Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ARQUITETO E URBANISTA LUCIO COSTA.

Autor
José Roberto Arruda (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/DF)
Nome completo: José Roberto Arruda
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO FALECIMENTO DO ARQUITETO E URBANISTA LUCIO COSTA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/06/1998 - Página 10906
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, LUCIO COSTA, ARQUITETO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), AUTORIA, PROJETO ARQUITETONICO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF).

O SR. JOSÉ ROBERTO ARRUDA (PSDB-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ocupo esta tribuna para fazer uma homenagem que não é minha, mas de todos os brasilienses, e penso que de todos os brasileiros, à memória do arquiteto e urbanista Lúcio Costa.

O Professor Lúcio Costa, o homem que idealizou Brasília, que fez o projeto urbanístico vitorioso no concurso que se abriu no ano de 1955, para a escolha do modelo de cidade para a construção da nova Capital, mais do que arquiteto, mais do que urbanista reconhecido no mundo inteiro, foi um pensador.

Como escreveu o Jornalista Washington Novaes, ontem, no Jornal O Estado de S.Paulo, perdemos, com a morte do Professor Lúcio Costa, uma das páginas mais importantes da cultura brasileira. O Professor Lúcio Costa, na verdade, foi testemunha da evolução brasileira neste século. Ele, que nasceu dois anos depois do início do século e partiu dois anos antes do seu fim.

Ele foi mais do que discípulo, foi amigo de Le Corbusier; foi ele quem o recebeu pela primeira vez, no Rio de Janeiro, em 1936, e contava nas suas memórias que Le Corbusier chegou ao Rio de Janeiro num dirigível no Campos dos Afonsos.

Ele trouxe para o Brasil a concepção da nova arquitetura, que teve o seu marco no prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, até hoje um ponto de referência para o estudo da arquitetura contemporânea.

Lúcio Costa teve mais do que isso. Além do seu idealismo, da sua visão futurística e da sua concepção moderna de arquitetura e de cidades, dedicou-se intensamente a entender o ser humano e a sociedade, buscando por meio do urbanismo e das artes modificá-los para melhor.

O Professor Lúcio Costa marcou a sua passagem pela Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro.

O Professor Lúcio Costa, mesmo depois de reconhecido internacionalmente, depois de ter o seu projeto vitorioso na concepção de Brasília, ainda assim, continuou sendo um homem pobre. Eu mesmo o visitei várias vezes, no seu apartamento humilde, no penúltimo prédio da Praia do Leblon. Um apartamento de um quarto, em que, saindo-se do elevador de porta pantográfica, estava-se dentro da sua sala. Lá, havia um pequeno sofá, muito velho e uma mesa com alguns livros em cima. Era um apartamento dos mais humildes.

Passei ali longas horas, em momentos diferentes, de convívio com o Professor Lúcio Costa. Ouvia-o falar do seu amor pelo Brasil e da saudade que sentia da França, pois viveu os primeiros 14 anos de vida em Toulon. Ouvia-o falar, por exemplo, de Oscar Niemeyer como o menino que ele acolheu em seu escritório como estagiário. Ouvia-o falar de Israel Pinheiro, Juscelino Kubitschek, Burle Marx, de todos aqueles que partilharam com ele um dos momentos mais geniais da cultura brasileira.

O Professor Lúcio Costa tinha total despreocupação com a vida material. Não ganhou dinheiro, não ficou rico; ao contrário, nos últimos anos de sua vida, sua filha teve sérias dificuldades até para sua própria manutenção. No entanto, conservou a lucidez até o último dia da sua vida e, com seus 96 anos bem vividos, sua larga experiência, não jogava uma frase fora.

O Professor Lúcio Costa era muito mais do que um arquiteto e muito mais do que um urbanista. Era um filósofo, um cientista social, na concepção mais pura do termo; um homem que procurava entender a evolução da sociedade brasileira, um homem contemporâneo do seu próprio tempo.

Ele se divertia, contando-me, por exemplo, que algumas vezes, já em idade bastante avançada, tomava um ônibus no Rio de Janeiro, ou entrava em uma farmácia próxima à sua casa e se deparava com alguém que o abordava perguntando se era ele o Lúcio Costa que construiu Brasília. Quando dizia que sim, as pessoas o abordavam, muitas vezes fazendo críticas, outras vezes elogios, e ele sempre com a maior humildade.

