Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM AS MEDIDAS DO GOVERNO FEDERAL NA AREA DE EDUCAÇÃO NO PAIS.

Autor
Ademir Andrade (PSB - Partido Socialista Brasileiro/PA)
Nome completo: Ademir Galvão Andrade
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • PREOCUPAÇÃO DE S.EXA. COM AS MEDIDAS DO GOVERNO FEDERAL NA AREA DE EDUCAÇÃO NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/1998 - Página 11527
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA, EDUCAÇÃO, GOVERNO, DESVALORIZAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, FALTA, ESTABILIDADE, ALTERAÇÃO, ENSINO MEDIO, CURSO TECNICO.
  • CRITICA, POLITICA, ENSINO FUNDAMENTAL, ANALISE, PROBLEMA, IMPLEMENTAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, INSUFICIENCIA, RECURSOS, DESCENTRALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO, MUNICIPIOS.

       O SR. ADEMIR ANDRADE (PSB-PA. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, todos os que têm verdadeiro compromisso com a transformação social em nosso País, esforçando-se por vê-lo prosperar com justiça e aperfeiçoar suas instituições democráticas, acreditam ser a educação instrumento fundamental e insubstituível para essa conquista. Oferecer uma educação de qualidade a todos os brasileiros, sem qualquer forma de exclusão, deve ser a primeira das obrigações do Poder Público. Somente assim será possível construir uma sociedade livre e pujante, capaz de ser sujeito e objeto de sua própria História.

       Exatamente por assim pensar, confesso minhas preocupações com os passos que estão sendo dados pelo Governo Federal na área da educação. Pretendo chamar a atenção para equívocos que, se não corrigidos, acabarão por ampliar o muro que, no Brasil, separa os que sabem dos que não sabem, os que têm oportunidades de ascensão daqueles eternamente excluídos.

       No âmbito do ensino superior, por exemplo, a flagrante deterioração das universidades federais, agravada pelos baixíssimos salários pagos aos que nela atuam profissionalmente, levou a uma greve que já perdura há meses e que, entre outras constatações, evidenciou a total ausência de uma política governamental para o setor.

       No ensino médio, anuncia-se uma radical transformação sem que se saiba ao certo a forma como isso se dará. Ao mesmo tempo, propõe-se uma nova concepção de ensino tecnológico que se distancia do vitorioso modelo das escolas técnicas e dos centros federais de educação tecnológica.

       No entanto, quero me deter, hoje, no crucial problema do ensino fundamental. Como é do conhecimento de todos, desde o início do Governo Fernando Henrique Cardoso o Ministério da Educação tem enfatizado a prioridade máxima conferida a esse nível de escolaridade obrigatória. Utilizando-se de monumental máquina publicitária, o MEC esforça-se por mostrar ao País o que tem feito para colocar “todas as crianças na escola”, buscando oferecer-lhes um ensino de qualidade.

       Um dos maiores - senão o maior - emblemas dessa prioridade, na ótica do Governo Federal, é o processo em curso de municipalização do ensino fundamental. Instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, surgia o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o FUNDEF, entendido como o caminho necessário e possível para modificar amplamente a face desse nível de ensino. Dois instrumentos legais - a Lei nº 9.424/96 e o Decreto nº 2.264/97 - vieram regulamentar o Fundo.

       À exceção do meu Estado, o Pará, que começou a aplicá-lo ainda em 1997, somente em janeiro deste ano o FUNDEF passou a ter existência concreta. Em que consiste esse Fundo? De que forma ele se vincula diretamente à municipalização do ensino fundamental? Que críticas lhe podem ser dirigidas?

       Em princípio, Sr. Presidente, não é difícil responder a essas indagações. O FUNDEF é constituído por, pelo menos, 15% dos recursos a que Estados e Municípios são obrigados, por mandamento constitucional, a investirem na manutenção e no desenvolvimento do ensino. Como sabemos, 25% dos impostos e transferências arrecadados pelos Estados e Municípios estão vinculados à educação. A distribuição dos recursos do Fundo será feita proporcionalmente ao número de alunos matriculados nas redes estaduais e municipais.

       A Lei estabelece, ainda, que não menos de 60% do Fundo serão destinados ao pagamento dos professores. Estipulou-se um valor mínimo anual por aluno - R$ 300,00 -, comprometendo-se a União a suplementar as unidades da Federação em que os respectivos Fundos forem inferiores ao mínimo fixado.

       Se a municipalização não é, em si mesma, um mal, onde estão os problemas que começam a surgir com a implantação do FUNDEF? Será que o Governo que criou o Fundo se preocupou em estabelecer eficientes mecanismos de acompanhamento? O valor mínimo anual por aluno corresponde às reais necessidades de uma educação de qualidade? São questões, entre muitas outras, que merecem nossa reflexão e, principalmente, respostas concretas por parte das autoridades.

