Discurso no Senado Federal

INTRANSIGENCIA DO GOVERNO AS REIVINDICAÇÕES DOS PROFESSORES DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS EM GREVE.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • INTRANSIGENCIA DO GOVERNO AS REIVINDICAÇÕES DOS PROFESSORES DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS EM GREVE.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/1998 - Página 11524
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • GRAVIDADE, GREVE, UNIVERSIDADE FEDERAL, CRITICA, POLITICA, GOVERNO, REDUÇÃO, VERBA, PREJUIZO, ENSINO SUPERIOR, PESQUISA.
  • CRITICA, POSIÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), NEGOCIAÇÃO, PROFESSOR, SERVIDOR, DENUNCIA, DESVALORIZAÇÃO, UNIVERSIDADE, LOBBY, PRIVATIZAÇÃO.
  • SOLICITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ALTERNATIVA, BENEFICIO, UNIVERSIDADE FEDERAL.

       A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para abordar um assunto que já foi tema de pronunciamento que fiz em 17 de abril, advertindo, inclusive, para a gravidade da situação.

       Trata-se da greve das universidades públicas que completa hoje 92 dias de paralisação. Nesse período, como integrante da Frente Parlamentar em Defesa da Universidade Pública e fiel ao meu compromisso com a educação e com o ensino público em particular, tenho acompanhado a mobilização e dela participado em busca de uma solução para o impasse criado entre o movimento dos professores e funcionários das universidades e o Governo Federal.

       Ao longo desses três meses, ficou cada vez mais claro que a universidade pública brasileira está sofrendo um processo de desmonte, de sucateamento que passa pelo corte de verbas, pelo arrocho salarial e, acima de tudo, pelo desrespeito aos professores e funcionários, fato que se vem agravando a partir deste Governo e principalmente nesses últimos dias. Esse processo ocorre por meio de medidas como a diminuição de verbas para as instituições federais de ensino superior, que resulta em deterioração das condições de trabalho, corte do número de bolsas para pesquisa e pós-graduação, degradação dos hospitais universitários, inexistência de uma política de reposição salarial e aviltamento no trato com esses profissionais.

       Nesse sentido é inaceitável a insensibilidade, a resistência e, eu diria até, a intransigência do Governo Federal, em especial por parte do Ministério da Educação, em admitir verdadeiramente as dificuldades da manutenção das universidades públicas e chegar a um acordo satisfatório com professores e funcionários, com o resgate da dignidade daqueles profissionais. O Governo, em especial o Ministério da Educação, manteve-se em silêncio durante muitos dias, desde o início do processo de mobilização das universidades, agindo sempre no sentido de excluir parcelas da comunidade universitária, de promover a discriminação de direitos, apostando no impasse das negociações.

       A vinculação direta das gratificações com a avaliação de produtividade - as horas aulas -, como sempre foi o objetivo do próprio Ministério também demonstra claramente a tentativa do Executivo de confundir a opinião pública e fugir de suas responsabilidades diante da crise das instituições federais de ensino superior.

       A proposta apresentada, além de excludente, injusta em relação aos docentes de primeiro e segundo graus das IFES e a exclusão e a discriminação aos aposentados ataca a autonomia universitária e desrespeita a comunidade universitária, pois tenta impor a melhoria ilusória da qualidade da docência.

       Ainda, no caso dos funcionários das universidades públicas, a atitude do Governo Federal é de completo descaso. Até mesmo nós, que estávamos como intermediários, para buscar uma solução com a maior brevidade possível, ficamos sem entender o que aconteceu. O Governo chegou a admitir reunir-se e apresentar, por escrito, uma proposta aos funcionários, mas, de repente, sem qualquer explicação aceitável, sem qualquer explicação mais respeitosa para com aqueles trabalhadores, o Governo enviou um projeto atendendo os docentes e excluindo totalmente os funcionários das universidade públicas. No mínimo, isso é uma demonstração clara de que o diálogo com os professores e os funcionários, que sempre consideraram prioritário esse ponto de pauta, foi rompido pelo Governo. Ele se recusa a dar, formalmente, uma resposta às reivindicações dos funcionários, depois, como já disse, de ter acenado com a possibilidade de uma proposta e de tê-la retirado sem a menor explicação.

