Discurso no Senado Federal

INCAPACIDADE DO PLANO REAL EM PROMOVER CRESCIMENTO ECONOMICO COMBINADO COM JUSTIÇA SOCIAL E PLENO EMPREGO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • INCAPACIDADE DO PLANO REAL EM PROMOVER CRESCIMENTO ECONOMICO COMBINADO COM JUSTIÇA SOCIAL E PLENO EMPREGO.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/1998 - Página 11205
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DESEQUILIBRIO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, EFEITO, PROCESSO, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, MANUTENÇÃO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, COMPROMETIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, INACIO ARRUDA, PAULO PAIM, DEPUTADO FEDERAL, REDUÇÃO, JORNADA DE TRABALHO, AUMENTO, REMUNERAÇÃO, HORA EXTRA, INCENTIVO, MELHORIA, OFERTA, EMPREGO, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, a Nação brasileira, abalada pelos anos de convívio com o flagelo da inflação, desenvolveu uma atitude compassiva e pouco crítica em relação ao Plano Real, atribuindo-lhe poderes quase mágicos, de um verdadeiro “santo guerreiro”, ungido no combate vitorioso contra o “dragão da maldade”.

É inegável que o Plano Real conseguiu resultados significativos e mudou a feição da economia de um País estagnado, mergulhado numa inflação que chegou ao pico de 2.567% em 1993. Neste ano, prevê-se que a inflação brasileira ficará apenas em 3%.

No início do Governo Itamar, o Brasil recebeu somente 1,6% dos investimentos destinados pelos países ricos às nações emergentes. A taxa cresceu para 6,7% em 1996. Do Real para cá, chegaram U$30bilhões para novas fábricas ou compra de companhias nacionais. Entre as regiões em desenvolvimento, o Brasil ocupa o segundo lugar na preferência estrangeira, atrás da China.

Em três anos e meio, cerca de 10 milhões de pessoas, que consumiam apenas o básico, ganharam renda para comprar mais. A venda de leite longa vida, chocolate, iogurte, xampu, amaciante de roupas, fralda descartável, forno de microondas, lavadora de roupas, geladeira, videocassete, aspirador de pó e televisão em cores cresceu em 30% ao ano.

O sinal da inflação em queda e do consumo em alta atraiu as companhias multinacionais - cuja presença crescente no País é uma das peças da nova estratégia brasileira. Há um mercado admirável, um dos maiores do mundo, formado por pessoas ainda sem acesso a muitos bens. As companhias transnacionais estão vindo para cá, atraídas por esse potencial de consumo.

Foi esse o prêmio mais visível da estabilidade econômica, ainda que ela tenha tornado a economia vulnerável a choques externos e não tenha sido capaz de criar trabalho em quantidade e qualidade para atender à população e para promover melhoria na distribuição de renda.

O próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, quando do anúncio da instituição do Plano Real, falava da necessidade de alcançarmos não apenas o objetivo da estabilidade, mas também o do crescimento, com a resolução dos graves problemas resultantes da intensa desigualdade social. Se Sua Excelência reconhece e diz isso, por que não o podemos dizer? Principalmente as pessoas que têm-se dedicado a estudos profundos das desigualdades sociais. É o meu caso, como profissional dessa área.

Não faço hoje este pronunciamento com uma visão de quem tem uma formação acadêmica no curso de economia, mas de quem se dedicou, desde quando não dispunha de conhecimento, a capacitar-se na universidade da vida até chegar oficialmente à Faculdade de Serviço Social e a atribuir-se, na teoria introjetada na economia brasileira, a responsabilidade pelo caos social.

Se não há como negar os benefícios da estabilidade crescente, para uma sociedade que conviveu com taxas extraordinárias de inflação por três décadas, é preciso também admitir que os demais objetivos não foram atingidos a contento até o presente momento.

Quanto à retomada do desenvolvimento, ainda que o crescimento do Produto Interno Bruto tenha sido positivo nos últimos anos - em torno de 3% a 4%, certamente está muito aquém das possibilidades da economia brasileira, que já atingiu taxas de 7%.

Em relação à distribuição de renda, a situação de desigualdade agravou-se, mesmo levando em conta apenas o rendimento do trabalho. A parcela da renda dos 50% mais pobres, em 1992, era de 13,1% e, em 1996, passou para 12,3%; enquanto a parcela da renda dos 20% mais ricos, em 1992, que era de 61,1%, passou, em 1996, para 62,4%.

Não é necessário ser economista. Basta fazer uma boa leitura dos dados oficiais, colocados à disposição daqueles que se dedicam a fazer as somas dos percentuais e dos rendimentos deste País.

Nada se compara, entretanto, ao crescimento sistemático das taxas de desemprego. Em 1997, a taxa de desemprego foi de 5,66%, quase 50% maior do que em 1990, ano em que o País estava em recessão e o dinheiro preso nos cofres do Plano Collor. Calcula-se no Governo que a taxa crescerá para 7% em 1998. Há especialistas que apostam numa alta do desemprego ainda maior, de até 9%. Os 7% previstos coincidem com a taxa de 1981, quando o País quebrou.

