizes estabelecidas na regulamentação desta Lei.”

O que traz de importante esse projeto, além da criação de um Fundo para investimento em desenvolvimento sustentável por parte dos Governos estaduais, mediante um acréscimo do repasse do Fundo de Participação desses Estados da parte do Governo Federal? O que se constitui como uma inovação é o fato de que as regiões mais desenvolvidas estariam contribuindo com um percentual daquilo que deveria ser o seu repasse para a criação desse Fundo. Nesse caso, regiões como o Nordeste, o Norte e o Centro-Oeste deste País estariam dando um percentual menor, na medida em que têm uma carência maior em termos dos seus investimentos. E regiões desenvolvidas, como o Sul e o Sudeste, estariam instituindo um percentual maior, até porque são as regiões mais ricas do País.

Muitas pessoas e alguns Colegas Parlamentares poderão indagar que algumas dessas regiões podem ser prejudicadas, na medida em que, nelas, não há grandes áreas de preservação. Mas se considerarmos que a preservação do meio ambiente é responsabilidade da Nação como um todo, é responsabilidade de cada cidadão, com certeza chegaremos à conclusão de que os cidadãos brasileiros se sentirão muito bem em saber que boa parte dos seus recursos, daquilo que lhe é cobrado, tributado enquanto imposto de renda, está sendo destinado a uma causa justa, que é a preservação do meio ambiente. E mais do que isso, para o investimento em tecnologia limpa, para o investimento em pesquisa, para o investimento no setor produtivo, que seja capaz de incorporar a variável ambiental.

E o projeto, nesse sentido, tem também uma contribuição do ponto de vista educativo, que é o de fazermos entender ao País que a responsabilidade de preservar a Amazônia, de preservar a Mata Atlântica, de preservar o cerrado não é só daqueles que habitam nessas regiões, mas fundamentalmente daquelas pessoas que têm uma preocupação maior com o meio ambiente. Alguns por consciência e outros porque, em sendo tributados pelo imposto de renda, estariam destinando também parte dos seus recursos para essas ações.

O projeto ainda vai mais além, Sr. Presidente. Diz que esse fundo não pode ir para a vala comum das ações dos governos estaduais, deve ir de forma indicativa, já na lei, colocando os critérios, de forma mais consistente, na regulamentação, para ações de desenvolvimento sustentável, mediante um plano que esses Estados deverão fazer para poder acessar esse fundo. E mais: o projeto institui que as ações dos governos estaduais poderão ser feitas em parceria com os Prefeitos, com as comunidades locais, principalmente porque, a partir dessas ações integradas, poderíamos ter respostas mais eficazes do ponto de vista do desenvolvimento.

Quero aqui somar esse projeto a algumas outras ações que já vêm sendo praticadas, como por exemplo a criação de uma linha de crédito especial para os extrativistas da Amazônia. Ações essas voltadas para se ter crédito que possibilite aos tomadores um mecanismo de avaliação dos projetos no que se refere ao acesso do dinheiro público para praticar atividades econômicas que sejam danosas ao meio ambiente. Essa proposta, na época em que o Dr. Raul Jungmann estava no Ibama, foi colocada e espero que venha a ser vitoriosa, e, com certeza, estará se somando a uma iniciativa dessa natureza.

Com essa iniciativa também quero contribuir com aqueles Estados, como é o caso do meu Estado do Acre, que tem um terço de área de preservação, e do Estado de Roraima, que é um dos maiores em área de preservação, que por possuírem terras indígenas, reservas extrativistas, área de preservação permanente, constituem-se num castigo, num prejuízo para o desenvolvimento daquela região.

Diz o projeto:

Os Estados que têm áreas de preservação e reservas indígenas demarcadas serão beneficiados para que tenham recursos para investir em atividades produtivas que instituam a sustentabilidade.

Nesse caso, com certeza, os Estados do Acre, de Roraima, do Amazonas, do Amapá e tantos outros seriam beneficiados, sim, porque têm áreas indígenas e de preservação.

