Discurso no Senado Federal

PREMENCIA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO PARA A REGIÃO AMAZONICA COM O OBJETIVO DE CONCILIAR O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS E SOCIAIS COM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DA BIODIVERSIDADE.

Autor
Gilberto Miranda (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: Gilberto Miranda Batista
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • PREMENCIA NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTADO PARA A REGIÃO AMAZONICA COM O OBJETIVO DE CONCILIAR O DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES PRODUTIVAS E SOCIAIS COM A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DA BIODIVERSIDADE.
Publicação
Publicação no DSF de 02/07/1998 - Página 11892
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, IMPLEMENTAÇÃO, POLITICA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, IMPEDIMENTO, EXPANSÃO, DESMATAMENTO, FLORESTA, RESULTADO, INCENDIO, COMPROMETIMENTO, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, SIMULTANEIDADE, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ATIVIDADE AGRICOLA, ATIVIDADE SOCIAL, PROTEÇÃO, BIODIVERSIDADE, REGIÃO.

           O SR. GILBERTO MIRANDA (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a preocupação mais sistemática com o meio ambiente e o desenvolvimento sustentado é relativamente recente no País. Produto de um debate que ganhou fôlego mundial nas últimas décadas, a discussão brasileira sobre a preservação ambiental tem sido marcada, freqüentemente, pelo confronto entre uma visão idílica e primitiva da natureza e uma atitude predatória que se manifesta em defesa do progresso a qualquer custo.

           Quando se trata da Amazônia, a questão do ponto de equilíbrio entre a necessidade de desenvolvimento e a preservação do meio ambiente é abalada pela exacerbação das posturas antagônicas, que assumem, às vezes, o sentido de uma verdadeira oposição maniqueísta.

           De um lado, os “profetas do apocalipse”, brandindo estatísticas implacáveis que apontam para um cenário de destruição e para um futuro sombrio. De outro, os “anjos da redenção”, professando uma crença inabalável na inesgotabilidade dos recursos da Amazônia.

           Esses últimos, os crédulos da perenidade da floresta, gostam de argumentar que um dos motivos pelos quais os desmatamentos se concentram no Brasil é o fato de a Amazônia ainda conservar cerca de 80% de sua cobertura original, enquanto, em muitos países, a perda de florestas já aconteceu.

           Esquecem-se, no entanto, que o Brasil tem, ainda, a chance de evitar a repetição de erros cometidos em outras florestas, e que não é necessário sequer buscar exemplos em outros países. O desflorestamento já atingiu mais de 90% da Mata Atlântica, por exemplo. Não há como negar que risco idêntico ameaça a Amazônia.

           O Brasil que os portugueses avistaram pela primeira vez era um litoral coberto por 3 mil e 500 quilômetros de mata exuberante, em uma faixa quase contínua de 1 milhão de quilômetros quadrados. A tripulação de Pedro Álvares Cabral utilizou o machado, ainda na semana do descobrimento, cortando palmito para o cardápio de bordo. A colonização começou com a coleta do pau-brasil. Depois, vieram cinco séculos de queimadas. A cana, o pasto, o café, tudo foi plantado nas cinzas da Mata Atlântica. Dela saiu a lenha para os fornos dos engenhos de açúcar, locomotivas termelétricas e siderúrgicas. Sobrou menos de 8% da paisagem avistada por Cabral há 500 anos.

           Os resultados da devastação da Mata Atlântica constituem um rude golpe na crença de que os recursos florestais do Brasil, por serem imensos, são inexauríveis. Por isso, a morte anunciada da Mata Atlântica funciona como um alerta sobre o que pode acontecer na Amazônia. A terra nua e gretada por voçorocas, do que foi a Mata Atlântica, demonstra, de modo trágico e desesperado, as terríveis conseqüências da destruição de seu imenso vizinho do oeste...

           Outros prognósticos, igualmente severos, apontam para a mesma funesta probabilidade. O último a ocupar, por alguns instantes, a luz efêmera da notoriedade foi o estudo realizado pelo INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, recentemente divulgado. Composto de 229 imagens tiradas pelo satélite Landsat 5, o estudo revela que, entre 1995 e 1996, uma área verde do tamanho de uma Suíça foi varrida do mapa por machados e motosserras. Só em 1995, foram desmatados 29 mil quilômetros quadrados de florestas, área equivalente à da Bélgica.

