Discurso no Senado Federal

ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA FLUMITRENS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • ASPECTOS CONTROVERTIDOS DO PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO DA FLUMITRENS.
Publicação
Publicação no DSF de 25/06/1998 - Página 11054
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, TREM, ZONA URBANA, MUNICIPIO, NITEROI (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONCESSÃO, EXCESSO, BENEFICIO, VANTAGENS, ADQUIRENTE, PREJUIZO, ARRECADAÇÃO, IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICM), AMBITO ESTADUAL, SOCIEDADE, PAIS, FUNCIONARIO PUBLICO, EMPRESA.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, RECEBIMENTO, RECURSOS ECONOMICOS, RESULTADO, CONCESSÃO, EMPRESTIMO, BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO (BIRD), TRANSFERENCIA, CONCESSIONARIA, EMPRESA, TREM, ZONA URBANA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, privatização tem sido um tema de certa controvérsia e nós do Partido dos Trabalhadores temos sido solicitados a dar explicações ou justificativas sobre nossas posições. Compreendemos a necessidade de chamar o povo brasileiro a uma reflexão, não deixando que sirva apenas como peça publicitária num momento eleitoral. Há uma pseudopolarização entre os que querem o progresso e com ele a privatização e os que querem realmente preservar o que não deu certo.

Imbuída desse sentimento, quero fazer um pronunciamento relatando algumas experiências que já foram feitas e outras que ainda virão. Espero fazê-lo em série.

Hoje, por exemplo, estou trazendo uma questão relacionada com a Flumitrens.

“Negócio da China” está sendo oferecido pelo Estado do Rio de Janeiro, aberto a quem queira participar. É o leilão de concessão de exploração dos serviços públicos da Flumitrens (Companhia Fluminense de Trens Urbanos), marcado para o próximo dia 15 de julho. Essa concessão vem recheada de presentes e interessantes brindes para quem for o vencedor do leilão.

A Flumitrens foi criada em 22/12/94, após a descentralização dos serviços de transporte ferroviário de passageiros, urbanos e suburbanos. A malha ferroviária conta com 380 Km de extensão de linha corrida, que atende a 17 Municípios. O potencial desse sistema de transporte, na década de 80, atingiu a marca de um milhão de passageiros/dia; mas, hoje, curiosamente, não ultrapassa a marca de 130 mil passageiros/dia. Isso significa uma perda bruta de 87% da arrecadação tarifária, mesmo depois do empréstimo “BIRD I”, no valor de US$128,5 milhões, aprovado em dezembro de 1993 por esta Casa, que serviu de financiamento ao processo de descentralização que deu origem à Flumitrens. O mais interessante de tudo isso é que a administração que promoveu a queda de 87% na arrecadação é a mesma que está patrocinando a privatização - quero chamar atenção para esse ponto. Com certeza, Srs. Senadores, não há “mocinhos” nessa história.

O preço mínimo da Flumitrens foi fixado em R$28 milhões. A empresa concessionária receberá por essa bagatela as linhas, as estações, as construções e as benfeitorias que presumidamente não fizeram parte da avaliação, já que não estão listadas como “objeto do contrato” - página 31 do edital.

Outro ponto interessante desse processo de privatização é o fato de que o contrato de concessão refere-se aos serviços de transporte ferroviário de passageiros, mas o que pode estar sendo oferecido nas entrelinhas é muito mais.

Há uma outra cláusula do contrato que “permite à concessionária explorar serviços complementares ou serviços adicionais nas áreas integrantes da concessão, inclusive nos espaços aéreos das linhas, estações, construções e terrenos utilizados para obtenção de receitas...”. Bem, como não foram definidos os serviços complementares e adicionais, a concessionária poderá, a título de gerar receita alternativa, edificar nesses espaços o que lhe aprouver. Portanto, não se está concedendo apenas o serviço de transporte, como é anunciado, mas também a reserva de área imobiliária. E tem mais: caso a concessionária ainda não esteja satisfeita com a área, que compreende até seis metros de cada lado dos trilhos, poderá requerer outras áreas ao Estado, que irá desapropriá-las e arcará com as indenizações.

Outro brinde interessante é cerca de 100 caixas de equipamentos importados, avaliadas em aproximadamente R$20 milhões, ou seja, mais de 70% do preço mínimo da Flumitrens, que também no constam do edital, mas estão no estoque da companhia. Essa constatação foi evidenciada pelos técnicos da empresa com base em levantamento de seus almoxarifados. Entre os itens excluídos do edital estão 14 relés, avaliados em cerca de R$450 mil, e 25 chaves de linha, que valem aproximadamente R$250 mil.

