Discurso no Senado Federal

RECEBIMENTO DE DOCUMENTOS DE ORGÃOS REPRESENTATIVOS DOS AGRICULTORES DE VARIAS PARTES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, CONTENDO QUEIXAS CONTRA A EXECUÇÃO DA POLITICA AGRICOLA DO GOVERNO.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA.:
  • RECEBIMENTO DE DOCUMENTOS DE ORGÃOS REPRESENTATIVOS DOS AGRICULTORES DE VARIAS PARTES DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, CONTENDO QUEIXAS CONTRA A EXECUÇÃO DA POLITICA AGRICOLA DO GOVERNO.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/1996 - Página 19827
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • RECEBIMENTO, DOCUMENTO, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, AGRICULTOR, MUNICIPIO, DOM PEDRITO (RS), SANTA ROSA (RS), SÃO SEPE (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), REIVINDICAÇÃO, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, GOVERNO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, CUSTEIO, LAVOURA, ARROZ, TRIGO, SOJA, CRIAÇÃO, CREDITO AGRICOLA, RENEGOCIAÇÃO, CALCULO, DIVIDA AGRARIA, FUNDO NACIONAL, FINANCIAMENTO RURAL.
  • ANALISE, CONFERENCIA, AMBITO INTERNACIONAL, ALIMENTOS, PROMOÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO E AGRICULTURA (FAO), REFERENCIA, AUMENTO, FOME, MUNDO, NECESSIDADE, MELHORIA, CRESCIMENTO, PRODUÇÃO AGRICOLA, ERRADICAÇÃO, MISERIA.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, represento, nesta Casa, um Estado eminentemente agrícola, o Rio Grande do Sul. Além disso, honrado pelo convite do Presidente eleito Tancredo Neves, exerci o cargo de Ministro da Agricultura do Governo do Presidente José Sarney. Por estas razões, entre outras, os temas ligados à Agricultura me falam muito de perto. 

Tenho em mãos, Senhoras e Senhores, documentos de órgãos de classe que representam agricultores de várias partes do Estado do Rio Grande do Sul e que se dedicam a diferentes atividades nessa área. A queixa contra a execução da política agrícola é tema comum a esses documentos.

Assim, da Associação dos Agricultores de Dom Pedrito - RS, recebo o Documento nº 06/96, apoiado pelo Poder Público Municipal e pelas Entidades de Classe daquele Município, em que reclamam uma ação política enérgica e imediata, "ou, desta vez, a produção primária não sobrevive", conforme expressam textualmente.

Mais especificamente, os agricultores de Dom Pedrito reclamam que o Governo Federal, ao anunciar a Política para o ano agrícola 96/97, garantiu a aplicação de 35% a mais de recursos em custeios, elevando-os de R$ 3,7 bilhões, na safra 95/96, para R$ 5 bilhões, na safra 96/97. Entretanto, atingido o pleno período do plantio, os recursos colocados à disposição dos produtores foram, substancialmente, inferiores aos disponíveis na mesma época, no ano passado.

No seu entender, a securitização das dívidas agrícolas foi feita para viabilizar a produção primária nacional e para que se desse execução à reengenharia do setor. Isso, porque, após as sucessivas crises da agricultura, decorrentes dos fracassados planos econômicos, e após ter esta servido de suporte ao Plano Real, na qualidade da chamada "âncora verde", entendiam os produtores rurais chegada a sua vez de obter o amparo governamental para voltar a ser a base econômica da Nação. Contavam, portanto, com a concessão de um período de transição de três ou quatro safras, com crédito agrícola farto, oportuno e a juros em níveis compatíveis com os resultados da atividade, para, só então, assumirem seu autofinanciamento.

Os agricultores de Dom Pedrito evocam, especialmente, o caso da lavoura do arroz, onde a aplicação dessa transição se torna essencial, porquanto seu mercado - diferentemente do mercado da soja, por exemplo - não dispõe de mecanismos reguladores, tal como a faculdade de venda futura e conseqüente autofinanciamento do produtor. Uma vez atingida a regularidade do mercado, será necessário o estabelecimento de regras claras e estáveis que orientem o setor, sem sobressaltos sucessivos e de toda ordem.

Não é deste modo que se passam as coisas, no presente. Assim se expressa o Documento em questão, a este respeito: "A realidade, hoje, é que vivemos mais um sobressalto: tivemos a promessa de crédito de custeio, acreditamos, elaboramos nossos projetos e os encaminhamos ao Banco; iniciamos o trabalho em nossas lavouras, utilizamos o pouco crédito que ainda nos podem oferecer as cooperativas e o comércio; e o recurso de custeio não veio nos níveis prometidos, de forma que, agora, está estabelecido o fantástico problema: não podemos mais continuar o trabalho na lavoura, as Entidades que nos deram o crédito até aqui, estão nos cobrando porque têm que pagar seus fornecedores e ninguém tem mais condições de pagar a quem deve.  A época do plantio chegou, inexoravelmente, e, da mesma forma, vai passando; sobreveio o desespero, não recebemos o crédito prometido e a situação pode, verdadeiramente, tornar-se incontrolável, por tudo isso. Em Dom Pedrito, particularmente, existem 70 propostas na carteira agrícola do Banco do Brasil, aprovadas e aguardando o recurso que ainda não veio."