           Há muito tempo se sabe que o ritmo da devastação na Amazônia vem aumentando. Antes do estudo do INPE, relatórios do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA -, da Comissão de Meio Ambiente do Congresso e de organizações não governamentais apontaram o avanço da atividade agrícola e madeireira na região.

           O relatório apresentado, no final do ano passado, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados que investiga a atuação das madeireiras asiáticas na Amazônia, informa que os desmatamentos e os incêndios destroem, por ano, cerca de 50 mil quilômetros quadrados de floresta - uma área do tamanho do Estado do Espírito Santo. Se mantido esse ritmo, a Floresta Amazônica desaparecerá em 50 anos. De acordo com o relatório, de 150 milhões a 200 milhões de hectares da floresta original já foram destruídos. Ao longo deste século, a Amazônia já perdeu 469 mil 978 quilômetros quadrados de suas florestas tropicais nativas - 12 vezes a área do Estado do Rio de Janeiro.

           Um conjunto de fatores vem concorrendo ao longo do tempo, na configuração desse contexto desfavorável à preservação da floresta e ao desenvolvimento sustentado da região. Ao contrário da Mata Atlântica, que começou a ser devastada com o descobrimento do Brasil, a Floresta Amazônica permaneceu praticamente intacta até a década de 60. As atividades produtivas - basicamente extrativistas - não chegavam a afetar a mata. A região só tinha 6 mil km de estradas, dos quais menos de 300 asfaltados. Esse isolamento relativo resguardou a vegetação nativa.

           A situação começou a ser alterada em 1964, com a abertura da rodovia Belém-Brasília. Com 1.900 km, a BR-010 estimulou a expansão da pecuária nas regiões adjacentes. De 1960 a 1970, a população na zona de influência da estrada passou de 100 mil para 2 milhões de pessoas.

           Em 1970, foi instituído o Programa de Integração Nacional, que forneceu recursos para a abertura de 15 mil km de estradas, incluindo a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém. A descoberta de jazidas minerais na região, conjugada com a distribuição de lotes, impulsionou a ocupação de terras, ao longo das estradas, por pequenos produtores.

           O fracasso da Transamazônica induziu a substituição da colonização baseada na pequena propriedade pelos megaprojetos. O mais conhecido deles é o Grande Programa Carajás, que cobre uma superfície de 895 mil km². Além de conceder grandes incentivos fiscais para projetos dessa natureza, os créditos governamentais estimularam a destruição da floresta para atividades agropecuárias.

           Com a expansão da ocupação da Amazônia, houve uma perda de controle sobre a exploração dos recursos naturais daquela região e da entrada do capital estrangeiro, principalmente vindo dos países asiáticos, num processo que, embora tenha começado já na década de 60, vem ganhando força nos últimos anos.

           Da mesma forma que a abertura das estradas favoreceu a ocupação desordenada e predatória, também o maior conhecimento da floresta vem propiciando a identificação de novos problemas e a constatação do agravamento de práticas arcaicas e procedimentos ilícitos. Pesquisas revelaram, por exemplo, que o índice de desperdício no processamento da madeira fica entre 60% e 70%. A preocupação com a reposição dos recursos naturais praticamente inexiste, e o acesso à biodiversidade e ao material genético é desregrado, favorecendo o contrabando de extratos vegetais.

           As irregularidades que cercam a ação das madeireiras vão desde a falta de plano de manejo até a exploração ilegal de madeira em áreas indígenas. É preciso levar em conta, ainda, que as madeireiras contribuem para o agravamento dos números do desmatamento e que retiram da mata apenas madeira nobre, como o mogno. A cada ano, devastam uma área de 11 mil km².

           Os incêndios acidentais destroem, por ano, 22 mil km². O fogo se propaga para a floresta ainda preservada a partir de queimadas feitas para o plantio em áreas já desmatadas. Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAN - mostram que de 6 a 10% da área de floresta que se estende ao longo de regiões já desmatadas estão sujeitos ao fogo acidental. Em 20 anos, cerca de 440 mil km² de floresta poderão ser destruídos. As queimadas estão aumentando, e em 1997 houve um crescimento de 33,4% no número de focos de calor.

