Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO MODELO ECONOMICO BRASILEIRO POR NÃO OFERECER ALTERNATIVAS PARA A PARCELA MAIS JOVEM DA POPULAÇÃO, AUMENTANDO OS INDICES DE DESEMPREGO E VIOLENCIA.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESEMPREGO.:
  • CRITICAS AO MODELO ECONOMICO BRASILEIRO POR NÃO OFERECER ALTERNATIVAS PARA A PARCELA MAIS JOVEM DA POPULAÇÃO, AUMENTANDO OS INDICES DE DESEMPREGO E VIOLENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1998 - Página 12914
Assunto
Outros > DESEMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, CRITICA, MODELO ECONOMICO, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, DESEMPREGO, VIOLENCIA, JUVENTUDE, RESULTADO, INSUFICIENCIA, NIVEL, ESCOLARIDADE, DIFICULDADE, ACESSO, EDUCAÇÃO.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prometo restringir-me ao necessário, Sr. Presidente. Ao mesmo tempo, agradeço a deferência do Senador Bernardo Cabral. Serei breve.

Se existe uma preocupação universal típica dos novos tempos que afeta indiferentemente todos os países de quaisquer dos mundos, essa preocupação é o desemprego. Não se trata de um medo abstrato, mas de uma ameaça concreta aos cidadãos contemporâneos da globalização e da tecnologia.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelou que mais de um bilhão de trabalhadores, de uma população economicamente ativa calculada em 2,5 bilhões, encontram-se desempregados. Em alguns países europeus, como a Espanha, o desemprego já vai além dos 20%. Entre as nações americanas, na Argentina, esse índice supera os 18%.

Embora não compartilhe de muitos benefícios da modernidade, o Brasil também é atingido por suas contradições. Nossa população desempregada deve estar em torno de dez milhões de indivíduos, o que representa quase toda a população do Chile ou três vezes a do Uruguai.

A economia cresce de modo e intensidade desiguais nos diversos países. mas cresce. O sentido perverso desse crescimento, contudo, é o que conta, pois não é acompanhado pela elevação quantitativa e qualitativa do emprego. Esse rumo é perigoso, pois, além da degradação contínua e crescente da vida das populações, deteriora-se o poder aquisitivo e compromete-se, ainda mais, as economias nacionais.

Homens e mulheres exibem uma preocupação cada vez maior com o seu futuro, e os jovens mostram sua frustração e raiva em um comportamento cada vez mais rebelde. Os talentos, a energia e a engenhosidade de centenas de milhões de seres humanos são colocados na ociosidade pelas forças gêmeas da globalização e da automação. É o chamado desemprego estrutural. Nesse tipo de desemprego, produzido pela combinação de novas tecnologias com a redução de custos dentro das empresas para torná-las mais competitivas, os postos de trabalho fechados não são reabertos.

O IBOPE divulgou, recentemente, os resultados de uma pesquisa de opinião sobre o estado de espírito dos brasileiros em relação ao Plano Real e ao futuro do País. Com pequenas diferenças, esse último levantamento só veio confirmar um aparente paradoxo que duas outras pesquisas encomendadas pela CNI ao mesmo Instituto, em agosto e novembro de 1996, já haviam apontado: a maioria esmagadora dos brasileiros considera que sua vida melhorou substancialmente após o Plano Real, mas, ao mesmo tempo, encara o desemprego como a maior ameaça que enfrenta e o obstáculo mais importante para a continuidade do programa de estabilização econômica.

Possivelmente, só o tema da violência é capaz de despertar preocupação idêntica na sociedade brasileira. O desemprego e a violência são duas das mais novas que causam especial preocupação. O crime e a falta de trabalho batem recordes. Essa angustiante crise não foi produzida apenas pela política econômica do Governo Federal, a qual, no entanto, ajudou a detoná-la; é a confluência de grandes problemas no desenvolvimento econômico e social do País.

O modelo de crescimento brasileiro entre os anos 50 e 70 teve, por um lado, grande sucesso em termos quantitativos; por outro, provocou o inchaço das cidades, ao mesmo tempo em que concentrou os benefícios econômicos em uma parcela da população. As imensas periferias miseráveis, formadas pelos excluídos do chamado milagre econômico, são fruto dessa estratégia de desenvolvimento.

A seguir, a crise inflacionária dos anos 80 fez minguar as expectativas de melhoria salarial para os menos ou nada favorecidos pelo milagre e afetou até os remediados pelos anos de bonança - o salário real cai desde a década de 80. Produziu-se uma geração de brasileiros sem perspectiva de casa, escola e trabalho decentes, mas vivendo nas cidades e informados, principalmente pela televisão, das possibilidades de conforto que dificilmente alcançariam.

Sabemos, Srªs e Srs. Senadores, que o Governo Fernando Henrique Cardoso herdou esses fardos, que se agravaram, ainda mais, diante dos efeitos das políticas macroeconômicas e das exigências globais de competição sobre o mercado de trabalho. Consideramos, entretanto, que a falta de prioridade para políticas sociais ativou de vez o vírus do mal-estar social. A doença se abateu sobre um organismo fragilizado por décadas de indiferença pela sorte dos desvalidos.