Ninguém está falando mal ou bem do Plano Real. Pelo contrário, estamos reconhecendo o seu lado positivo. Não se está também contestando o plano, mas apenas confrontando os dados oficiais, acreditando que as previsões do Governo estão, no mínimo, equivocadas.

Prevê o Governo que, até o final de dezembro, haverá cinco milhões de brasileiros que, mesmo sendo aptos para o trabalho, estarão sem ocupação fixa. Dessa vez, não é apenas o peão de obra ou o metalúrgico que enfrentam a onda de desemprego, como nas recessões clássicas do passado. É também o brasileiro de classe média que perdeu a colocação de supervisor ou gerente e está tonto diante de um processo novo no Brasil, difícil de entender.

As pessoas lêem que a economia está melhor, mais produtiva, com preços em queda e bilhões de dólares aportando para erguer empresas. De outro lado, vêem a guilhotina das demissões operando sem parar.

Cerca de 50 mil pessoas perderam o emprego no processo de privatização das sete maiores estatais. Há dez anos, havia um milhão de bancários - sobraram 470 mil. Ocorreu também o impacto da abertura comercial. As fábricas de calçados do Rio Grande do Sul empregavam 91 mil pessoas em 1993. Sob a pressão das importações, só restam 60 mil ocupados. Há seis anos, a indústria têxtil empregava 2,1 milhões de trabalhadores. Pelas contas de hoje, mais de 1,3 milhão de seus operários foram para a rua.

No período compreendido entre julho de 1994 e dezembro de 1996, foram destruídos 755 mil postos de trabalho com carteira assinada, dos quais 56% no setor industrial. No caso da indústria da transformação, porém, é certo que os efeitos diretos e indiretos da abertura comercial são responsáveis pela maior parte das ocupações perdidas ao longo desse período. De um lado, empregos foram diretamente destruídos porque parte da produção brasileira foi substituída por bens importados. De outro, as demissões foram causadas por mudanças substanciais nas formas da organização da produção e do processo de trabalho - terceirização, automação, etc.

Embora mais visíveis na indústria, essas novas práticas empresariais espalharam-se por outros setores, a exemplo dos serviços. As instituições financeiras, por exemplo, foram responsáveis por um grande número de postos de trabalho destruídos.

Paralelamente, as ocupações geradas no segmento informal do mercado de trabalho têm crescido sistematicamente. Desde o início da década de 90, cerca de 9 milhões de pessoas economicamente ativas encontraram alguma forma de ocupação no mercado informal. Essa é a principal razão pela qual as taxas de desemprego parecem relativamente baixas no Brasil, se comparadas a índices de alguns países europeus.

Apesar de suas especificidades, a crise do emprego - é preciso reconhecer - não é exclusividade brasileira. O mundo do trabalho vem passando por profundas transformações. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório 1996-1997, aproximadamente 30% da força de trabalho do planeta está desempregada e subempregada. Há dois anos, eram 800 milhões; hoje, são quase um bilhão nessas condições. Pela primeira vez, no curso do desenvolvimento social, o trabalho humano vem sendo eliminado sistematicamente do processo de produção. A tendência é a do agravamento, com a introdução acelerada de uma nova geração de sofisticadas tecnologias de informação e de comunicação nas diversas situações de trabalho.

Então, Srªs. e Srs. Senadores, a falta de empregos seria um processo irreversível, inerente ao estágio de desenvolvimento que a humanidade vive? A terceira Revolução Industrial levará à sociedade do desemprego ou à sociedade do tempo livre? Vai liberar o homem do trabalho desgastante ou desgastá-lo ainda mais, reduzindo-o à inatividade forçada? Levará ela a uma nova idade de ouro em que trabalharemos cada vez menos, ganhando cada vez mais, ou condenará uns à miséria e outros à hiperprodutividade? E, finalmente, qual o papel dos governos diante dessa nova conjuntura?

O papel do Governo nessa sociedade emergente deve estar menos vinculado aos interesses da economia de mercado e mais alinhado com os interesses da economia social. Alimentar os pobres, fornecer serviços básicos de saúde à população, educar os jovens da Nação, construir moradias a preços acessíveis e preservar o meio ambiente são as prioridades dos próximos anos. Todas essas áreas críticas têm sido praticamente ignoradas pelas forças do mercado. Hoje, com a economia formal se retirando cada vez mais da vida social do País e com o Estado recuando de seu papel tradicional de provedor de última instância, apenas um esforço organizado da sociedade, apoiado pelo Governo, será capaz de prestar serviços sociais básicos e revitalizar a economia social do País.

Quanto ao desemprego estrutural, o Governo pode assumir duas atitudes: aceitar um modelo de sociedade dividido entre “os que trabalham e os que não trabalham” ou enfrentar o problema de frente e dividir o trabalho existente entre todos os cidadãos.