Na última vez que o Professor Lúcio Costa veio a Brasília, tive o privilégio de recepcioná-lo. Naquele dia, depois de passar algum tempo no próprio Memorial Lúcio Costa, na Praça dos Três Poderes e depois de me pedir que andasse de automóvel com ele nos principais locais de Brasília, ele não quis jantar em nenhum restaurante chique. Não quis luxo. Pediu-me para conhecer um bar onde a juventude de Brasília, as pessoas que nasceram aqui, freqüentassem.

Levei-o ao Beirute, um bar muito conhecido da cidade, na 109 Sul. Lá, tomamos uma ou duas cervejas e comemos alguma coisa. Ele olhava para aquela juventude e, em certo momento, alguns artistas de Brasília que se encontravam no Beirute e formavam um quarteto vocal muito conhecido, o “Invoquei o Vocal”, aproximaram-se da mesa, agacharam-se e cantaram para ele uma canção que fala de Brasília. O Professor Lúcio Costa emocionou-se e quis ir embora. Quando levantamos e saímos do Beirute, ele foi aplaudido de pé pelos boêmios e pela juventude desta cidade. E ele repetia: “essa é a cidade que eu inventei”! Quando fui deixá-lo no hotel, ele me disse que este era o seu maior sonho: ver como vivem as pessoas que nasceram na cidade que inventara.

O Professor Lúcio Costa foi homenageado em vida e foi reconhecido como grande arquiteto, urbanista e pensador. Fiz questão de ir aos seus funerais no Rio de Janeiro, em uma última homenagem ao grande brasileiro, e encontrei ali o retrato da sua própria vida: poucos e fiéis amigos, a sua família, netas e bisnetos. Foi uma homenagem simples àquele que, em vida, sempre se caracterizou pela humildade. Estavam ali, naquela singela homenagem, grandes nomes da cultura brasileira contemporânea. Estavam ali os brasileiros que sabem que o povo que não conhece e não reverencia a sua história e os grandes nomes da construção da nacionalidade não tem uma perspectiva de futuro.

Naquela última homenagem, feita por brasileiros e amigos na manhã de domingo no Rio de Janeiro, o Professor Lúcio Costa recebeu o seu último e derradeiro aplauso: o aplauso dos estudantes de arquitetura; dos seus colegas de profissão; de engenheiros que sofreram muito para conseguir viabilizar seus projetos; de seus ex-alunos; de ex-estagiários e de todos aqueles que sabem da importância de Lúcio Costa para a cultura contemporânea brasileira.

Hoje, às 19 horas, na Igrejinha Nossa Senhora de Fátima, na 107 Sul, será celebrada uma missa em homenagem ao Professor Lúcio Costa. Da tribuna desta Casa, convido todos os pioneiros de Brasília, todos os que ajudaram a construir o projeto de Lúcio Costa, os Srs. Senadores, os Srs. Deputados e todos aqueles que sabem que Brasília marcou um novo tempo na história brasileira a estarem ali, junto com a população de Brasília, para esta homenagem ao Professor Lúcio Costa.

Desta tribuna, hoje, o Senador Artur da Távola falava da importância de Brasília na concepção não de um novo modelo de cidade, mas na importância de Brasília na concepção de um novo modelo de convivência social. Muito mais do que um projeto futurista de cidade, o Professor Lúcio Costa sonhou que, por meio de Brasília e por meio de seus traços pudesse nascer uma sociedade de convívio mais fraterno, uma sociedade menos desigual, uma sociedade sem muros, uma sociedade sem grades, uma sociedade sem divisão de classes, uma sociedade onde todos os seres humanos, independentemente das suas classes sociais, pudessem ter um convívio mais fraterno e mais livre.

Brasília é símbolo da liberdade, Brasília é símbolo do sonho de toda uma geração de brasileiros. E foi Lúcio Costa quem ousou, com lápis, papel e genialidade, traduzir esse sonho e essa expectativa de uma sociedade mais justa do desenho de uma cidade que hoje se fez concreto, mas se fez, sobretudo, convivência humana.

O Professor Lúcio Costa tem aqui, hoje, o reconhecimento da sua importância na construção deste País que todos desejamos. E eu, como Senador eleito pelo Distrito Federal, faço questão de que seja registrada nos Anais desta Casa a nossa homenagem, a homenagem de todos os que vivemos em Brasília, ao grande inventor desta cidade.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/06/1998 - Página 10906