Pronunciamento de Edison Lobão em 29/06/1998
Discurso no Senado Federal
PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ABERTURA DO COMERCIO INTERNACIONAL E OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ECONOMIA DO PAIS.
- Autor
- Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
- Nome completo: Edison Lobão
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
COMERCIO EXTERIOR.:
- PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM A ABERTURA DO COMERCIO INTERNACIONAL E OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO NA ECONOMIA DO PAIS.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/06/1998 - Página 11277
- Assunto
- Outros > COMERCIO EXTERIOR.
- Indexação
-
- ANALISE, POLITICA, ABERTURA, ECONOMIA NACIONAL, COMERCIO EXTERIOR, AMBITO, GLOBALIZAÇÃO, REGISTRO, DESEQUILIBRIO, INCORPORAÇÃO, SUBSIDIOS, PRODUTO IMPORTADO, CONCORRENCIA DESLEAL, EXCESSO, PROTECIONISMO, COMERCIO, PAIS ESTRANGEIRO.
- ANALISE, PREJUIZO, ECONOMIA NACIONAL, FALENCIA, INDUSTRIA, AGROPECUARIA, EXCESSO, DESEMPREGO.
- REGISTRO, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), PREJUIZO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO, BRASIL, DEFESA, IGUALDADE, NORMAS, COMERCIO EXTERIOR, SIMULTANEIDADE, CONTRATO BILATERAL.
O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nos meios econômicos de nosso País, como em muitos outros da América Latina e da Europa, são ouvidos aplausos à orientação de se abrir o comércio à concorrência internacional.
Muitos são os argumentos que justificam tal abertura, a começar pela importância da competitividade, que obriga as empresas nacionais, em qualquer país aberto ao comércio internacional, a aprimorarem os métodos de trabalho. Têm de buscar, pela alta eficiência de reengenharia adotadas, a fabricação de produtos excelentes, em condições de concorrer com seus similares importados.
Pessoalmente, vejo nessa abertura uma realidade contra a qual nada se pode opor. É o efeito da chamada globalização, advinda da revolução dos sistemas de comunicação que, dia a dia, encurtam as distâncias e propiciam o contato imediato das pessoas, estejam elas onde estiverem em nosso planeta.
É um instante universal do qual não se pode fugir.
A abertura econômica, no entanto, é uma vereda de duas mãos. Se não é, deveria ser, ou melhor, tem de ser. É como conjugar o verbo “abrir” nas três pessoas do singular ou do plural: “Eu abro o meu comércio”: “Tu abres o teu comércio”; “Ele abre o seu comércio”.
Srªs. e Srs. Senadores, não é essa a conjugação verbal que se está fazendo nestes tempos de globalização, pois ainda não se conseguiu criar um mecanismo que pudesse avaliar o peso dos subsídios na composição do preço de um produto a ser exportado.
Graças a generosos subsídios, muitos produtos estrangeiros concorrem vantajosamente com os similares brasileiros em nosso próprio território. E, além de subsidiarem fortemente os bens da sua produção, não poucas nações impedem em seus territórios a entrada dos nossos produtos.
Em época ainda recente, o Deputado Francisco Dornelles, falando como Ministro da Indústria e do Comércio, enumerou para a imprensa as dezenas de produtos brasileiros atingidos por taxas de importação na América do Norte, na Ásia e Europa. E citou-se, à época, que países como a Suíça, Japão, Islândia, Noruega, Finlândia, Áustria, Suécia, Canadá e Estados Unidos subsidiam suas produções agrícolas, juntos, com o total anual de U$91,4 bilhões!
E as conseqüências estão aí à frente de todos: os investimentos nacionais brasileiros se tornam inviáveis em função dos juros altíssimos; inviáveis os nacionais, beneficiam-se os capitais alienígenas, que podem investir a custos menores. Na verdade, o capital estrangeiro tem comprado empresas brasileiras, na sua grande maioria, ou então aqui aporta, pelo tempo que lhe convém, sem o risco advindo de novos investimentos.
