Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE DISCIPLINAR A ENTRADA DE CAPITAIS EXTERNOS MERAMENTE ESPECULATIVOS.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • NECESSIDADE DE DISCIPLINAR A ENTRADA DE CAPITAIS EXTERNOS MERAMENTE ESPECULATIVOS.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1998 - Página 12880
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • DEFESA, ESTABELECIMENTO, PRAZO, OBRIGATORIEDADE, PERMANENCIA, PAIS, CAPITAL ESTRANGEIRO, CAPITAL ESPECULATIVO, PRESERVAÇÃO, FUNCIONAMENTO, ECONOMIA NACIONAL, INGRESSO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, INCENTIVO, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, EMPRESA MULTINACIONAL, BRASIL, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os capitais externos naturalmente são bem-vindos ao nosso País. E, como se sabe, têm acorrido num ritmo excepcional, influenciando de modo significativo a economia brasileira.

Contudo, como já disse em numerosas oportunidades anteriores, o Brasil não pode ter as suas portas escancaradas para o capital externo especulativo, nem aceitar de bom grado o dinheiro com fins meramente especulativos. Há de se criar um prazo médio, de um ou dois anos, para a faculdade de emigração de capitais aqui internados. Nesse sentido, o Governo Federal já tem acionado algumas providências que frenem a especulação dolarizada, que tantos recentes desastres já provocaram na Ásia.

Pretendo dizer, em decorrência, que são bem-vindas as empresas multinacionais - uma realidade em ritmo de crescimento frenético, que nenhuma força econômica pode mais segurar. Em nosso País, temos os exemplos das montadoras de veículos e de tantas outras fábricas que trouxeram avantajados benefícios à nossa economia. Ainda agora, estamos assistindo ao ingresso de novos bilhões de dólares de empresas multinacionais, de variadas origens, vitoriosas nas concorrências das telecomunicações brasileiras.

Na frente do Brasil, em termos de investimentos estrangeiros, encontra-se apenas - por mais curioso que possa parecer - a China, que uns ainda chamam de China Comunista.

É essa a realidade da globalização, que dá transparência àquele dito popular de que “dinheiro não conhece pátria...”.

Contudo, Sr. Presidente, é preciso que o Brasil se resguarde, com instrumentos legais rigorosos, para não ser mais uma vítima dos abusos que possam ocorrer nesses períodos tão perigosos das transições econômicas.

No último dia 3 de agosto, o jornal O Estado de S. Paulo publicou trechos de estudo levado a efeito pelo economista Maurício Mesquita Moreira, gerente do Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES): vinte e nove por cento das empresas do setor de transformação, em 1980, tinham capital estrangeiro; em 1995, essa proporção subiu para 42%.

No ano de 1980, em 22 setores analisados, as empresas com capital estrangeiro detinham mais de 50% da receita global em apenas dois deles: fumo e indústria automobilística, incluindo autopeças.

Em 1995, companhias com participação de capital externo já eram maioria em oito segmentos. O aludido estudo demonstra que o aumento da presença estrangeira está gerando maior concentração econômica. Também se refere ao fato de que, no setor de fabricação de material elétrico, a fatia das quatro maiores passou de 21% para 86% do total da receita operacional, considerando os dados do Imposto de Renda da pessoa jurídica pesquisados. “A concentração aumentou mais justamente nos setores em que a presença de capital estrangeiro cresceu mais”, observa o economista do BNDES.

Em alimentos e bebidas, por exemplo, a participação das empresas com presença de capital estrangeiro passou de 16% para 29% nas vendas totais, quase dobrando entre 1980 e 1995. A concentração na área de alimentos congelados aumentou 41% no mesmo período, passando de 57% do total para 81% entre 1978 e 1995.

No setor de máquinas e equipamentos, a participação estrangeira saltou de 40% para 62% do total entre 1978 e 1995. Entre 1980 e 1995, o grau de concentração no setor (considerando o faturamento das quatro maiores) passou de 24% para 53%.