       Por outro lado, o reajuste que reivindicam os professores e funcionários tem caráter emergencial e visa a compensar o aviltamento imposto aos salários, congelados há mais de três anos pelo atual Governo. Houve profunda queda da qualidade das condições de vida dos profissionais do setor. Disso resulta o afastamento de inúmeros professores. Alguns foram para a iniciativa privada e outros se aposentaram, em virtude do desencanto e da falta de perspectivas de valorização, além do desrespeito à dignidade do profissional, que todos devem priorizar.

       Educação é um processo complexo e abrangente que, no caso das universidades, se faz com respeito ao princípio constitucional da indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, com participação de alunos, professores, reitores e funcionários em todo o processo.

       Srªs. e Srs. Senadores, é preciso que se destaque que, mesmo diante de uma realidade salarial tremendamente injusta, os professores e funcionários são os maiores responsáveis pelos avanços conquistados pelas universidades públicas brasileiras, em oferta de vagas, em formação profissional qualificada e em pesquisa.

       O desempenho das instituições federais de ensino superior é exemplar, de acordo com a comparação feita entre os anos 90 e 96, a qual aponta um acréscimo de 42,2% de novos alunos na graduação; 40,2% de diplomados na graduação; 49,6% de alunos de pós-graduação e 206,2% de defesa de teses de pós-graduação.

       Outra demonstração da qualificação do corpo docente das universidades públicas deste país é o nível de desempenho registrado pelo último Provão, que apontou 56% dos cursos oferecidos pelas universidades públicas com notas A e B - as notas máximas - e 28% com notas C, enquanto 75% dos professores alcançaram notas A e B.

       As 52 instituições que integram o sistema federal público de ensino superior abrangem praticamente todo o território nacional e respondem por mais de 50% das pesquisas realizadas no país, por 45 hospitais universitários e pelo atendimento de mais de 400 mil pacientes por mês, o que dimensiona a sua importância, além das salas de aula.

       Apesar disso, os professores e funcionários são os primeiros a concordar com a necessidade de acompanhamento constante do trabalho e do desempenho, mas não da forma que está sendo apresentada pelo Governo, no bojo de um debate salarial, alterando completamente o seu caráter qualitativo.

       A proposta de avaliação do Executivo está equivocada ao pretender implantar um processo de valorização das horas aulas em detrimento da pesquisa e da extensão e ao romper com o princípio do padrão de qualidade, atribuindo a cada instituição a definição de critérios e procedimentos para a avaliação.

       Nós temos aqui documentos que esclarecem nitidamente que o número de horas aulas semanais ministradas pelo professor é determinado pelo seu departamento, conforme o planejamento das atividades departamentais, e não segundo determinação pessoal do docente. Em muitos casos, é atribuída a um docente número reduzido de horas aulas semanais em sala de aula exatamente por sua capacidade de dedicação, pois o mesmo está sobrecarregado com orientação de teses, coordenação de grupos de pesquisas, atividades de extensão, de administração etc.

       Portanto, o que estamos vendo neste momento é que este debate, que veio à tona por meio da greve, deve considerar, antes de mais nada, a necessidade urgente de formular para o país uma política estável de financiamento do ensino superior, que atenda as demandas da graduação, fortaleça os institutos de pesquisa e valorize os profissionais, - sejam professores ou funcionários e inclusive reitores.

       Sem isso, sabemos que o encaminhamento dado pelo Governo não passa de uma tentativa oportunista de tentar desqualificar, ofender e humilhar os professores e funcionários, como se ganhassem pouco porque não produzem, não têm qualificação ou não fazem por merecer os salários miseráveis que ganham.

       Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, antes de tentar reduzir o debate a um nível tão mesquinho, o Governo deveria, isto sim, reconhecer perante a sociedade brasileira que não tem compromisso com a universidade pública federal e que, na verdade, está interessado apenas em privatizá-la, como vem fazendo com outros setores estratégicos: sucateia, desvaloriza, desrespeita, joga contra eles a opinião pública e depois privatiza.