       Não tenho dúvidas, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, que o FUNDEF padece de falhas graves as quais, não sendo sanadas, fatalmente comprometerão seus melhores objetivos. Pela experiência em andamento, e a partir mesmo da proposta feita pelo Governo Federal, penso que o Fundo precisa ser alterado, de modo a corresponder ao que dele se espera. Alguns pontos profundamente críticos podem, desde já, ser contabilizados ao Fundo.

       Em primeiro lugar, o absurdo conceito de educação básica com o qual trabalha, dela subtraindo as crianças com menos de 7 anos e aqueles que não tiveram chance de fazer o ensino fundamental na época regular. Assim, de propósito, retira dos cálculos de custo - e, conseqüentemente, do financiamento - a educação infantil e a educação de jovens e adultos.

       Vale, então, indagar: como ficam aqueles municípios, a exemplo de Belém ou de Diadema, com elevado número de alunos matriculados em cursos de suplência? Fecham o acesso à educação àqueles que não puderam ter escolaridade regular, na idade certa? Ou, então, como financiarão esses cursos? E, ainda: como ficarão os municípios que têm creches, atendendo as crianças, normalmente carentes, na faixa dos 4 aos 6 anos, se o Fundo não contempla a educação infantil?

       Outro problema sério: como o MEC tem insistido no entendimento de que aluno matriculado da 1ª a 8ª série é somente aquele que aparece nas estatísticas com essa nomenclatura, como fazer com as “classes de alfabetização”, com as turmas voltadas para a aceleração da aprendizagem? A esse respeito, sabe-se que, no ano passado, o Estado do Pará teve cerca de 130.000 alunos discriminados pelo fato de não serem contabilizados como regularmente matriculados em uma das 8 séries do ensino fundamental. Isso possibilitou uma “economia” para a União de quase 6 milhões de reais, nos seis meses de “subsídios” ao Fundo daquele Estado”.

       Há outros aspectos extremamente problemáticos no FUNDEF, exigindo solução rápida e eficaz. Refiro-me, por exemplo, ao critério escolhido para a distribuição de recursos, baseando-se no número de matrículas do ano anterior. No mínimo, tal decisão poderá premiar quem diminuir as vagas oferecidas e, o que é tão ou mais grave, penalizar quem ampliar o número de alunos em sua rede escolar.

       Ao finalizar, destaco o que me parece de maior gravidade: o valor mínimo anual por aluno, que o Governo Federal fixou em R$ 300,00. O Professor João Monlevade, membro do Conselho Nacional de Educação e um dos maiores especialistas brasileiros em financiamento da educação, lembra que esse valor “tinha sido uma proposta com base nos estudos de arrecadação de 1995 e matrículas de 1994. Àquele tempo, ele correspondia a mais ou menos 90% do “custo médio” do Fundo. Se o mesmo critério fosse usado para a fixação do novo valor em 1997, chegaríamos a R$ 405,28. Daí extrairíamos os 90% que o MEC usou como parâmetro para os R$ 300,00 de 1995: R$ 364,75. Esse deveria ser o valor mínimo atualizado para 1997! Trocando em miúdos: o Governo Federal “deletou” R$ 64,75 de milhões de alunos que mereceriam complementação”.

       Em suma, as distorções existem e precisam ser sanadas. Muitos Municípios, seriamente preocupados em oferecer uma educação de qualidade às suas crianças, vêem-se na contingência de receber bem menos do que o devido, situação ainda mais inaceitável se levarmos em conta os efeitos nocivos da Lei Kandir sobre as combalidas finanças estaduais e municipais.

       Apesar da enorme publicidade, a verdade é que a União vai se desobrigando cada vez mais do ensino fundamental. É bom que saibamos todos: o FUNDEF não representa um centavo a mais - repito, nem um centavo a mais - de recursos federais para o ensino fundamental. Pior: tornou possível a utilização de uma porcentagem dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, para o pagamento de salário dos professores, quando sua função é a de garantir o desenvolvimento do ensino fundamental, ou seja, construções, reformas, equipamentos e treinamento dos docentes.

       Espero que as considerações que acabo de fazer possam servir para a necessária reflexão em torno da educação básica em nosso País. Que os responsáveis pelo setor tenham a maturidade que deles se espera para reconhecer os erros e, democraticamente, ouvindo os que têm contribuição a dar, encontrar as alternativas adequadas. Que o processo de municipalização do ensino fundamental se faça sem atropelos, com respaldo técnico e a garantia de recursos suficientes para sua implementação.

       Muito obrigado. 


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/1998 - Página 11527