Discurso no Senado Federal

REGOZIJO PELA PUBLICAÇÃO DO 'DICIONARIO DA ESCRAVIDÃO', DE AUTORIA DO ADVOGADO E ESCRITOR ALAOR EDUARDO SCISINIO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • REGOZIJO PELA PUBLICAÇÃO DO 'DICIONARIO DA ESCRAVIDÃO', DE AUTORIA DO ADVOGADO E ESCRITOR ALAOR EDUARDO SCISINIO.
Aparteantes
Abdias Nascimento, Benedita da Silva, Francisco Benjamim.
Publicação
Publicação no DSF de 12/08/1998 - Página 12756
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, LANÇAMENTO, LIVRO, DISCUSSÃO, ESCRAVATURA, BRASIL, AUTORIA, ALAOR EDUARDO SCISINIO, ADVOGADO, ESCRITOR.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após décadas de desinteresse e indiferença, temos assistido a um surto notável de estudos voltados para a análise de aspectos constitutivos da realidade brasileira. Agora, aparece um livro que deve ter lugar assegurado em qualquer biblioteca temática sobre a cultura brasileira. Trata-se do Dicionário da Escravidão, de Alaôr Eduardo Scisínio, publicado pela Léo Christiano Editorial.

Exibo ao Senado a sua publicação, e o faço, Sr. Presidente, porque o autor tem setenta anos, é advogado, escritor, historiador e escultor. Tudo isso seria uma forma de lhe ornar a personalidade, não fosse ele negro, neto de escrava, que começou como rábula e, hoje, é membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, além de conselheiro da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro.

Foi naquela casa de Montezuma, considerada o cenáculo dos juristas brasileiros, que há vinte anos travei conhecimento com Alaôr. Com ele convivi, dele me fiz amigo e essa amizade tem sido suficientemente forte para vencer o tempo, a distância e o silêncio.

Sr. Presidente, passo a ler meu discurso, porque não quero que esta Casa deixe de ter nos seus Anais o que considero da maior valia, sobretudo porque esse negro é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, e, além deste, tem vários livros publicados.

Poeta e cronista, Alaôr já havia publicado, anteriormente, um ensaio sobre escravidão intitulado A Escravidão e a Saga de Manoel Congo, a respeito do quilombo criado nas matas de Vassouras, Rio de Janeiro, como reação às barbaridades cometidas pelo fazendeiro Manuel Vieira, e destroçado pelo futuro Duque de Caxias. Ao contar a história do ferreiro Manuel Congo, enforcado a 06 de setembro de 1839, Alaôr contribuiu decisivamente para o enriquecimento das informações disponíveis aos historiadores interessados em reconstituir movimentos e sublevações populares.

Desta feita, entretanto, o autor ampliou consideravelmente seu campo de reflexão. Pela primeira vez, a escravidão é apresentada num painel que proporciona, ao mesmo tempo, uma visão genérica e um cuidado preciso no detalhe. A influência do negro nos mais diversos campos - na língua, na farmacopéia, na música, no folclore, enfim, no modo de ser do povo brasileiro - está bem documentada nos verbetes desse Dicionário pioneiro.

O Dicionário abrange o período compreendido entre as primeiras décadas do século XVI e o 13 de maio de 1888. Quanto à metodologia, a obra adota, para cada tema ou subtema, para cada assunto ou aspecto da escravidão, um verbete mater, um verbete geral, com remissão às expressões a ele alusivas ou nele referidas.

Assim, ao tratar, por exemplo, dos “castigos”, o autor informa como e por que eram aplicados, fazendo nesse verbete a remissão a “instrumentos de tortura”, onde são relacionados os meios e os objetos utilizados na aplicação dos castigos, trazendo o verbete correspondente a cada um deles, sua descrição e modo de usar.

Relativamente às doenças, estão elencados no corpo desse verbete os males de que eram suscetíveis os escravos, com remissão aos verbetes relativos a cada órgão, a cada enfermidade e a cada função, além da listagem das ervas e plantas utilizadas para o tratamento, com o nome científico e a indicação específica, segundo o uso pelos escravos e pela farmacopéia catimbó.

Outros assuntos recebem tratamento pormenorizado, como tráfico, abolição, religião, insurreições, quilombos, particularizando entre esses o de Palmares, com sua cronologia.