            O projeto também tem como objetivo fazer com que o setor empresarial, em tendo a possibilidade de acessar um fundo dentro das ações do governo estadual, possa sentir-se estimulado, no que diz respeito às suas atividades econômicas, a incorporar as suas preocupações com a defesa do meio ambiente; daí resultando atividades produtivas que não sejam danosas aos ecossistemas nos quais estão atuando ou pelo menos que se evite que determinados representantes assaquem acusações contra as instituições que tratam da questão do meio ambiente. Muitas vezes eu me sinto bastante solidaria com muitos profissionais que são honestos, que trabalham em defesa do meio ambiente e que realmente são achincalhados, colocados na vala comum daqueles que praticam improbidades administrativas. São ações como essas, ações positivas, que dão instrumentos aos governos estaduais, ao Governo Federal e aos governos municipais, para que tenham ações positivas no processo de preservação do meio ambiente.

            Por que o projeto diz que o fundo se destinará àquelas áreas que sejam da Federação? É exatamente para se evitar o mecanismo da esperteza, pois muitos governadores, de posse de uma lei como essa, poderiam criar, indiscriminadamente, áreas de preservação para poderem ver acrescido esse fundo. Nesse sentido, estaríamos criando um instrumento que, ao invés de ajudar, iria criar complicadores. É por isso que o projeto diz “áreas de preservação que sejam de responsabilidade” da União, pois assim seriam instituídos critérios justos, corretos quando da criação dessas áreas de preservação. A parte do Estado, com certeza, poderá vir como complemento a essa lei, como aquilo que já está sendo praticado em alguns Estados da Federação, que é a idéia do ICMS ecológico. Nesse sentido, essas duas ações se encontrariam e teríamos, ao invés de um desestímulo ao processo de preservação do meio ambiente, um estímulo que contaria com o aporte do Governo Federal, com ações de planejamento dos governos estaduais e do setor produtivo e de comunidades e, ao mesmo tempo, a participação da sociedade como um todo, dizendo que da mesma forma que pagamos um custo pela saúde, pela educação, pela cultura e assim por diante, vamos pagar um custo pela preservação do meio ambiente. E então a Amazônia não é mais responsabilidade dos 20 milhões de amazônidas, mas dos 160 milhões de brasileiros, que têm a responsabilidade de mostrar para o mundo que é possível combinar desenvolvimento econômico, justiça social e preservação do meio ambiente.

Com esse projeto, espero que nesta Casa haja uma ampla discussão, mais do que isso, espero que haja várias audiências públicas com o setor produtivo, com os governadores, com os Prefeitos, com o Executivo, da mesma forma que fizemos quando da tramitação do projeto que institui o acesso aos recursos da nossa diversidade biológica.

Com essa iniciativa, tenho absoluta certeza de que os governos da Amazônia, ou mesmo de outras regiões que não tenham tantas áreas de preservação, estariam contando com um instrumento de apoio às suas ações e à idéia do desenvolvimento sustentável. A implementação da Agenda 21, que deve ser um compromisso do Governo a partir da Rio +5, a partir da Eco-92, pode ter meios concretos de ser instituída. É uma pequena iniciativa, mas, com certeza, é muito mais recurso. Num cálculo preliminar, daria mais ou menos em torno, só para o Estado de Roraima, de 20 milhões para ações dessa natureza, que é muito mais do que o que o PPG 7 coloca para a Amazônia toda durante um ano.

Então, estaremos cumprindo a nossa parte, no sentido de fazermos com que a Nação brasileira assuma para si o desafio de preservar o meio ambiente, não da forma carrancuda, proibitiva, coercitiva, como muitos aqui fazem. Essa crítica que é feita não procede mais no movimento ambientalista, está atrasada, fora de contexto. Hoje, o movimento ambientalista discute necessariamente o sócioambientalismo, que é a união de projetos econômicos e preservação do meio ambiente, com um setor produtivo que é sensível.

Estive, recentemente, em Bruxelas, na Comunidade Européia, e discutimos com a Comissão Geral do PPG 7 ações concretas, no sentido de fazermos valer idéias dessa natureza. Também na Alemanha, junto às agências de cooperação, trabalhamos no sentido de envolver o setor produtivo em ações dessa natureza. Somente a partir daí, numa ação conjunta entre sociedade, organizações não-governamentais, Governo e setor produtivo é que poderemos fazer com que essas idéias, que por enquanto são idéias, se tornem realidade; e de realidade, numa forma de pensar em como manusear os nossos recursos naturais.

Espero contar com o apoio de todos os segmentos desta Casa, para que iniciativas como essa possam ter a sua discussão, a sua aprovação e a implementação, a fim de que se inaugure uma nova história na fase do movimento ambientalista brasileiro, que já não é mais, de acordo com as críticas que se ouvem aqui, de vez em quando, completamente fora de contexto.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1998 - Página 10903