Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO DO DEPUTADO JOSE ARISTODOMO PINOTTI, INTITULADO: 'UMA FORMA FACIL DE CURAR AIDS', PUBLICADO NO ULTIMO DIA 30 DE JULHO NO JORNAL GAZETA, DO ESTADO DO ACRE.

Autor
Nabor Júnior (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AC)
Nome completo: Nabor Teles da Rocha Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO DO DEPUTADO JOSE ARISTODOMO PINOTTI, INTITULADO: 'UMA FORMA FACIL DE CURAR AIDS', PUBLICADO NO ULTIMO DIA 30 DE JULHO NO JORNAL GAZETA, DO ESTADO DO ACRE.
Aparteantes
Bernardo Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1998 - Página 12376
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JOSE ARISTODEMO PINOTTI, MEDICO, DEPUTADO FEDERAL, PUBLICAÇÃO, JORNAL, GAZETA, ESTADO DO ACRE (AC), ACUSAÇÃO, GOVERNO, UTILIZAÇÃO, PROPAGANDA, REFERENCIA, REDUÇÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), BRASIL, QUESTIONAMENTO, VALIDADE, INFORMAÇÃO, DIVULGAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, SUIÇA, CONTENÇÃO, CRESCIMENTO, DOENÇA, PAIS.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB/AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os problemas da saúde no Brasil exigem esforços redobrados, com destaque para as práticas preventivas, o combate às epidemias que nos trazem preocupações cada vez mais presentes e alarmantes. Esse alerta se aplica tanto aos surtos que sempre fizeram parte do dia-a-dia dos brasileiros, quanto às pragas surgidas nas últimas décadas e que permanecem fora de qualquer efetivo controle médico ou científico. Devemos nos posicionar atentos para o maior perigo: a tendência nacional de minimizar ou, até mesmo, de esconder números verdadeiros, no intuito perverso de subvalorizar a real força das doenças.

Uma importante advertência está sendo formalizada pelo Deputado José Aristodemo Pinotti, com sua autoridade de ex-Secretário de Saúde do Estado de São Paulo e ex-Reitor da Unicamp, entre outras importantes missões desempenhadas nos meios científicos e médicos de nosso País. Em artigo publicado na quinta-feira, dia 30 de julho, nos principais veículos de imprensa brasileira, inclusive na Gazeta do Acre, o Dr. Pinotti chama a atenção da nacionalidade para a tragédia da disseminação do vírus da AIDS na população feminina, que se vem alargando na mesma proporção em que são sufocadas as informações genéricas relativas à doença. Essa insensatez fica ainda mais gritante quando tomamos conhecimento do fato de que exames feitos em mulheres assintomáticas acusaram a presença do vírus HIV em 1,2% delas, ou seja, 12 em cada mil mulheres sem sintomas de AIDS são portadoras do vírus que aterroriza este final de século.

O que significa isso? Significa que essas mulheres, muitas delas monogâmicas e acima de suspeitas quanto à conduta pessoal ou social, estão infectadas, não sabem disso e nem suspeitam onde, como, quando ou por quem foram vitimadas no contágio. Quer dizer, quase sempre o vírus é transmitido por um parceiro constante, que o adquiriu, por seu turno, em relações inconfessas ou na prática também secreta de vícios capazes de levá-los à contaminação do próprio organismo.

O problema é grave, e a pior atitude está na tendência de escondê-lo ou desprezá-lo em termos estatísticos e referenciais.

O artigo publicado pelo Deputado José Aristodemo Pinotti acusa o próprio Governo de estar praticando esse ilusionismo propagandístico nos relatórios sobre as incidências de AIDS, distorções que, segundo o consagrado sanitarista, são levadas até mesmo a foros internacionais dos quais o Brasil tem participado, como a 12ª Conferência Mundial de AIDS, realizada recentemente na cidade suíça de Genebra. Os dados relatados pelo Brasil admitem a existência de 300 mil casos comprovados de doentes no País, o que seria menos da metade do número real! Ora, mesmo o percentual mais conservador das previsões oficiais indica que 1% da população adulta estaria infectada, o que daria algo em torno de 700 mil homens e mulheres.