Não se limita, porém, a obra a esses assuntos que receberam tratamento isolado, pois mais de mil e quinhentas frases ou vocábulos significativos estão distribuídos em ordem alfabética. São informações ecléticas sobre a escravidão, algumas em verbetes relativos à origem geográfica dos escravos, às estimativas numéricas, ocupações ou profissões, grupos étnicos, linguagem dos negros, com alusão aos seus inúmeros dialetos, com verbete especial para cada um deles. Contém toda a legislação (leis, decretos, cartas régias, avisos, alvarás e decisões governamentais, com datas, números e ementas), reproduzindo, na íntegra, as leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e a Lei Áurea.

Aliás, o verbete “legislação” foi dividido segundo as especificidades das normas, como, por exemplo, legislação sobre direito penal, abolição, tributos, tráfico, africano livre, classificação, libertação, matrícula, serviço militar, alforria, fundo de emancipação, pecúlio etc.

O verbete “cronologia” traz, na rigorosa ordem de suas ocorrências, os principais fatos ligados à escravidão, independentemente de alguns verbetes trazerem a sua síntese histórica.

A bibliografia da escravidão é dada não em apêndice, mas na letra “B”, pois não enumera apenas os livros consultados, mas uma vasta lista de publicações sobre o assunto.

São trezentos e cinqüenta anos de escravidão negra no Brasil, em três mil e duzentos verbetes, ao longo dos quais fica claro o objetivo da obra ciclópica do professor Alaôr: mostrar que “o negro foi o herói consciente da longa e cruel guerra contra a escravidão, o sujeito da luta pela liberdade, no decurso da qual foi capaz de atos extremos. Por exemplo, matar-se engolindo a própria língua. Amarrado de pés e mãos num tronco, ele morria pelo esforço de sua própria angústia, sabendo que, com aquele ato, provocava um prejuízo concreto na propriedade do senhor”.

O verbete “engolir a língua” define bem o caráter do trabalho, que não se restringe a uma informação fria e seca sobre palavras e expressões, mas contextualiza, do ponto de vista social, cultural, político e jurídico, o universo em que se desenvolveu a sociedade escravagista brasileira.

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Neste ponto, Sr. Presidente, não tenho como - e seria uma violência cometida a mim próprio - se não parasse para ouvir a eminente Senadora Benedita da Silva, a quem tenho o prazer de conceder um aparte.

A Srª Benedita da Silva (Bloco/PT-RJ) - Senador Bernardo Cabral, quero manifestar minha alegria em ouvi-lo, quando traz um nome tão importante para esta Casa - Alaôr Eduardo -, bem como informações sobre os seus feitos. V. Exª tem acompanhado, desde os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, a defesa do interesse da população negra no Brasil, inclusive tendo sido portador de muitas reivindicações feitas àquela época. Portanto, V. Exª sabe que Alaôr não apenas dá uma contribuição à História do Brasil, por intermédio do Dicionário da Escravidão, como também influenciou e respaldou várias manifestações nossa na Assembléia Nacional Constituinte e no plenário desta Casa. Quero confessar a V. Exª que também sou portadora desse Dicionário da Escravidão. Aliás, tive a oportunidade de dar informações a respeito de toda essa história, não apenas do sofrimento, mas do comprometimento lingüístico, religioso e culinário que nós, afro-brasileiros, demos à sociedade brasileira. Neste momento em que V. Exª, ao fazer esse registro, presta essa homenagem a Alaôr, não poderia deixar de aparteá-lo, pois sei que V. Exª é um dos nossos parceiros na luta por esses direitos. Alaôr, com muita propriedade, deu-nos o significado de cada palavra dita pelos escravos, como também contribuiu com a História oferecendo-nos um conteúdo praticamente inexistente. Nobre Senador Bernardo Cabral, foi com muita dificuldade que ele elaborou esse dicionário; mas também pôde contar com muitas pessoas interessadas e que viram, no seu gesto, o grande momento de revelar a outra face do nosso País, de colocar o quão valiosas e preciosas são as riquezas contidas não apenas nas manifestações religiosas ou culturais do negro brasileiro, mas na sua sabedoria, inclusive na maneira como o negro se portou em determinados momentos de rebeldia nas suas ações, em momentos em que também não aceitava a própria escravidão, mas se submetia a ela. Tudo isso foi dito com muita propriedade. Portanto, quero parabenizar V. Exª por essa belíssima lembrança. Quero crer que todos, nesta Casa, estaremos interessados em fazer uma leitura mais aprofundada a respeito. Espero dar continuidade ao pronunciamento de V. Exª, manifestando-me da tribuna sobre o assunto, relatando essa preciosidade - o Dicionário da Escravidão - elaborado por Alaôr Eduardo. Agradeço a V. Exª pela paciência de ouvir-me neste aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL(PFL-AM) - Senadora Benedita da Silva, quem está de parabéns sou eu por ter tido o privilégio de ouvir o aparte de V. Exª. Quem agradece a interrupção sou eu.