Desta vez, as dificuldades econômicas encontraram um ambiente ainda mais degradado. Nos bairros pobres, jovens, embora não só eles, sem preparo escolar, têm cada vez menos chances de encontrar trabalho. A perspectiva de ascensão social é quase nula, e a violência se tornou rotineira e banal - como mostra a multiplicação de chacinas. Os índices de roubos e furtos crescem no descompasso do desemprego. E, nesse ambiente de desespero ou mesmo de cinismo, o tráfico e o consumo de drogas - seja álcool ou crack - disseminaram-se.

O desemprego cresce na média do País, sendo, porém, mais veloz nas camadas jovens, devido, entre outros fatores, à reestruturação do trabalho que passa a exigir mão-de-obra mais qualificada.

Além do desemprego e da baixa escolaridade, há uma série de outros fatores que contribuem para a maior incidência de violência na sociedade. A equação desemprego + baixa escolaridade = violência é verdadeira. Mas o problema é que, além disso, não há políticas públicas, não há espaço, não há lazer, não há nada para os jovens que encontram dificuldades no mercado de trabalho e facilidades no mercado da transgressão.

O índice de desemprego entre jovens de 15 a 17 anos, na Grande São Paulo, chegou em 50%; mais de duas vezes o percentual de dez anos atrás. O resultado é um batalhão de desempregados jovens, de até 24 anos, que chegam, hoje, a 800 mil pessoas, convertendo-se em um dos principais fatores de aumento da criminalidade. Esse contingente de jovens sem ocupação representa metade dos desempregados da região metropolitana de São Paulo, estimados em 1,6 milhão.

As estatísticas indicam que o jovem desempregado e com baixa escolaridade compõe o perfil básico do delinqüente. Mais de dois terços das pessoas com menos de 21 anos presas nem sequer passaram da 4ª série do 1º grau. De um total de 4.245 jovens pesquisados pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, 53% não trabalhavam quando foram presos e 44% estavam no mercado de trabalho informal - aquele que oferece salários e condições de trabalho muito piores do que aqueles proporcionados pelos próprios traficantes.

Em resumo, Sr. Presidente e nobres colegas, a falta de informação, de instrução, de condições de subsistência das famílias, aliada à falta de acesso à escola, à formação profissional, ao lazer, à vida cultural, são fatores condicionantes da exclusão social, da frustração e da violência. A presença do crime organizado, das redes de traficantes e exploradores sexuais, de receptadores, de distribuidores de drogas, com a conivência de parte até da polícia e de membros da elite política e econômica também propicia condições para a prática da própria violência. A chamada “pane” do Estado na sua capacidade de reprimir o crime organizado e de se fazer presente na solução cotidiana dos conflitos e na garantia efetiva dos direitos do cidadão conduz a que as disputas não sejam negociadas e mediadas pela lei e pela tolerância.

Como se vê, Srªs e Srs. Senadores, existem outras causas condicionantes no binômio desemprego versus criminalidade que nada têm a ver com a globalização, a tecnologia e as chamadas questões estruturais. São questões conjunturais, oriundas da incapacidade de o Governo solucionar os problemas sociais.

Em 1983, o País vivia uma recessão grave, o desemprego estava em alta e, coincidentemente, a seca também castigava o Nordeste. Protestos sociais nas cidades degeneraram em quebra-quebras. Uma parte da indignação da sociedade foi politicamente canalizada pelo movimento das Diretas Já. Agora, o País vive um clima de apatia, de desmobilização. Os sinais de tensão, hoje, manifestam-se no incremento da criminalidade. São sinais não de convulsão social, mas da deterioração aguda da qualidade de vida no País; sintomas de uma crise que se manifesta, por ora, de modo apenas irracional, desesperado e violento.

Não quero parecer um “profeta do Apocalipse”. Contudo, não posso omitir-me diante das evidências de que estamos numa situação limite no que se refere ao desemprego e à delinqüência e de que são necessárias iniciativas urgentes e eficazes para a solução do problema que atinge, de uma forma ou de outra, a todos os brasileiros.

Serei breve, conforme invocação do nosso Presidente -- lembro, neste momento, a benevolência do Senador Bernardo Cabral, que me cedeu espaço para falar --, para que possamos ouvir a eminente Senadora Emilia Fernandes, do Rio Grande do Sul. Apenas gostaria de dizer aos Colegas, a fim de que fique consignado nos Anais desta Casa, que as preocupações que carrego em relação a isso, na verdade, campeiam por todo o País, porque o aumento do desemprego, sem dúvida, traz violência, principalmente na faixa etária entre 17 e 24 anos; as estatísticas demonstram isso. O que foi levantado no Estado de São Paulo vale para o País inteiro.

O que isso quer dizer? Que muitos deles não têm acesso às escolas para dar continuidade ao estudo. Há estatísticas que demonstram que 50% dos jovens nessa idade não encontram vaga para estudar, nem local de trabalho. Trata-se de um problema sério que nos preocupa; precisamos buscar caminhos para solucioná-lo. Penso que é nosso dever, em conjunto com o Governo e a sociedade organizada, buscar alternativas.

Sempre tenho pregado a interiorização do desenvolvimento do País, a fim de que haja melhores condições de saúde, educação, trabalho e lazer nas comunidades menores. Segundo levantamentos, o custo social nas pequenas comunidades seria um terço menor do que o previsto nas grandes metrópoles.

Trata-se, desse modo, Sr. Presidente, nobres Colegas, de uma questão profunda. Precisamos envidar todos os esforços para irmos ao encontro desses milhões e milhões de irmãos brasileiros que possuem essas necessidades.

São essas as minhas considerações, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1998 - Página 12914