Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA MAQUINA PUBLICA NO ESTADO DE SERGIPE, PELO ATUAL GOVERNADOR ALBANO FRANCO, DEMONSTRANDO A INEPCIA DA ATUAL LEGISLAÇÃO ELEITORAL.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE SERGIPE (SE), GOVERNO ESTADUAL.:
  • COMENTARIOS SOBRE A UTILIZAÇÃO DA MAQUINA PUBLICA NO ESTADO DE SERGIPE, PELO ATUAL GOVERNADOR ALBANO FRANCO, DEMONSTRANDO A INEPCIA DA ATUAL LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1998 - Página 12382
Assunto
Outros > ESTADO DE SERGIPE (SE), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • CRITICA, DENUNCIA, UTILIZAÇÃO, ALBANO FRANCO, GOVERNADOR, ESTADO DE SERGIPE (SE), RECURSOS, GOVERNO ESTADUAL, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO, EFEITO, IMPUNIDADE, INEFICACIA, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, PAIS.
  • INFORMAÇÃO, INICIATIVA, OPOSIÇÃO, CONTESTAÇÃO, JUSTIÇA, ASSINATURA, CONVENIO, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DE SERGIPE (SE), MUNICIPIOS, POSTERIORIDADE, PRAZO, REGISTRO, CANDIDATURA, CARACTERIZAÇÃO, ABUSO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, FAVORECIMENTO, REELEIÇÃO, ALBANO FRANCO, GOVERNADOR.

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quando esta Casa estava debatendo a emenda da reeleição no ano passado, vários Senadores, inclusive Senadores da base governista que votaram à favor da emenda à reeleição, fizeram questão de registrar um certo receio e ponderações com o que poderia vir acontecer na democracia brasileira, a partir do momento em que se instituía o princípio da reeleição sem desincompatibilização, na medida em que há uma tradição, uma péssima tradição, diga-se de passagem, no Brasil, da utilização da máquina pública, que já era flagrante quando não havia a reeleição, mas que poderia se agravar quando o próprio detentor do mandato era candidato. Alertava-se inclusive que, do ponto de vista da eleição nacional para Presidente da República, existiam até instrumentos mais eficazes de fiscalização - uma imprensa livre, uma sociedade civil razoavelmente organizada. Mas como ficaria a situação em alguns Estados da Federação, em alguns Municípios, onde há um controle quase que absoluto dos meios de comunicação e um nível de organização da sociedade ainda incipiente? Deve-se ainda levar em consideração que a própria legislação eleitoral, tanto a que já era tradicional do Brasil quanto a que aprovamos para estas eleições, não tinha instrumentos eficazes para vedar a utilização da máquina pública nas eleições.

Com relação às eleições nacionais, já existe uma série de ações por parte da Oposição, mas este não é o objetivo do meu pronunciamento. Quero tratar da situação de Sergipe; no entanto, não posso deixar de fazer um comentário a respeito de uma declaração do Presidente da República, quando chamou a Oposição de dedo-duro, por causa de uma ação contra o Ministro José Serra, que acabou levando uma multa. Sinceramente, não sei o que passa pela cabeça do Presidente da República. O que Sua Excelência quer? Que não haja mais Oposição? Somos tão minoritários no Congresso Nacional! Já há toda uma “santa” aliança em torno do seu Governo e da sua candidatura, e, entretanto, Sua Excelência não quer que a Oposição tenha nem mesmo o direito de se utilizar dos instrumentos legais para inibir a ação da máquina! Se ela assim o faz, é dedo-duro?

O Presidente fez um check up recentemente e felizmente o seu estado físico é bom, graças a Deus, mas a sua cabeça, do ponto de vista político, não está muito boa, pelo menos em relação a esse episódio, o que se torna mais flagrante desde o momento em que se conhece a trajetória política do Presidente da República, que se forjou na Oposição, com o combate ao autoritarismo, a defesa do Estado de Direito, etc.

Feito esse comentário sobre a eleição nacional, eu gostaria de falar acerca da eleição no meu Estado, onde o Dr. Albano Franco, Governador, também é candidato à reeleição. Durante três anos, ele fez um governo absolutamente inepto. Os índices de aceitação do seu governo eram baixíssimos até ocorrer um fato que provocou uma virada no quadro político sergipano, pelo menos do ponto de vista de marketing: a venda da empresa estatal de energia elétrica, vendida por pouco mais de R$600 milhões. Depois de descontados os adiantamentos do BNDES e pagas algumas dívidas que o Estado tinha com a Caixa Econômica e com o próprio BNDES, o Governador ficou com R$380 milhões livres para investir.

