Discurso no Senado Federal

RESULTADOS DA VIAGEM QUE FEZ AOS ESTADOS UNIDOS COM O CANDIDATO DO PT AO GOVERNO DO ACRE, ENGENHEIRO JORGE VIANA, E DA AUDIENCIA COM O PRESIDENTE DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), ENRIQUE IGLESIAS.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • RESULTADOS DA VIAGEM QUE FEZ AOS ESTADOS UNIDOS COM O CANDIDATO DO PT AO GOVERNO DO ACRE, ENGENHEIRO JORGE VIANA, E DA AUDIENCIA COM O PRESIDENTE DO BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), ENRIQUE IGLESIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/1998 - Página 12384
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ACOMPANHAMENTO, JORGE VIANA, ENGENHEIRO FLORESTAL, CANDIDATO, ELEIÇÕES, GOVERNADOR, ESTADO DO ACRE (AC), REUNIÃO, ENRIQUE IGLESIAS, PRESIDENTE, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, AMPLIAÇÃO, PROGRAMA, PLANO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, VALE, RIO ACRE, RIO PURUS, RIO JURUA, IMPLEMENTAÇÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO, REALIZAÇÃO, PARCERIA, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO FEDERAL.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT-AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero fazer um breve registro da viagem que fiz aos Estados Unidos, juntamente com o candidato ao Governo do Estado do Acre, o Engenheiro Florestal Jorge Viana, no dia 29 do corrente. Fomos ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e tivemos a oportunidade de nos reunir com o Presidente daquela instituição, Dr. Enrique Iglesias.

Nessa audiência, tratamos de questões ligadas ao desenvolvimento econômico e social do Estado do Acre. Provamos ao Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento que todas as críticas feitas por Chico Mendes, há mais de dez anos, quando esteve nos Estados Unidos, eram procedentes. Chico Mendes alertou as agências multilaterais para o fato de que se o desenvolvimento que estava sendo financiado para a Amazônia não considerasse o respeito às populações tradicionais de seringueiros, índios, caboclos e ribeirinhos, se não houvesse um projeto de desenvolvimento que contemplasse a preservação do meio ambiente, ao invés de desenvolver a região, poderiam estar patrocinando um imenso prejuízo.

Há dez anos, quando o Dr. Iglesias assumiu a Presidência do Banco, teve que dar explicações ao Congresso americano várias vezes, em função das críticas feitas pelo movimento ambientalista tanto brasileiro quanto internacional - mais particularmente pelo líder seringueiro Chico Mendes.

Com alegria, posso dizer que muitas das críticas foram assimiladas. Hoje, qualquer programa de desenvolvimento considera a participação das populações locais, o que se pode verificar nas ações do próprio Banco Mundial, a partir de críticas feitas pelo movimento ambientalista e por pessoas ligadas à comunidade científica. Esses programas buscam considerar a ação da sociedade civil organizada, dos pesquisadores, enfim, dos segmentos que podem dar uma contribuição efetiva para que as ações não sejam de cima para baixo, trazendo sérios prejuízos à população.

Durante essa audiência, ao registrarmos esses fatos, também tivemos a oportunidade de dizer que a luta de Chico Mendes propiciou uma grande vitória na Amazônia; primeiro foi a vitória de se formar uma opinião pública favorável ao desenvolvimento sustentável. A idéia de desenvolver economicamente a Amazônia, preservando as florestas, a sua biodiversidade, mantendo alguns dos seus ecossistemas, respeitando os saberes das populações tradicionais, fazendo com que os programas de infra-estrutura fossem associados a um ousado programa de desenvolvimento econômico e social, com preocupações socioambientais, foi uma vitória de Chico Mendes que seus assassinos não conseguiram destruir quando o assassinaram.

Hoje, toda a Amazônia, do Governo mais conservador ao mais progressista, como é o atual Governador do Estado do Amapá, João Alberto Capiberibe, defende o desenvolvimento sustentável.

Dissemos ao Presidente do Banco Interamericano que essa batalha o Brasil ganhou, graças a Deus! É a luta daqueles que dentro e fora do País souberam empenhar-se na busca de uma qualidade de vida tanto presente quanto futura. No entanto, ainda temos uma dívida muito grande com as idéias de Chico, que este ano receberá homenagem pelo seu trabalho. Ainda assim, será um momento de tristeza, por estarmos há dez anos sem ele.

Temos uma dívida a ser resgatada, que é a de transformar essas idéias em ações concretas na Amazônia. Algumas já estão sendo realizadas, embrionárias e pulverizadas, sem que haja uma ação conjunta, seja por parte de governos locais, seja por parte de algumas ações isoladas do Governo Federal. No entanto, são insuficientes, e o que o Sr. Jorge Viana e eu quisemos mostrar ao Presidente do Banco é que, num cantinho da Amazônia, exatamente no Estado em que Chico nasceu e morreu lutando por esses ideais, é possível hoje, dez anos após a sua morte, com toda segurança, dizer: temos condições de operar um ousado programa de desenvolvimento sustentável no Estado do Acre, onde estejam contempladas ações ligadas à infra-estrutura de estradas, de energia, enfim, de todos os meios necessários para que se tenha um programa de desenvolvimento. Mas também temos a responsabilidade, a credibilidade e o conhecimento da realidade econômica, social e ambiental do Estado do Acre para operarmos esse programa sem que ele venha a se transformar em prejuízo às populações tradicionais, ao meio ambiente no Estado do Acre.