       Além da intransigência, das dificuldades impostas à negociação e do descaso para com os grevistas, está clara a intenção de tentar destruir a organização, a consciência crítica e a capacidade de resistência da comunidade universitária brasileira, historicamente comprometida com a defesa do ensino público.

       Ao fechar-se para o diálogo com um dos principais núcleos pensantes da sociedade brasileira, senão o principal, o Governo Fernando Henrique Cardoso age como as piores ditaduras: trata professores, cientistas e doutores como se fossem inimigos do país, que devem ser eliminados, ou pelo menos afastados do caminho.

       Inaceitável é que tal política esteja sendo desenvolvida exatamente por quem mais deveria ter compromisso com a defesa da universidade pública, com a sua valorização, com o seu desenvolvimento integrado, com um projeto de desenvolvimento para o País e, especialmente, com o respeito aos próprios colegas, porque temos, governando este País, um professor universitário.

       Os jornais informam, hoje, inclusive: “Fernando Henrique Ataca Professor Grevista”, dizendo que o Presidente considera a greve política. Pois queremos dizer que concordamos que a greve seja um ato político, sim; mas é um ato político em defesa da educação nacional, do ensino público, dos salários dos funcionários públicos.

       Foi este ato, foi esta manifestação, este grito de alerta das universidades, que fez com que a própria sociedade brasileira acordasse para a gravidade que vive o ensino ainda neste País.

       Esta greve é um ato político, sim, porque toda posição, toda decisão, toda postura ideológica que um ser humano adota, seja ele homem ou mulher, é um ato político a favor ou contra uma determinada situação. E, se o ato político dos grevistas universitários é um ato a favor da educação, diria que a ação política, que também é posição do Governo Federal, neste episódio em particular e em toda a sua administração, é também um fato político marcado pela intransigência, pelo descaso, pelo desrespeito e, acima de tudo, pelo descumprimento da sua promessa de valorizar a educação brasileira.

       É lamentável que o Presidente do Brasil, considerando a nossa história recente, ainda lance mão deste tipo de argumento, com o objetivo de confundir a sociedade. Contudo, a sociedade brasileira não se confunde, sabe que se trata de um ato político, sim, que tem como bandeira maior não apenas a questão salarial, mas - e muito mais do que isso - a defesa da educação e do ensino públicos.

       Srªs. e Srs. Senadores, este movimento pode encerrar-se nesta semana, a partir da votação e aprovação do projeto que tramita na Câmara dos Deputados, dependendo ainda de ser analisado pelo Senado. Certamente, o projeto, como está, não é o melhor, não é bom e não deve ser colocado assim para votação; ele deve ser melhorado e aperfeiçoado. A greve, resultado altamente positivo, evidenciou para toda a sociedade a necessidade de se instaurar um debate amplo, sério e profundo sobre os destinos da universidade e do ensino público superior no Brasil.

       As universidades públicas brasileiras, ao longo de décadas, deram fundamental contribuição para transformar o Brasil na oitava economia do mundo, aportando à sociedade conhecimentos, profissionais competentes e tecnologias nas mais variadas áreas da produção. Portanto, não podem ser tratadas como patrimônios a serem leiloados no mercado, como já se fez com outras empresas importantes para o desenvolvimento nacional, sob pena de abdicarmos até mesmo da nossa capacidade de produzir conhecimento.

       A educação não é mercadoria, é instrumento de qualificação profissional, de conquista de produtividade econômica, de desenvolvimento científico e, acima de tudo, de produção e promoção da soberania, da cidadania e do ser humano integral.

       É nesse sentido que concluo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, reafirmando meu apoio ao ensino público, às instituições federais de ensino superior, aos professores e aos funcionários, com a certeza de que a verdade, o patriotismo e o compromisso com a educação vencerão esta e todas as batalhas que se fizerem necessárias para construir um Brasil com ensino de qualidade para todos e em todos os níveis.

       Assim, apelo para a sensibilidade do Congresso Nacional, da Câmara, do Senado, do Governo, para que se encontre urgentemente uma alternativa viável, respeitosa e, acima de tudo, digna para os professores e funcionários das nossas universidades públicas federais.

       Omissão, indiferença e pressão não rimam com educação.

       Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/1998 - Página 11524