Albano Franco foi um dos governadores que se insurgiu contra aquela resolução aprovada pelo Senado, no sentido de que os governadores deveriam aplicar 50% dos recursos adquiridos com a privatização de suas empresas estatais no abatimento da dívida. Lembro também que o próprio Senador Albano Franco - em mais uma demonstração de que o discurso que o Governo faz, tanto no âmbito federal quanto estadual, de que quem critica o Programa de Governo que vem sendo implantado e como vêm sendo feitas as privatizações é um derrotado da eleição, porque esse programa foi referendado pela população -, no caso específico da Energipe, o então candidato, no segundo turno da eleição, encaminhou uma carta a cada empregado da Energipe, assumindo claramente o compromisso de que não privatizaria aquela empresa; dizia (inclusive já tive oportunidade de ler essa carta aqui no Senado, quando se estava votando aquela resolução dos acordos globais dos Estados) que não estava incluído no Programa de Governo do Presidente da República a privatização de empresas de energia elétrica, o que estava incluída era a possibilidade de a iniciativa privada vir a investir em hidrelétricas, o que era absolutamente natural e bem-vindo. Dizia, também, que a Energipe tinha uma função social que não poderia ser desempenhada por uma empresa privada.

Passada a eleição, a Energipe foi vendida. Éramos contra tal medida, mas, a partir do momento em que foi vendida, poder-se-ia, pelo menos, fazer boa utilização do dinheiro. Com R$380 milhões, um Estado como Sergipe, poderia desenvolver um grande programa de financiamento de subsídio a micro, pequena e média empresas para gerar empregos ou investir na infra-estrutura do Estado, mas optou-se por estabelecer um processo de cooptação de lideranças, de prefeitos, eleitos, inclusive, pela Oposição. Esse processo culminou com a cooptação daquele que foi, durante trinta anos, o principal adversário e inimigo do Dr. Albano Franco e nosso candidato a governador, o Dr. Jackson Barreto. Fazendo um parênteses a respeito da relação Albano e Jackson; há cinco meses, em fevereiro, o Dr. Jackson Barreto, então líder da Oposição, deu uma entrevista ao Jornal Sinforme, de Sergipe, onde acusava o Governador e a Primeira-Dama de estarem fazendo um Caixa 2 com o dinheiro da Energipe, para ganhar as eleições. A partir dessa entrevista, o Dr. Albano Franco e sua esposa processaram o Dr. Jackson Barreto, dizendo que ele era irresponsável, que só pensava em fazer política para destruir as pessoas, com xingamentos, com ataques pessoais etc. Agora, estão juntos. E, até agora, eles não responderam a uma pergunta: afinal de contas, quem estava com a razão? Jackson Barreto, que acusava Albano Franco de fazer caixa 2 com a venda da Energipe, ou Albano Franco, que, ao processar Jackson Barreto, dizia que ele era um político irresponsável que só pensava em atacar as pessoas? Eu, particularmente, acho que os dois têm razão.

Volto à questão do uso da máquina. A legislação eleitoral que votamos no Senado estabelece o dia 30 de junho como prazo máximo para assinatura dos convênios de repasse de recursos, tanto da União para os Estados quanto dos Estados para os Municípios. Portanto, os convênios teriam que ser publicados nos diários oficiais até o dia 1º de julho. Em Sergipe, não aconteceu assim. Lá, o Diário Oficial ficou dez dias sem ser publicado. Tivemos, inclusive, a preocupação de consultar formalmente a gráfica oficial do Estado sobre os dias em que houve publicação do Diário Oficial entre 25 de junho e o dia 7 de julho. E a resposta oficial foi de que não houve publicação. Somente no dia 7 de julho o Diário Oficial foi publicado, contendo uma série de convênios com os municípios. Entramos com uma ação, com um pedido de liminar, para suspensão daqueles convênios. E o que aconteceu? Por que houve o atraso de uma semana? Ora, o prazo para registro de candidaturas foi até o dia 5 de julho. Naquele período ainda não estavam definidas as coligações para as eleições, não havia a definição de candidaturas, o apoiamento de prefeitos e era necessário que, ao estabelecer o processo de convênio e repasse de recursos para os Municípios, num processo claro de barganha com os prefeitos, o Governador tivesse a garantia consolidada do registro das candidaturas, das coligações oficializadas, dos apoiamentos e das distribuições de apoio - o Prefeito A apóia o candidato B; o Prefeito C apóia o candidato D, e assim por diante.