Os efeitos já se fazem sentir, às vezes de maneira dramática, vitimando produtores industriais e agrícolas, que não conseguem suportar a invasão dos fabricantes estrangeiros por não receberem o amparo que os outros recebem. E, em função de tal fenômeno, provocam o crescente desemprego, que ainda não enxergou a luz no fim do túnel.
Cada dólar importado é um dólar que deixa de ser produzido internamente.
Estudo do economista Ricardo Paes de Barros, do IPEA, referido na edição do Jornal do Brasil, de 7 de agosto de 1996, oferecia dados, até aquela data, relativos ao impacto da abertura comercial sobre a mão-de-obra da indústria brasileira. A partir de 1995, o aumento das importações representou uma redução de 10% no número de empregos, no Brasil. Nesse ano, reduziram-se 400 mil empregos. Isto há quase dois anos, e sabemos que a proporção de desempregos vem dramaticamente aumentando nos últimos anos.
Como disse o aludido economista, “nada garantiria que seríamos capazes de produzir aqui o que deixou de ser importado”. É verdade. Muitos bens devemos realmente importar, como sempre o fizemos, por nos faltarem as condições tecnológicas para produzi-los. É aí que se processa a reciprocidade comercial entre as Nações.
Há, por conseguinte, de se refletir sobre o assunto, buscando-se respostas para muitas indagações, mesmo porque não podemos nos deixar levar pela retórica das nações ditas liberais, que estimulam e aplaudem nossa orientação voltada para o livre comércio, sem qualquer correspondência com as suas próprias regras, agressivamente defensoras dos seus produtos.
Os Estados Unidos da América do Norte, por exemplo, estão à frente das nações poderosas que defendem tradicionalmente o livre comércio. No entanto, é exatamente nas normas norte-americanas que encontramos os grandes obstáculos às nossas exportações. Deles importamos praticamente tudo o que suas fábricas produzem, mas, por força das suas tarifas alfandegárias altíssimas, não temos tido condições de lhes exportar, a preços competitivos, nossos produtos primários, entre os quais o aço, o álcool, o suco de laranja e tantos outros de grande relevância econômica para o Brasil.
De modo geral, não são suficientemente conhecidas, no Brasil, as Seções 10a a 10c do Capítulo 1 do Título 41 do Código dos Estados Unidos - ato que consolida a legislação administrativa daquele país -, que levam a denominação de Buy American Act, originadas do título III da Lei denominada “An Act making appropriations for the Treasury and Post Office Departments for the fiscal year ending June 30, 1934, and for other purposes”, aprovada em 3 de março de 1933 e vigente até hoje.
Essencialmente, estabelece a lei norte-americana que somente materiais que tenham sido produzidos ou fabricados nos Estados Unidos, utilizando, se possível, matéria-prima americana, devem ser adquiridos pela Administração Federal. A mesma disposição se aplica aos materiais utilizados pelas empresas contratadas pela Administração.
Determina a lei, ainda, que a regra não se aplica no caso de ser incompatível com o interesse público ou de o custo não ser razoável, conforme declarado pelo dirigente máximo da respectiva agência governamental, bem como no das compras feitas por repartições americanas no exterior, e de não haver disponibilidade do material em quantidade e qualidade razoável nos Estados Unidos. A disposição também não se aplica a pequenas compras abaixo de dois mil e quinhentos dólares norte-americanos.
Ainda recentemente vimos no noticiário dos jornais as fotos de um avião cargueiro norte-americano, pousando em Brasília e em outros aeroportos internacionais, trazendo para suas embaixadas e consulados os bens perecíveis de consumo diário. Tais remessas provavelmente cumprem as determinações contidas na lei americana (Buy Act).
Sr. Presidente, enquanto nós, legisladores, fomos criando um ordenamento constitucional de ampla fraternidade universal, deixamos de perceber que um dos nossos principais aliados - os Estados Unidos da América do Norte - mantinham irredutível o seu quase centenário Buy Act - Lei de Comércio -, que estimula os tantos prejuízos que têm sido ocasionados ao nosso País.