Com essa certeza, apresentamos ao Presidente do Banco a idéia de ampliarmos um antigo projeto, que foi realizado à época em que o Prefeito Jorge Viana dirigia o Município de Rio Branco. Ele constituiu um pool de 14 prefeituras e, com a ajuda do Banco Interamericano de Desenvolvimento, foi feito um estudo que estabelecia um plano de desenvolvimento econômico e social para as Prefeituras do Vale dos rios Acre e Purus. Nesse plano, estavam contemplados programas de infra-estrutura e a questão de geração de emprego e renda, enfim, tudo o que pudesse melhorar a vida daquelas comunidades. A idéia agora é ampliarmos esse programa não apenas para o Vale do Acre e Purus, mas para todo o Estado do Acre, inclusive o Vale do Juruá.

Com esse programa, no período de quatro anos, se Deus quiser e Jorge Viana for vitorioso, faremos com que naquele cantinho da Amazônia, onde as idéias do desenvolvimento sustentável começaram a surgir, haja uma experiência concreta em três dimensões. Não mais uma experiência de laboratório, mas uma experiência real, para mostrarmos ao Brasil e ao mundo que é possível fazer aquilo que se tem apregoado pelos quatro cantos deste País: que a Amazônia pode desenvolver-se sem a necessidade de devastá-la, de destruí-la.

Seria um programa da ordem de U$300 milhões, para o qual buscaríamos parceria com o BNDES, o Governo Federal, e contaríamos, é claro, com a participação do Governo Estadual.

Lamentavelmente, o Governo, à época em que Jorge Viana era prefeito, não aceitou apresentar esse projeto, que teria que ser apresentado via governo do Estado. Mas, diante da possibilidade de termos um governo que, além da identificação com essas lutas e com essas causas, tem um profundo conhecimento da realidade econômica e social do Estado do Acre, não tenho medo de dizer que, em quatro anos, poderemos mudar a história do Acre. É um Estado que depende em 86% de repasses da União; é um Estado em que a maioria das pessoas que têm um trabalho são vinculadas ao Poder Público; é um Estado onde a economia é praticamente morta: o setor empresarial não conta com apoio, e o comércio tem as suas atividades bastante prejudicadas pela limitada circulação de dinheiro, já que tudo é comprado das demais Regiões do País, principalmente do Centro-Sul.

Com um programa dessa natureza, estaremos dando vida à economia do nosso Estado e, de acordo com nossas metas, poderemos contribuir para a geração de quarenta mil empregos estruturais, num período de quatro anos. Esse programa é ligado principalmente à área rural, onde estaria presente uma ação ousada de modernização e diversificação da economia extrativista. Teríamos também uma ação voltada para os pecuaristas, porque hoje o Acre já tem uma grande quantidade de pessoas que atuam na pecuária. Com os estudos de que dispomos sobre a atividade pecuária na Amazônia, realizados por instituições científicas sérias, poderemos dobrar o número do rebanho do Estado do Acre sem que seja preciso derrubar mais um pé de mato, sem que seja preciso, a cada ano, colocar-se abaixo grande quantidade de floresta para a criação de novas pastagens. Mas, para isso, ações concretas e apoio do Governo são fundamentais, a fim de que esses produtores possam ter a sua atividade produtiva prestigiada.

Teremos também condições de fazer com que os pequenos agricultores disponham de uma atividade econômica sustentável, tanto do ponto de vista econômico, quanto do ambiental. É doloroso vermos os pequenos produtores dos projetos de colonização e assentamento derrubando pequenos roçados para plantarem apenas arroz, feijão e milho.

Com o nosso programa, que será apresentado ao banco no momento em que viermos a assumir o Governo, instituiremos sistemas agroflorestais associados a uma ousada implementação de pequenas agroindústrias nas comunidades menores, bem como agroindústrias de processamento mais sofisticadas nas cidades principais do Estado, como Cruzeiro do Sul e Rio Branco.

Com essas ações, uma população de apenas 500 mil habitantes - menor que a de um bairro de São Paulo - e um Estado com 15 milhões de hectares de floresta, onde apenas 5% ou 7% foram devastados, queremos mostrar que podemos combater a corrupção com honestidade, a incompetência com competência e o descaso com a preocupação sincera com os problemas do nosso povo. Por isso fomos recebidos de forma tão respeitosa, e fico grata a Deus e às autoridades que nos ouviram pela simpatia e apoio que recebemos nessa audiência, para que, a partir do momento em que viermos a assumir o Governo, apresentemos esse programa e, juntamente com ações governamentais concretas, mudemos a história de um Estado hoje considerado marginal dentro da própria Federação, mas que poderá vir a tornar-se uma referência do ponto de vista prático, assim como o é, politicamente, quanto às questões ambientais. Na Amazônia, ninguém fala de desenvolvimento sustentável, de populações tradicionais, de respeito ao ecossistema amazônico, sem se lembrar da grande referência que o Acre construiu: o seringueiro e sindicalista Chico Mendes.

Sinto-me muito orgulhosa por pertencer a essa geração e por, aos dezessete anos, ter conhecido Chico Mendes, bem como por, juntamente com outros colegas - Jorge Viana, Tião Viana, Arnóbio Marques, a antropóloga Maria Alegretti, hoje candidata de um Partido irmão, o PV, os quais com ele conceberam a idéia das reservas extrativistas -, poder dizer ao Brasil que é possível haver uma experiência concreta de desenvolvimento sustentável, que é possível a realização dos ideais do sócio-ambientalismo em um pedacinho da Amazônia - pequeno mas simbolicamente significativo pelas esperanças que poderá trazer para essa região no sentido de seu desenvolvimento com preservação do meio ambiente, justiça social e qualidade de vida para sua população.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/1998 - Página 12384