De início, o presidente da Flumitrens, Murilo Junqueira, negou falhas na listagem e, mesmo depois da constatação, por seus assessores, de que esses e outros equipamentos não constavam do edital, ele não voltou atrás. Declarou, ainda, que “a ausência de itens não prejudica o processo de privatização”. Com certeza, o Sr. Murilo Junqueira, quando fez essa declaração, não levou em conta o interesse público, pois tal favor não pode de forma alguma ser concedido à custa do dinheiro do contribuinte.

Além de todas essas vantagens, no dia 21 de maio, O Globo publicou matéria em que “o vencedor pode ainda ganhar um presente extra” - a isenção de ICM na circulação e na importação de equipamentos e peças sem similar nacional - por um prazo de cinco anos. Isso graças à autorização obtida pelo Governo do Estado junto ao Confaz (Conselho que reúne os Secretários de Fazenda dos Estados) e que agora só depende de lei estadual para sua aplicação. Tudo isso caracteriza uma grande contradição, pois o Governo, até o ano passado, lutou para acabar com a isenção do ICMS concedida às empresas de ônibus intermunicipais. “Vitorioso, o Governador Marcello Alencar declarou que a cobrança era fundamental para aumentar a receita do Estado”. Se isso realmente era verdade, por que dispensar R$3,78 milhões por ano? Pois isso corresponderá ao montante que o Governo deixará de arrecadar caso aplique o mesmo percentual (5%) que era imposto às passagens de ônibus.

Quanto aos funcionários da Flumitrens, ficará a cargo da concessionária assumir, por transferência, ou demitir quantos julgar necessário à continuidade normal da prestação do serviço. A demissão poderá ocorrer num prazo de até cento e oitenta dias, contados da assinatura do contrato, sendo que o ônus pela indenização trabalhista correrá exclusivamente por conta do Estado. Basta apenas que a concessionária apresente, dentro de sessenta dias, os comprovantes das referidas despesas. Essa discricionariedade poderá gerar demissões, agravando mais ainda o desemprego, algo semelhante ao que ocorreu com a privatização do setor elétrico no Rio, que resultou na demissão de inúmeros profissionais de alto gabarito técnico. E nós fomos testemunha dos blecautes que aconteceram no Estado devido à falta da mão-de-obra técnica para dar continuidade à prestação de serviços.

Diante de tudo isso, não pude deixar de me manifestar. Resolvi apresentar, no último dia 18, um requerimento de informações ao Banco Central, através do Ministério da Fazenda, visando obter esclarecimentos sobre recursos recebidos do empréstimo BIRD/93/94 e possíveis futuras operações envolvendo a Flumitrens, já que serão transferidos à concessionária. A possibilidade de um novo empréstimo, que pode estar em trânsito, foi a razão de sucessivos adiamentos do leilão, porque os interessados na concessão condicionaram sua participação à inclusão, no edital, de cláusula que garantisse a desistência de posse do contrato, sem ônus algum, caso o Senado Federal não venha a aprovar essa nova dívida feita junto ao BIRD, destinada à Flumitrens. Essa cláusula, curiosamente, foi incluída no novo edital, de 8/6/98, para satisfação e alegria de todos os interessados no leilão.

Trazer alegria ao povo também faz parte do propósito governamental. Porém, quando “povo” é sinônimo de um grupo seleto de empresários, com alta capacidade de influenciar alterações em edital de licitação e que, em ritmo de Copa, está prestes a marcar um “golaço” no patrimônio público carioca, com certeza a alegria desse “povo” precisa ser contida. É muito fácil fazer caridade com o dinheiro alheio, principalmente em época de Copa do Mundo e diante dos cariocas, eternos apaixonados por futebol.

Diante de tudo isso, fico perplexa com tamanha audácia ou “inocência”, não sei. O que com certeza sei é que o leilão não pode ser realizado da forma como se apresenta. Não podemos, de maneira alguma, permitir que se repita o “presente” Vale do Rio Doce com a Flumitrens.

Por isso, Sr. Presidente, chamo a atenção de todos para que reflitamos sobre as privatizações, sem xenofobia e sem perseguições aos propósitos ideológicos ou programáticos do Partido dos Trabalhadores. Como responsáveis que somos, como fiscais dos bens públicos que somos, por termos representações nas administrações públicas municipal e estadual e no Congresso Nacional brasileiro, não poderíamos deixar de nos manifestar, tornando muito claro, para reflexão do Senado Federal, que precisamos muito, e urgentemente, acompanhar todo o processo de privatização, em todos os Estados, exigindo transparência e o acesso às documentações e negociações.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/06/1998 - Página 11054