Estamos contestando na Justiça esses convênios. E o Governador está dizendo que nós somos contra as obras nos Municípios. Ora, se o Governador quer fazer as obras - e esses convênios totalizam R$48 milhões -, ele pode muito bem fazê-las. Somos plenamente a favor de que ele faça as obras nos Municípios. Mas ele não precisa estabelecer convênios para repassar o dinheiro para as prefeituras, até porque sabemos que, quanto mais atravessadores há nesse processo de destinação de verbas públicas, mais caras ficam as obras. Então, se o interesse fosse realmente fazer as obras nos Municípios, o Governador poderia fazê-las perfeitamente, sem se chocar com a legislação eleitoral e sem necessidade do processo de barganha com os prefeitos.

Um outro fato notório da utilização da máquina pública no meu Estado é um projeto chamado Viva Mulher, desenvolvido pela Secretaria de Saúde. São feitas visitas aos Municípios, com barracas, médicos, dentistas, trabalhadores da área de saúde de modo geral, que atendem às mulheres, dão orientações, fazem alguns exames. Mas o Viva Mulher virou Viva Albano, porque todos os servidores têm que trabalhar com a camisa de Albano. E parece até que o Dr. Albano Franco agora virou médico, pois ele está sempre lá desenvolvendo seu trabalho.

Em Sergipe a situação é de total sentimento de impunidade em relação ao uso da máquina pública - não sei se isso acontece em decorrência de o Presidente do TRE ser primo em primeiro grau do Governador. A situação é tal que o Dr. Gilton Garcia, que era Secretário de Segurança Pública do Governo e se desincompatibilizou para ser candidato a Deputado, acabou desistindo da candidatura, assumiu a chefia da Casa Civil e, em entrevista a um jornal, declarou que sua principal função era coordenar a campanha de Albano Franco à reeleição. Um fato como esse só pode acontecer em decorrência do absoluto sentimento de impunidade que grassa hoje no meu Estado em relação à utilização da máquina pública. Sem falar da ação dos meios de comunicação, já que o Dr. Albano Franco é dono da TV Sergipe, afiliada da Rede Globo no Estado.

Entramos com uma ação contra a televisão, para que seja multada, porque o Dr. Albano, na última sexta-feira, fez um grande comício de lançamento da campanha, na principal avenida da cidade, com um show da Banda Mel, e a sua emissora de televisão divulgou, por uma semana, em todos os jornais, em bloco especial, o show, que aconteceria na Avenida Barão de Maruim, sem contar as inserções de propaganda, tudo isso sem logicamente dizer que era um comício. Quem conhece a região nordestina e sabe a penetração que essas bandas têm na Bahia e em Sergipe deve imaginar a multidão que acorreu ao show - não ao comício. Enfim, essa é a situação que estamos enfrentando em Sergipe.

Apesar disso, mesmo nas pesquisas chamadas “não me comprometam” - aquelas que dão uma margem de erro de 5% e um número de indecisos de 30%, e que, portanto, qualquer que seja o resultado da eleição, garantem a credibilidade do instituto de pesquisa - o nosso candidato, Antonio Carlos Valadares, está com 23% das intenções de voto, em empate técnico com os dois primeiros colocados, o Dr. Albano, que tem 28%, e João Alves, com 26%.

Uma realidade nós podemos antecipar: as eleições em Sergipe, apesar da utilização da máquina pública, deverão ter segundo turno. Sabemos, inclusive, que o Dr. Albano quer estabelecer uma polarização artificial com o Sr. João Alves, do PFL, porque ele sabe que, num possível segundo turno, é mais fácil derrotá-lo, pois a rejeição de João Alves é infinitamente maior que a do Senador Valadares. Apesar de todos esses fatos, estamos enfrentando esse estado de coisas.

E não é apenas a oposição que está fazendo referência a casos como este. No final do primeiro semestre, o Senador Ronaldo Cunha Lima fez um relato do que aconteceu nas convenções de seu Partido, na Paraíba. Acredito que esses fatos deverão servir de alerta ao Congresso Nacional, deverão servir para que voltemos a discutir a questão da reeleição. Se não se decidir pelo fim da reeleição, que, pelo menos, se introduza a desincompatibilização ou outros instrumentos mais efetivos de controle da máquina pública. A continuar assim, as palavras que foram proferidas aqui, se não me engano, pelo Senador Esperidião Amin, de que poderíamos estar caminhando para uma ”feudalização” da política brasileira, poderão se transformar em realidade, e tenho certeza que esse não é o futuro que queremos para a democracia.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1998 - Página 12382