           Um novo problema vem sendo identificado por estudos recentes: os efeitos da reforma agrária. Nos últimos 30 anos, o Governo utilizou 255 mil km² na região para assentar famílias, o que representa 88% do total utilizado em todo o País para fazer a reforma agrária. Ocupar terras na Amazônia tem baixo custo financeiro e alto custo ambiental. Por estranho que pareça, uma das exigências do Instituto de Reforma Agrária - INCRA, para comprovar a ocupação produtiva da terra, é o desmatamento.

           Também entre as novas constatações chama a atenção, ainda, o avanço da soja em direção à Amazônia. Depois de ocupar quase todo o Cerrado, em 1997 o produto foi plantado no Pará, no Amazonas e em Roraima, contribuindo para o agravamento dos problemas ambientais da região com os malefícios já identificados na monocultura extensiva.

           Um estudo coordenado pela Secretaria de Assuntos Estratégicos - SAE -, concluído em abril do ano passado, identifica, entre os principais problemas da extração e comercialização da madeira na Amazônia, o aumento da compra de terras por empresas transnacionais, a enorme discrepância entre a entrada de capital declarada por essas empresas e o volume de negócios efetivamente realizados, e a não observância, por parte dessas firmas, da legislação brasileira referente ao manejo florestal.

           Como se pôde constatar, Srªs e Srs. Senadores, a gravidade dos problemas que afligem a região amazônica atinge dimensões de ameaça à segurança nacional e de comprometimento do papel que o País almeja desempenhar na conjuntura econômica internacional.

           Os desmandos e excessos oriundos da ocupação desordenada da Amazônia só poderão ser detidos mediante a implementação de políticas de desenvolvimento sustentado na região. A experiência tem demonstrado que apenas o combate à exploração ilegal - com maior rigor na fiscalização e no exercício do poder de polícia - não é suficiente para contornar as peculiaridades geográficas e sociais da região.

           Uma alternativa para o atual quadro de depredação ecológica e manutenção da pobreza é a criação de um programa social na região, que regule a exploração da madeira mediante um regime de disciplina de uso e acesso às terras públicas. A organização dos extratores em cooperativas ou outra associação comunitária viabilizaria a exploração sustentável da madeira, bem como o seu comércio e industrialização.

           Alguma coisa precisa ser feita no sentido de modificar o modelo extrativista da região, em que os lucros, em geral, não ficam na área, e que se tem relevado predatório e oportunista em relação às riquezas da floresta.

           Caso isso não ocorra, e sejam mantidas as condições atualmente verificáveis, o sacrifício da Mata Atlântica, ao qual nos referimos no início deste pronunciamento, assumirá um sentido duplamente trágico. Além da extinção, estúpida, em si mesma, de um dos sistemas de maior biodiversidade do planeta, tal ocorrência agravar-se-á por não ter servido sequer de exemplo capaz de prevenir a reincidência do erro em relação a outros ecossistemas.

           O Brasil tem, hoje, apenas cerca de 7% da Mata Atlântica original, que cobria o território nacional. E a devastação da vegetação continua intensa. Entre os anos de 1990 a 1995, a redução da mata nativa foi de 20,45%.

           A região remanescente compreende uma área equivalente a 56 cidades de São Paulo (com 1.493 km²). Originalmente, a Mata Atlântica tinha área equivalente à de 803 cidades de São Paulo. É uma perda irremediável que deve ser contada em angelins, jequitibás, oitis, copaíbas, ipês, baraúnas, jueranas, louros, canelas e maçarandubas...

           Permitir destino análogo para a Floresta Amazônica significaria atestar nossa cegueira e insensibilidade para com os exemplos da História, bem como nossa incapacidade para conduzir o País ao papel de destaque que suas reservas florestais lhe possibilitam.

           Ainda há tempo, Srªs e Srs. Senadores. Mas é, agora, o momento inadiável para a adoção de medidas em relação à Floresta Amazônica, com o objetivo de conciliar o desenvolvimento das atividades produtivas e sociais com a proteção do meio ambiente e da biodiversidade.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/07/1998 - Página 11892