E a Associação dos Agricultores de Dom Pedrito conclui seu Documento com os seguintes argumentos: "Considerando que a solicitação total de crédito pelos produtores foi menor neste do que no ano anterior; que produtores com todas as garantias exigidas não estão recebendo o crédito necessário; que com aporte de recursos substancialmente maior, pelo menos até este mesmo período do ano passado, o Rio Grande do Sul produziu 17% menos arroz que no ano anterior; que a indústria, o comércio e as cooperativas não têm mais condições de financiar os seus clientes; que a securitização de dívidas agrícolas visou proporcionar a viabilização do setor como um todo e não unicamente o recebimento dos débitos, pelos bancos; que a falta de crédito à agricultura, neste momento, pode fazer o setor ir, inexoravelmente, à falência; que a falência do setor agrícola leva o interior do Rio Grande do Sul e do Brasil ao caos, é fundamental que o Governo Federal disponibilize os recursos necessários ao financiamento da safra 96/97, através do Banco do Brasil, conforme comprometeu-se ao elaborar e divulgar a Política para o ano agrícola 96/97".

Da Cooperativa Tritícola de Santa Rosa - RS - recebi pedido de empenho junto ao Comitê Especial de Securitização no sentido de obter a securitização de diversos contratos firmados com o Banco do Brasil, Agência daquela cidade, num montante de R$ 336.387,03. Enfatiza, ainda, a falta de recursos de EGF de Trigo Comercial e Trigo Semente, do que poderão decorrer grandes prejuízos e a inviabilização de lavouras de trigo, na próxima safra.

Da Federação das Cooperativas de Trigo e Soja do Rio Grande do Sul recebi o Documento final aprovado nos Seminários da Agricultura e do Cooperativismo denominado "Pela Sobrevivência da Agricultura e das Economias Regionais", realizados nos dias: 29 de outubro, em Tapera-RS e 05 de novembro, em Alegrete-RS.

Alinhados onze considerandos em que expõe as dificuldades de toda a ordem que afetam a agricultura da região, o documento propõe e reivindica o que segue:

* A imediata liberação de recursos para o custeio das lavouras de verão, dentro dos prazos de zoneamento agroclimático;

* A liberação imediata de recursos para o trigo;

* O recálculo das dívidas até aqui securitizadas;

* A criação de uma linha de crédito especial para a renegociação das dívidas das cooperativas e produtores que ficaram fora da securitização;

* A criação de um Fundo Nacional para a Agricultura;

* A ampliação para três anos do prazo de carência para as primeiras parcelas da securitização, bem como o recálculo dos acertos feitos;

* A redução das taxas cobradas por ocasião dos registros dos contratos dos produtores junto ao sistema financeiro nas negociações de dívidas e liberações de custeio;

* A agilização da reforma fiscal e tributária, com a conseqüente redução do Custo Brasil;

* A busca de uma linha de crédito especial, com recursos externos, para o saneamento financeiro das cooperativas;

* A simplificação na legislação de comercialização de agrotóxicos;

* A aprovação do Estatuto da Pequena Empresa, para a geração de emprego e renda;

* A decretação do "Estado de Mobilização pela Sobrevivência da Agricultura e das Economias Regionais", envolvendo a Assembléia Legislativa e o Governo do Estado, e

* A instalação, de uma vez por todas, de uma política de longo prazo para a agricultura, que proteja o produtor nacional e garanta a criação de empregos no campo, estancando o empobrecimento urbano, à semelhança do que é feito em todos os grandes países do mundo."

Por intermédio do Vereador Paulo Renato T. Vargas, Líder do PMDB na Câmara Municipal de São Sepé - RS, recebi cópia do documento da lavra do Sr. César Pires Gonçalves, Presidente do diretório Municipal do PMDB, e aprovado por aquele colegiado, dirigido ao Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Antônio Britto, em que coloca, com rara competência, a desalentadora situação da agricultura nacional, em especial a gaúcha e naquela região. Nesse documento, o autor aponta minha "extraordinária e permanente omissão com respeito à agricultura gaúcha".

Embora possa parecer que o autor tem razão, é fácil constatar que o quadro da agricultura nacional apresentou resultados muito melhores, na safra 93/94, ao tempo em que exerci alguma influência como Líder do curto Governo Itamar Franco no Senado Federal.