E veja-se que estou citando um dos dirigentes do BNDES, que tanto tem colaborado, em empréstimos, para a consolidação das multinacionais em nosso País. Diz mais na citada entrevista, entre outras considerações, o economista Maurício Mesquita Moreira, ante a evidência do crescimento da desnacionalização da indústria brasileira:

     “Por si só a desnacionalização não pode ser vista como positiva”, pondera Moreira. “Esse crescimento significa que as empresas nacionais perderam mercado”, explica, acrescentando que “essa é uma tendência de difícil reversão.”

Entra aí, Sr. Presidente, mais um motivo dos meus receios. A desnacionalização do nosso parque industrial parecia óbvia, e perigosa a constatação de que a tendência desnacionalizante é de difícil reversão.

São conhecidos os investimentos maciços de multinacionais na França e na Inglaterra e, mais recentemente, os aplicados na China, a que se seguirão os que provavelmente serão aplicados na Rússia e demais países de sua Federação. Em nenhum instante, contudo, ocorreu o risco de desnacionalização dos parques industriais nessas nações. Isso porque, com exceção da Rússia entre os citados, seus governos criaram mecanismos rigorosos de fiscalização e controle das atividades multinacionais.

Para citar um exemplo singelo: o Banco do Brasil, em Londres, teve de alterar a sua estrutura jurídica para ali instalar-se. Não pode aceitar depósitos inferiores a uma determinada quantia - elevadíssima para os nossos padrões -, depósitos estes que, em vez de receberem juros, pagam mensalmente uma taxa de manutenção. O nosso Banco do Brasil multinacional de Londres é obrigado a contratar determinado percentual de funcionários de origem britânica, entre outras obrigações que são do meu conhecimento. Foi esse o modo encontrado pela Inglaterra para impedir a perigosa concorrência dos bancos estrangeiros.

Entre nós, pelo que a imprensa publicou nesses últimos dias, os novos donos estrangeiros de uma das telefônicas arrematadas em leilão apressaram-se em desmentir os rumores otimistas de que abririam para brasileiros milhares de novas vagas de emprego. Adiantaram que, nesse início de atividades, trariam de seus países os técnicos necessários para a implantação das novas regras...

Em abril último, a imprensa noticiou que o Ministério da Indústria, Comércio e Turismo suspendera as importações de automóveis com tarifas reduzidas em 50% da Asia Motors. A empresa coreana importara US$140 milhões, beneficiando-se da redução de até 90% das tarifas de importação de autopeças, matérias-primas e veículos. Tais isenções lhe foram concedidas, em agosto de 1997, porque a Asia Motors prometera investir US$700 milhões em sua planejada fábrica em Camaçari, em contrapartida aos incentivos. Resultado: embolsou os incentivos e nem sequer havia dado início às obras prometidas.

Em maio deste ano, fiz requerimento de informações ao Ministro da Indústria, do Comércio e do Turismo - ainda não respondido, embora já esgotado o prazo constitucional -, indagando sobre as informações que também atribuíam à montadora Ford o descumprimento das regras do regime na importação de 30 mil veículos no ano passado.

Igualmente questionei, em defesa de consumidores espoliados: “Há notícias de que a Ford e outras montadoras obrigam os seus revendedores a utilizar as carretas (“cegonhas”) da sua escolha, pelo custo por elas arbitrados, para o transporte dos seus veículos das fábricas às cidades onde se sediam os revendedores, quando outros transportadores se proporiam a realizar o mesmo transporte por um terço do preço. O Poder Executivo brasileiro está a par desse processo?”

No dramático episódio dos remédios falsificados, saídos da fábrica da Schering em São Paulo, viu-se que se descobriu a ponta de um iceberg, mas muito falta para se ir ao cerne do problema.

Agora, mais recentemente, é a BMW do Brasil que passou a freqüentar as páginas policiais dos jornais, recebendo em suas instalações, em São Paulo, uma tropa de elite da Receita Federal, como registra a revista Veja de 5 do corrente mês, para “fuçar o que está por trás da troca de chumbo entre o ex-presidente da empresa Michael Turwitt e a atual diretoria. As acusações são cabeludas. Vão do suborno à lavagem de dinheiro.”