Essa luta não pode ser de uma meia dúzia de pessoas. Sabe V. Exª que, ao longo dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte - V. Exª fez esse registro -, fomos vários os que empunharam essa bandeira que foi desfraldada ao sabor de todas as intempéries e preconceitos. Lembro-me de que certa manhã, na Comissão de Sistematização, o hoje Senador Francisco Benjamim, então Deputado Federal Constituinte, falava-me da luta que travava na Bahia. Mais tarde, com essa figura ímpar da raça negra, com quem tenho aprendido e convivido - Senador Abdias Nascimento -, fui ampliando o gosto e o desejo de que esse assunto não ficasse reduzido a um simples grupo, para que o brasileiro sinta orgulho das suas raízes.

Ainda outro dia, dizia ao Senador Abdias Nascimento que precisamos acabar, nas votações das Comissões, seja na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, seja na Comissão de Relações Exteriores, das quais fazemos parte, com a história de não gostarmos de alguém colocar uma bola preta. Isto precisa acabar, porque há, sem dúvida nenhuma, uma humilhação que não deve mais perdurar. Que se escolham outros cores de bolas: brancas, vermelhas ou azuis para as quais sejam criadas normas positivas ou negativas.

Depois de ter ouvido V. Exª, Senadora Benedita da Silva, quero retomar o fio filosófico condutor do meu discurso. Para fazê-lo, peço permissão aos que me ouvem para continuar.

Apesar da crueza dos assuntos, sobre os quais tão bem Alaor discorre - como oportunamente registrou a Senadora Benedita da Silva -, o tom dos verbetes não é lamurioso, melancólico ou sombrio. O autor se preocupou com a visão do dominado, sem deixar de fazer a competente crítica do dominador. Fê-lo, entretanto, sem emitir julgamentos, na tentativa de compreender a escravidão na história do Brasil Império, enquadrando-a em seu contexto histórico.

Um aspecto interessante da obra é a relação que ela estabelece entre a Abolição e a Maçonaria. No verbete “Maçonaria e Abolição”, temos a comprovação de que a Maçonaria foi a primeira instituição a atender ao clamor dos negros, pois, já em 1826, o maçom José Clemente Pereira apresentou um projeto pelo qual o comércio de escravos devia acabar, em todo o Brasil, no último dia de dezembro de 1840. Esse projeto foi transformado em lei em 1845.

O Professor Alaôr lembra, ainda, que a lei de 1850, que extinguiu o tráfico, era de autoria do maçom Eusébio de Queiroz, e que a lei do Ventre Livre é de autoria do Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, Visconde do Rio Branco. Em São Paulo, tivemos o maçom Antônio Bento de Sousa Andrade e, no Ceará, a campanha foi chefiada por João Cordeiro, da loja “Fraternidade Cearense” e, ainda, pelo maçom Antônio Bezerra de Meneses.

Embora a obra de Alaôr não defenda a tese de uma “Maçonaria Abolicionista”, demonstra, corretamente, a existência de um movimento emancipacionista, dentro da Maçonaria, que contou com a participação de maçons abolicionistas do porte de Joaquim Nabuco e José do Patrocínio.

A obra é vigorosa e se apresenta em prosa simples e clara, livre de pompa e pretensão. Pormenores importantes são colocados em frases curtas e, em alguns casos, sem a emoção que tem comprometido determinada historiografia sobre a escravidão no Brasil.