Este, Srªs e Srs., o quadro da agricultura nacional visto da perspectiva dos produtores do Rio Grande do Sul. Do ponto de vista das demais regiões do País não há de ser muito diferente ou, então, seremos obrigados a admitir que o meu Estado vem sofrendo algum tipo de discriminação nessa área, no que não creio.

Quem sabe, como parte da "globalização" sejamos obrigados a admitir que a fome tem que constituir castigo inafastável da humanidade e, particularmente, dos habitantes do Terceiro Mundo?

Vejamos os parcos registros que nos trouxe a imprensa dos problemas, conclusões e recomendações da Conferência de Cúpula Mundial sobre Alimentos promovida pelo Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), no período de 13 a 16 de novembro passado, em sua "suntuosa" sede, em Roma.

Nelson Franco Jobim, correspondente do Jornal do Brasil, informa, de Londres: "O mundo atravessa uma crise de produção de alimentos e humanidade corre o risco de enfrentar o 'pesadelo inimaginável' de uma fome universal, se não forem tomadas medidas urgentes, conforme adverte um relatório do Banco Mundial". E os técnicos do mesmo Banco Mundial informam que "a ajuda ao desenvolvimento rural e à produção agrícola caiu, em menos de uma década, de US$ 6 bilhões para US$ 2,6 bilhões anuais". Nisso, como em tudo mais, parece que estamos apenas copiando os exemplos alheios.

Continua o correspondente, falando da conferência: "A declaração final e o plano de ação já estão aprovados. São muito mais modestos que os sonhos de 1974, quando governos do mundo inteiro anunciaram em Roma que 'dentro de uma década nenhuma criança irá dormir com fome, nenhuma família terá medo de não ter pão amanhã e o futuro e a capacidade de nenhum ser humano serão afetados pela desnutrição". Balela! A declaração deste ano admite a existência de 840 milhões de seres humanos que vão dormir com fome, todas as noites. Em 82 países - metade deles na África - a produção agrícola não basta para alimentar os habitantes. E o documento de 1996 registra, com toda a frieza das letras impressas, o pedido (!?) aos países para que "mantenham os esforços tendo em vista uma redução (do problema da fome) à metade nas próximas duas décadas". Ora, convenhamos! É possível admitir que homens responsáveis pelos destinos do mundo se satisfaçam com a idéia de que apenas (?!) a metade dos 800 milhões de famintos de hoje estejam a morrer de fome, no ano 2016? 

O Banco Mundial alerta que será preciso "dobrar a produção de alimentos", nos próximos trinta anos, para atender ao aumento da demanda provocado pelo crescimento populacional e o desenvolvimento. Mas a colheita de grãos, em 1995, ficou 225 milhões de toneladas abaixo da previsão do Banco Mundial. Foi o terceiro ano seguido de consumo superior à produção.

A longo prazo, o Banco Mundial constata, ainda, mais motivos de receios. A disponibilidade de água e terra é cada vez menor. Para produzir um quilo de trigo gastam-se mil litros de água. Para cada quilo de carne, o gado come sete quilos de grãos e os porcos, quatro. 

Uma das mudanças de orientação do Banco Mundial deve ser aumentar o financiamento de pequenos agricultores em países em desenvolvimento. Segundo pesquisas do Banco, pequenos agricultores são mais eficientes que grandes.

Segundo diretor da FAO, o senegalês Jacques Diouf, "Em termos de ciência e tecnologia agrícola já temos o suficiente para eliminar a insegurança alimentar do mundo. O que falta agora é a decisão política de utilizar estes instrumentos de maneira adequada e equitativa".

Tudo o que foi dito anteriormente, Srªs e Srs., está a instigar nosso raciocínio e nos leva a pensar que, afinal, o Brasil tem tudo para ser o celeiro do mundo, no terceiro milênio: terras desaproveitadas ou subaproveitadas em quantidade, as maiores reservas de água doce do mundo, tradição agrícola e todos os microclimas do planeta. Talvez nos falte capital em quantidade suficiente. Mas o que nos tem faltado mesmo é vontade e um pouco de criatividade. Não podemos deixar que se desperdice esta oportunidade de vir a assegurar à humanidade o alimento que escasseia, em outras partes do mundo. Não sem, antes, alimentar bem o nosso povo. E, com os recursos provenientes das exportações, assegurar-lhe educação, saúde, moradia, salários compatíveis e uma vida digna.

Triste é assistir, pela nossa maior rede de televisão, o contraste dos verdes campos de minha terra serem submetidos, apenas, ao valor de troca, enquanto mãos gaúchas calejadas empunham paus e martelos, a amassar latas para obter o dinheiro minguado para comprar a comida que não mais produz. É o lavrador que deixa de produzir a fartura para competir pela escassez. A continuar assim, o mundo há de pouco esperar do seu "celeiro".


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/1996 - Página 19827