Não são números gratuitos. Eles partem das pesquisas feitas em maternidades e bancos de sangue; vão muito além de estimativas aleatórias ou da contagem burocrática do atendimento ambulatorial e dos internos nas clínicas especializadas. Permitam-me V. Exªs explicitar, por ser importante, a base técnica desse cálculo, sério e confiável, exposto pelo Professor Pinotti no artigo em que contesta os informes levados pelo Brasil ao foro internacional sobre a AIDS. Diz ele: “se a nossa população adulta, situada entre 16 e os 49 anos de idade, contém aproximadamente 70 milhões de pessoas, podemos calcular que, mesmo no percentual mais conservador, de 1%, o número de soropositivos seria em torno de 700 mil, nunca 300 mil, como ‘deseja’ o documento”.

O dado mais alarmante que encontramos no documento assinado pelo Deputado paulista, entretanto, é aquele que comprova a explosão dos índices relativos às mulheres brasileiras. Diz ele: “quando assumimos a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, em 1987, tínhamos um caso de Aids em mulher para cada cinqüenta homens com a doença. Hoje, há um caso em mulher para cada dois homens. Em nenhum outro estamento a incidência da Aids aumentou tanto quanto no das mulheres (um crescimento 25 vezes maior que o ocorrido com os homens)”.

Mas nem mesmo com essa alarmante expansão conseguimos ver criado o clima de responsabilidade que poderia contê-la, porque os esforços para encobrir a realidade são mais eficazes.

O Professor José Aristodemo Pinotti baseia sua denúncia na propaganda oficial que apregoa uma redução nas mortes pela doença no biênio 95/96 - mas que, ao mesmo tempo, esconde o fato mais grave: “no mesmo período, as mulheres, particularmente as mais pobres, tiveram um aumento de 50,3% nas mortes. E a incidência global de infectados aumentou”

É impressionante, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores!

A Aids, nos primeiros registros, recebeu a conotação de doença restrita a segmentos estigmatizados, como homossexuais, drogados e profissionais do sexo. Pode até ter merecido tal enfoque, naquela fase inicial. Mas, hoje, 20 anos depois, os fatos apontam para uma realidade diferente - um desafio para toda a humanidade, como frisa o articulista. “Um dos mais significativos desafios do HIV/Aids durante a segunda década da epidemia é a necessidade de reduzir a vulnerabilidade das mulheres ao vírus; embora a doença tenha sido considerada, no passado, uma doença de grupos de ‘alto risco’ é agora reconhecida como uma grave ameaça às mulheres sexualmente ativas, inclusive aquelas que são monogâmicas”. E explica a razão médica dessa vulnerabilidade particular: “a biologia tem um papel importante na elevada suscetibilidade das mulheres ao HIV. De fato, a transmissão sexual do vírus é pelo menos quatro vezes mais eficaz dos homens para as mulheres do que de mulheres para homens”.

Existe, segundo o Professor Pinotti, muito a ser feito.

Para começar, o Governo precisa parar de produzir cálculos e relatórios enganosos, na vã tentativa de “diminuir” a extensão do problema, o que se configura uma prática ilusionista, denunciada logo no título de artigo, uma forma ”fácil” de curar o mal que aterroriza as gerações contemporâneas. Um passo indispensável, nesse rumo, seria reduzir às suas reais proporções o efeito do chamado “coquetel de drogas” ministrado às pessoas infectadas pelo HIV, tratamento a cuja eficácia vêm sendo atribuídos todos os êxitos obtidos na luta contra a doença. No fundo, vemos a propaganda das autoridades e da indústria farmacêutica internacional, que ali obtém um fabuloso faturamento em todo o mundo, na casa dos bilhões de dólares, uma distorção que acaba prejudicando o verdadeiro enfoque da luta: a prevenção, que ainda é a única forma de combater-se a expansão de qualquer epidemia.