A revista Exame de 29 de julho passado, a seu turno, tem como matéria principal o affaire BMW, registrando na capa, entre outras apreciações, o seguinte destaque: “Demissão de um presidente, acusações mútuas, suspeitas graves, processos na Justiça, operações obscuras, vendas em queda - a BMW do Brasil, nos últimos tempos, vem vivendo dias amargos.”

Vejam V. Exªs que isso ocorre com uma das mais prestigiadas empresas germânicas do mundo, cujos dirigentes, no Brasil, vieram da Alemanha e, por conseguinte, merecedores da confiança dos fabricantes.

Na verdade, muitas das multinacionais que ampliam suas riquezas em nosso País não se preocupam sequer em disfarçar sua prepotência. Aqui praticam ações e abusos, habitualmente intoleráveis, que não ousariam praticar em suas matrizes ou em outras nações que sabem se resguardar.

Em boa hora, o Brasil criou órgãos como a Agência Nacional de Telecomunicações, a Agência Nacional de Energia Elétrica e a Agência Nacional de Petróleo, preparando-se, assim, para enfrentar, com rígido controle, inclusive as investidas do dinheiro forte vindo do exterior.

No setor de remédios e medicações, sob o impacto do incrível escândalo que ainda o envolve, o Ministério da Saúde avança nas tratativas para também criar o órgão que possa controlá-lo.

E pergunto-me: e os demais segmentos onde atuam as diferentes multinacionais? Continuarão livres, processando suas negociações e prepotências como se estivessem na “casa da mãe Joana”?

Parece claro, Sr. Presidente, que o nosso País continua despreparado para enfrentar a inesperada “fúria invasiva” do capital externo e das multinacionais. Precisamos ter órgãos fiscalizadores destinados especificamente a essas tarefas de controle do dinheiro que ingressa em nosso País e que acompanhem, pari passu, o processo de sua utilização. Que, através do direito comparado, pesquisem as legislações de outros países, sugerindo ao nosso Governo os instrumentos legais que nos permitam adotar regras, em matéria de aportes de investimentos externos, iguais às daqueles que as impõem em seus territórios aos estrangeiros que neles querem investir. Se já existirem órgãos ou instituições vinculados ao setor, que se lhes dêem maiores poderes para atuar de modo mais efetivo e eficiente.

Nesta oportunidade, Sr. Presidente, solicito que o texto deste meu discurso, ao qual junto o aludido requerimento de informações sobre a montadora Ford - até hoje não respondido -, seja encaminhado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), à Secretaria de Direito Econômico (SDE) e à Comissão de Fiscalização e Controle desta Casa.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouço o eminente Senador Lauro Campos.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senador Edison Lobão, ao escutar o discurso de V. Exª, convenci-me ainda mais de que a verdade é suprapartidária. Solicitei este aparte apenas para pedir vênia a V. Exª para publicar e distribuir entre os companheiros de meu Partido esse trabalho que V. Exª apresenta, com uma crítica tão consciente à presença, muitas vezes indesejável, do capital estrangeiro no nosso Brasil. Penso que as informações que V. Exª aporta em seu discurso são realmente muito importantes, no sentido de que a Oposição as utilize para melhor conscientizar os eleitores neste momento em que se aproximam as eleições. Muito obrigado.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Tem V. Exª a minha autorização plena e até me homenageia com esse gesto. Repito a primeira frase do início do meu discurso: os capitais externos são naturalmente bem-vindos em nosso País, porém, com as ressalvas que aqui incluo. Não podemos permitir que as multinacionais dominem a nossa economia da maneira que bem entenderem. Temos que exercer controle sobre o capital externo que aqui chega.

Agradeço o aparte de V. Exª.

Tenho esperanças, Sr. Presidente, de que, nesses órgãos que acabei de mencionar, o estudo de tais problemas possa ser aprofundado e que sejam encontradas soluções, até aqui não encontradas, que freiem as atividades multinacionais que vão de encontro aos interesses brasileiros.

Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1998 - Página 12880