Entre as alternativas colocadas, lamentavelmente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso certamente escolhe a primeira. Não é à toa que o nosso governante alardeou aos quatro cantos que era inevitável a existência de pessoas “inempregáveis”, que não serão absorvidas pelo mundo globalizado. Para elas não existem empregos, e assim será sempre. Tudo por causa da falta de educação e conhecimentos tecnológicos, diz Fernando Henrique Cardoso, quase colocando a culpa nos próprios trabalhadores por não conseguirem empregos.

No entanto, ao mesmo tempo em que lava as mãos no que diz respeito às políticas de geração de empregos, nosso Presidente se esquece da contribuição do Plano Real no aumento desenfreado do desemprego no País.

Na verdade, Srªs. e Srs. Senadores, existem algumas causas de desemprego que não têm a ver com a globalização; são produtos de políticas que o Governo jura necessárias para manter o Real na rota traçada: custo do dinheiro extraordinariamente elevado, câmbio que sacrifica as exportações, abertura das importações de forma exagerada e num espaço de tempo curto, reforma tributária que não vem, restrições ao crédito e ausência quase total de financiamentos de longo prazo. Todos esses são motivos que se entrelaçam e constrangem a atividade econômica - e não é preciso ser economista para entender isso.

De qualquer perspectiva que se olhe, fica claro que o Governo Fernando Henrique não está, nem de longe, preocupado em criar alternativas de combate ao desemprego, nem dá sinais de que vai desviar seu governo do caminho já traçado. Em resposta ao desemprego, nosso Presidente corta ainda mais verbas dos setores sociais e consome nossas reservas no pagamento da dívida pública, tudo isso em nome da estabilidade econômica, em que pesem seus compromissos eleitorais constantes de seus pronunciamentos.

Qual seria, então, a atitude de um Governo que optasse por dividir o trabalho existente entre todos os cidadãos? Reduzir a jornada de modo que todos possam trabalhar. É claro que uma proposta dessa natureza é polêmica e mexe com vários interesses enraizados na sociedade capitalista, mas o fato é que ela é uma tendência histórica. De acordo com estudo do Dieese, enquanto na segunda metade do século passado, época da Revolução Industrial, a média era de 3.750 horas trabalhadas por ano, em 1997 se trabalhava 1.451 horas na Suécia e cerca de 1.719 horas anuais na Alemanha. Essa média vem caindo paulatinamente.

A Conferência Internacional do Trabalho, em 1919, recomendou a redução da jornada de 48 para 44 horas semanais. E a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomendava, já em 1935, que a jornada fosse reduzida para 40 horas. O Brasil ainda mantém a jornada semanal de 44 horas, recém-conquistada na Constituição de 1988, com muito sacrifício de alguns de nós, que lamentávamos não poder reduzi-la para 40 horas semanais.

Hoje, a proposta que defendemos é a de redução da jornada para 40 horas semanais, sem redução de salários. A propósito, está em tramitação na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional (PEC 231/95), de autoria dos Deputados Federais Inácio Arruda (PCdoB-CE) e Paulo Paim (PT-RS), que diminui a jornada de todos os trabalhadores brasileiros para 40 horas semanais e aumenta a remuneração das horas extras de 50% para 75% a mais que as horas normais; isso porque os empresários preferem pagar horas extras a seus empregados a arcar com os custos de contratação de novos trabalhadores.

Outras iniciativas podem minimizar as dificuldades do trabalhador desempregado, tais como o passe-desemprego, o fornecimento de água e luz e a promoção de cursos de requalificação. No entanto, são iniciativas de natureza paliativa que não resolverão o problema do desemprego. É preciso que o assunto entre na ordem do dia de toda a sociedade, para que as soluções sejam encontradas e implementadas o mais rápido possível.

Nas circunstâncias atuais - de expansão sem fronteiras do capital -, o desemprego é um fenômeno que cresce em escala planetária ao sabor da onda neoliberal; não é, porém, uma fatalidade que independe da luta dos trabalhadores. Mesmo em condições desfavoráveis, ele dever ser compreendido como parte do confronto histórico entre o capital e o trabalho.

O esforço deve ser conjunto e urgente. Sem uma mobilização nacional e um Governo que coloque como prioridade nacional o combate ao desemprego, pouco pode ser feito. Cabe a nós, Parlamentares, colocar essa preocupação no topo de nossa pauta de temas essenciais e propor alternativas que possam garantir a milhões de brasileiros o direito ao trabalho.

Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, por aguardar o término de meu pronunciamento. Com um sentimento fraterno, faço esta reflexão, que é, ao mesmo tempo, uma denúncia e um apelo ao Senhor Presidente da República. Nada temos a dizer contra a pessoa de Sua Excelência, mas sua política altamente equivocada nos traz constantemente, e às vezes até constrangidos, a esta tribuna para dizer que a bandeira do desemprego está em mãos erradas e que não perca mais um de seus dedos com suas promessas, mas que veja o povo brasileiro, os trabalhadores, os desempregados com os olhos voltados para o social.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/1998 - Página 11205