Vejam V. Exªs que até mesmo água mineral os aviões da Força Aérea Americana transportam para suas Embaixadas no mundo inteiro, sobretudo na América Latina. Como poderemos competir com uma ação deletéria como a do Governo Americano?
Nessa questão, Sr. Presidente, o constituinte derivado vem caminhando no sentido de reafirmar o propósito de assegurar uma igualdade de mercado sem proteção para os bens e serviços nacionais.
Foi o que ocorreu com as Emendas Constitucionais de nºs 5 a 9, que retiraram da Carta Magna impedimentos à atuação da empresa estrangeira e ampliaram a abertura do País para o exterior.
A Emenda nº 6, promulgada em 15 de agosto de 1995, revogou o art. 171 da Constituição, que ditava as regras caracterizadoras de empresa brasileira.
A única previsão de tratamento favorecido - e bastante modesto, como se vê - pode ser encontrada no inciso IX do art. 170 da Constituição, com a redação dada pela mesma Emenda Constitucional nº 6, de 1995, que prevê a diferenciação das pequenas empresas, independentemente de sua origem nacional, verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
................................................................................................................
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
O próprio Estatuto das Licitações - Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 - sofreu com as novas disposições, pois os incisos I e III do § 2º do seu art. 3º não foram recepcionados pela Emenda nº 6/95, que expurgou da Lei Maior os conceitos de “empresa brasileira” e “empresa brasileira de capital nacional”.
Tais incisos asseguravam - em igualdade de condições, como critério de desempate - preferência aos bens e serviços “produzidos ou prestados por empresas brasileiras de capital nacional“ e os “produzidos ou prestados por empresas brasileiras”.
Assim, nas licitações, o fato de o produto ter sido produzido no Brasil pode, tão-somente, ser utilizado como critério de desempate, respeitado o caráter isonômico do procedimento licitatório.
Ressalte-se que não sou contrário à abertura do nosso mercado ao comércio internacional. Melhor dizendo, não posso nem adianta ser contrário a uma realidade que se impõe no mundo inteiro. O que estou pretendendo dizer é que não se justifica que, na convivência com outras nações amigas, tenhamos nas importações dos seus produtos a benevolência que eles não têm com os nossos.
Em matéria constitucional, nada podemos fazer, pois ali se institucionalizou a vontade dos constituintes de 1988, representativa do povo brasileiro. Numa futura revisão, talvez possamos voltar a debater o problema, pois a população brasileira já terá avaliado os efeitos, bons ou maus, da abertura que tornamos ampla e irrestrita.
Contudo, há procedimentos que podemos adotar para o amparo dos bens e serviços nacionais. As restrições aos produtos de origem estrangeira encontrarão rumos certos no imposto de importação, que agravaria os produtos de outros países ao ponto de impedir o aniquilamento dos nossos.
Há mais ou menos um ano, para citar o exemplo mais singelo, um Ministro brasileiro da Indústria e do Comércio constatou que nossos fabricantes de lápis estavam falindo por não suportarem a concorrência dos fabricantes dos países asiáticos, naturalmente beneficiados por vantajosos subsídios. Simplesmente aumentou em várias dezenas percentuais o imposto alfandegário sobre tais importações, e, segundo tudo indica, normalizou-se entre nós a situação aflitiva dos fabricantes de lápis.
Sinceramente, eu teria grande prazer em formalizar projeto de lei nos moldes da lei americana de comércio, mas sou impedido de fazê-lo por força das disposições em contrário da nossa Constituição.
Creio, porém, Sr. Presidente, que devemos refletir sobre o assunto e, por isso mesmo, solicito que se adicione ao meu discurso, como parte integrante dele, a legislação americana sobre essa matéria, que é bastante elucidativa sobre os prejuízos que o comércio e a indústria brasileiros estão tendo diante da lei de proteção norte-americana.