Essa prevenção deve ser feita dentro de um contexto mais amplo, o da saúde da mulher, do atendimento às suas peculiaridades biológicas e hormonais, que potencializam os riscos de contágio quando portadoras de males tidos como rotineiros e de fácil combate ambulatorial, tais como infecções genitais, corrimentos ou feridas no colo uterino. Essas têm de 5 a 10 vezes mais probabilidades de contrair o HIV - um risco que já era praticamente incontrolável e que se agravou, com a desativação do PAISM - Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que se voltava para as usuárias do Sistema Único de Saúde, mulheres hoje desprovidas de assistência ginecológica sistemática e, portanto, mais expostas e mais suscetíveis à contaminação pela Aids. A conseqüência dessa atitude insensata está na elevação do número de casos positivos e, portanto, dos índices de mortalidade, principalmente nas classes menos abastadas da população feminina do Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é minha preocupação constante o registro dos grandes problemas que afligem a sociedade brasileira nesta virada de milênio. Busco valer-me de todas as forças e de todos os recursos disponíveis no âmbito político e parlamentar, para denunciar, alertar, cobrar dos governantes e responsáveis pela mídia maior atenção ao grandes dramas nacionais. E, preocupado com o julgamento das futuras gerações, proponho, sempre, inserir nos anais do Congresso Nacional as legítimas manifestações da mais acesa responsabilidade que nos são propiciadas - como este artigo que abordo, cuja transcrição integral venho pedir à Mesa, em anexo ao discurso que ora finalizo.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Concedo o aparte ao Senador Bernardo Cabral, com muito prazer.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Nabor Júnior, V. Exª ecoa uma denúncia gravíssima, porque formulada por um médico conceituado como o Dr. José Aristodemo Pinotti, e sobretudo porque ele é integrante do Congresso Nacional, como Deputado Federal por São Paulo. Devo dizer-lhe que conheço o Dr. José Aristodemo Pinotti há muitos anos e, como médico, jamais vi um trabalho em que ele tropeçasse na razão para confundir a verdade. Ao ecoar essa denúncia, V. Exª, com a sua responsabilidade de ex-Governador de Estado, Senador da República, chama a atenção para um lado que considero terrível: a empulhação, o engodo que se faz dos remédios, por meio de multinacionais, tentando enganar a opinião pública. Faz bem V. Exª em trazer este assunto, que não é agradável e, por ser técnico, talvez não alcance a repercussão que merecia - uma ressonância na Imprensa, mas nem por isso deixa de mostrar o verdadeiro sentido de uma doença terrível como a Aids. E é bom porque V. Exª. acaba com certas e determinadas pessoas que são fachadas de catedral e fundos de bordel. Por isso mesmo, V. Exª, neste seu registro, não está só. Amanhã, quando alguém procurar nos arquivos do Senado, esta pesquisa, encontrará o brado de V. Exª, ao qual peço que me faça juntar à sua voz. Meus cumprimentos, Senador.

O SR. NABOR JÚNIOR (PMDB-AC) - Agradeço o oportuno aparte de V. Exª, Senador Bernardo Cabral, confirmando a prioridade do tema que hoje abordo, nesta sessão do Senado Federal. O combate à Aids merece, de fato, a atenção de todos os homens públicos o Brasil, por ser uma terrível doença que hoje assola toda a humanidade e que tem o nosso país como um de seus principais campos de expansão, de maneira vertiginosa. Os dados são verdadeiramente assustadores, embora as estatísticas escondam a realidade do quadro, omitindo ou minorando casos já praticamente comprovados.

Reiterando a informação do Deputado José Aristodemo Pinotti, no oportuno artigo publicado em vários periódicos da imprensa nacional, temos, no Brasil, cerca de setecentas mil pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, homens e mulheres, embora as estatísticas oficiais apresentem apenas trezentos mil casos, conforme o relato do Delegado brasileiro à Conferência de Genebra, recentemente realizada, sobre esse assunto.

A sociedade está cobrando uma atenção redobrada das autoridades sanitárias, sobretudo no que toca às medidas preventivas. Temos verificado, Senador Bernardo Cabral, que aquela campanha que se fazia por meio dos veículos de divulgação, prevenindo a população sobre os riscos decorrentes da falta de cautela quanto à contaminação pelo vírus HIV, deixou de ser veiculada pela imprensa. Com isso, os casos estão se avolumando e resultam em aumento no número de óbitos, conforme registros relatados e certificados pelos cartórios de todo o País.

É, portanto, um problema sério. Talvez seja, até mesmo, uma ousadia minha, o trazer tal assunto para a tribuna do Senado Federal - mas penso que temos obrigação de chamar as atenções gerais, principalmente das nossas autoridades sanitárias, para a gravidade desse problema. Não podemos continuar nessa triste competição com os países da África, cujos índices ainda são maiores que os nossos. Sempre existe, todavia, o risco de o Brasil, a qualquer momento, igualar ou até mesmo ultrapassar as estatísticas dos países africanos.

Concluo, Sr. Presidente, enfatizando a certeza de, ao levantar esse debate, cumprir o dever de dar ressonância e convicção à marcante presença de grandes homens públicos, como o Deputado José Aristodemo Pinotti, na defesa da saúde da população, particularmente das mulheres pobres, vítimas maiores da insensibilidade e da insensatez que tanto atormentam nossa sociedade.

Peço, por fim, a V. Exª, que autorize a total transcrição do artigo do Deputado José Aristodemo Pinotti nos anais do Senado Federal, como parte integrante do meu pronunciamento.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1998 - Página 12376