           O que mais surpreende, Srªs e Srs. Senadores, é que tarefa de tal envergadura tenha sido realizada por esforço individual. O que fazem os departamentos de História de nossas universidades e tantos historiadores “de carteirinha” que não atinaram para com a verdadeira “mina” de verbetes, de que tantos temas poderiam ser retirados? Quanto trabalho para uma só pessoa reunir um mundo de informações sobre escravidão no Brasil, tema ultimamente tratado com intensidade, embora, amiúde, sem muita profundidade. Faltava, até mesmo, roteiro básico. Por onde começar? O universo negro, no Brasil, vai da comida à música, do sexo à capoeira, da Guerra do Paraguai às favelas, do cateretê ao candomblé.

           Há que se louvar, portanto, o esforço de Alaôr Scisínio que, quase sozinho, abraçou a iniciativa de escrever o Dicionário da Escravidão, que facilitará a vida de milhares de professores de História do Brasil e de leitores interessados nas questões brasileiras.

Esse mérito, aliás, já foi reconhecido por diversas personalidades do mundo político e cultural do País. Desde a atriz e ex-Deputada Beth Mendes ao crítico Wilson Martins, passando pelos jornalistas Marcio Moreira Alves e Jorge Baleeiro de Lacerda, muitos já se pronunciaram a respeito da importância da obra do professor Alaôr.

O Sr. Abdias Nascimento (Bloco/PDT-RJ) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - V. Exª me honra com seu aparte, Senador Abdias Nascimento.

O Sr. Abdias Nascimento (Bloco/PDT-RJ) - Sem alongar-me, felicito-o por essa belíssima aula que nos está oferecendo. Esse é um assunto importante para a nossa Nação, mas em geral é omitido sobretudo dos currículos das escolas. É preciso, portanto, que venha uma pessoa com perseverança e visão, como o cientista Alaôr Scisínio, para nos refrescar a memória, para nos fazer lembrar da nossa História. Ele construiu um livro vivo, onde a História não está morta; é candente, vibrante, uma História de afirmação e de esperança.

A trilha percorrida por Alaôr ainda está em curso, porquanto esses fatos da História ainda estão por ser completamente concretizados, porquanto essa raça que Alaôr tão bem estudou ainda continua sendo escravizada. É uma raça que ainda sofre todas as deformações das nossas classes dominantes, sofre todas as agressões do mundo acadêmico, sofre um verdadeiro genocídio praticado por nossa sociedade. Esse livro vem mostrar que os negros no Brasil, os descendentes dos africanos escravizados não estão adormecidos, não estão extintos. Apesar da guerra genocida de que sempre foram vítimas, os negros não desapareceram. Estão no nosso Brasil atual, vigilantes, lutando por seus ideais, lutando por um Brasil melhor, um Brasil justo, que faça jus à legenda de democracia racial. Congratulo-me com V. Exª, porque tem sido, como já disse a Senadora Benedita da Silva, um cúmplice na nossa luta de libertação. No Senado, essa luta continua, porquanto os projetos em relação a esse tema, embora muito discutidos, não são votados. Com exceção daquele que trata da ação civil pública, os projetos estão adormecendo nas gavetas, nos gabinetes, porque não existe a consciência do problema racial no Brasil, do problema da injustiça. Esta que é a grande verdade: trata-se de uma grande injustiça de séculos que continua até os dias de hoje. E V. Exª tem sido um baluarte nessa luta aqui, no Congresso. Assim, fico muito feliz de ouvir a sua palavra, que não é uma palavra de retórica, não é uma palavra vã, mas uma palavra sempre apoiada em fatos, em uma vida de solidariedade ao povo negro que luta por liberdade. Agradeço a V. Exª o aparte e o felicito, mais uma vez, pelo oportuno discurso e pela aula que nos deu não somente de História, mas de Sociologia e de Política, porque o livro do Alaôr é tudo isso e mais alguma coisa. Muito agradecido a V. Exª. Parabéns!

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Abdias Nascimento, o aparte de V. Exª me comove, e V. Exª sabe por quê. São mais de sessenta anos de luta de V. Exª, às vezes até sozinho, como um caminhante que não tem medo de seguir para a frente. Guardo os livros de V. Exª com muita honra na minha biblioteca, depois de proceder à sua leitura e observações, frutos da experiência de V. Exª. Poucos sabem que V. Exª começou na arte teatral e chegar à política, numa caminhada que só honra a população negra.

Portanto, somos cúmplices, um da amizade do outro. É claro que essa cumplicidade leva-me a registrar aquilo que lhe dizia ao começo: a emoção que me traz a palavra de V. Exª. Trata-se da sua experiência, somada à vivacidade da eminente Senadora Benedita da Silva. E como se fosse possível ser eu premiado, vejo que, ao final, vou ter a honra de ser aparteado por alguém que representa um Estado onde, induvidosamente, inequivocamente, a raça negra ali está infiltrada como a raiz que é a raiz da própria nacionalidade nossa.

O Sr. Francisco Benjamin (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Com prazer, ouço V. Exª.

O Sr. Francisco Benjamin (PFL-BA) - Eminente Senador Bernardo Cabral, o meu aparte é dispensável depois das intervenções da Senadora Benedita da Silva e do Senador Abdias Nascimento. O meu Estado é exemplo do entendimento entre as raças, da miscigenação racial no nosso processo histórico. A Bahia é negra, somos realmente um Estado que valorizamos essa cultura, a literatura, a dança, a música e outros valores baianos oriundos da raça negra. Associo-me ao Senador Abdias Nascimento e faço uma manifestação a V. Exª, Senador Bernardo Cabral: acompanhei o trabalho de V. Exª, na Comissão de Sistematização, pela defesa dos grandes princípios. V. Exª foi, com equilíbrio, sem sectarismo, um arauto na condenação do apartheid, oferecendo uma contribuição que ficou marcada historicamente como o posicionamento da sociedade brasileira contra a discriminação racial em todo o mundo. Não estávamos falando somente por nós, e V. Exª foi o condutor desse posicionamento. Parabenizo-o pela continuidade do seu pensamento, pela sua sensibilidade de humanista. O meu Estado fica muito a dever a V. Exª, por esse posicionamento que tanto sabe oferecer.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Obrigado, Senador Francisco Benjamin.

Sr. Presidente, antes de concluir, faço um registro histórico. É bom que isto conste dos Anais: com a promulgação da Constituição, três Deputados Federais foram convidados a irem à África do Sul: o então Deputado Francisco Benjamin, hoje Senador; o Deputado Adolfo Oliveira, hoje recolhido em seu lar; e eu próprio. Naquele país, encontramo-nos com o Ministro da Justiça. Não havia manifestação alguma de que o apartheid teria um fim àquela altura.

Naquela reunião com o Ministro da Justiça, que deveria durar não mais que dez minutos, Francisco Benjamin, Adolfo Oliveira e eu, de forma dura e candente, prolongamos aquele encontro por uma hora. Ao longo dessa hora, o Deputado Francisco Benjamin teve a audácia de pedir a libertação de Nelson Mandela ao Ministro da Justiça, dizendo que não era possível que um líder daquela categoria permanecesse preso. Esse fato se perdeu na história que não foi contada, talvez pela nossa modéstia e pela do então Deputado Francisco Benjamin.

Sr. Presidente, hoje está terminando o período de Mandela, que já está libertado. Quero dizer a V. Exª que, naquela época, procedemos à versão para o inglês da nossa Constituição, para que o Ministro da Justiça daquele país tomasse conhecimento do que existia em termos de direitos e garantias individuais, em função da raça negra.

O Sr. Francisco Benjamim (PFL-BA) - Complementando o que disse V. Exª, quero dizer que a audácia maior foi a de V. Exª, que, na reunião, fez uma proposta, no sentido de que negociaria com o Governo brasileiro o asilo político para Nelson Mandela.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, acabei me desviando do nosso Dicionário da Escravidão. No entanto, quero finalizar - Francisco Benjamim é da Bahia - com uma frase de um outro baiano conhecido no mundo inteiro, Jorge Amado, que tão bem soube traduzir, em sua literatura, a síntese da contribuição negra na formação brasileira, a propósito da obra de Alaôr Scisínio:

”... Livro fundamental para quem quiser saber da vida e da luta do povo que ajudou a construir, com suor e sangue, a riqueza do nosso País.”

Sr. Presidente, este é o final do meu discurso: uma homenagem sincera de todos os ângulos, a qual se reveste de uma felicidade maior devido aos apartes que recebi.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/08/1998 - Página 12756