Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AS MEDIDAS ANUNCIADAS PELO GOVERNO FEDERAL CONTRA O DESEMPREGO.

Autor
José Eduardo Dutra (PT - Partido dos Trabalhadores/SE)
Nome completo: José Eduardo de Barros Dutra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. POLITICA DE EMPREGO.:
  • COMENTARIOS AS MEDIDAS ANUNCIADAS PELO GOVERNO FEDERAL CONTRA O DESEMPREGO.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/1998 - Página 12921
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. POLITICA DE EMPREGO.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA DE EMPREGO, GOVERNO, OBJETIVO, CAMPANHA ELEITORAL, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, REPETIÇÃO, MATERIA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, AUSENCIA, RELAÇÃO, DESEMPREGO.
  • CRITICA, GOVERNO, FALTA, ATENÇÃO, REDUÇÃO, JUROS, OBJETIVO, REFORÇO, PEQUENA EMPRESA, MICROEMPRESA, CRIAÇÃO, EMPREGO.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, PRESTAÇÃO DE CONTAS, GOVERNO, RECURSOS, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER).

O SR. JOSÉ EDUARDO DUTRA (Bloco/PT-SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Marina Silva, Srªs e Srs. Senadores, na semana passada o Governo Federal divulgou, com toda pompa e circunstância, o que foi denominado “pacote contra o desemprego”. Naturalmente, o objetivo único desse pacote foi criar uma cortina de fumaça, porque, na mesma ocasião, nosso candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentaria o seu programa relativo ao emprego.

Por enquanto, o pacote do Governo Federal contra o desemprego resume-se a uma medida provisória.

Foi anunciada uma coletânea de medidas provisórias, projetos de lei e propostas de emenda à Constituição que, na maioria, não têm absolutamente nada a ver com geração de empregos.

Vou tecer alguns rápidos comentários sobre essas medidas, mas antes gostaria de dizer que os pontos anunciados têm nossa concordância.

O que nos surpreende é que alguns deles já são objeto de projetos de lei ou de propostas de emendas à Constituição que estão tramitando nesta Casa. O pacote trata de questões que não têm nada a ver com a geração de emprego, repito. Por exemplo, está tramitando no Senado Federal um projeto de lei sobre Imposto Sindical, o qual veio da Câmara dos Deputados e foi relatado pela Senadora Marina Silva, que ora ocupa a Presidência. O projeto trata da extinção paulatina do Imposto Sindical em três anos, se não me engano. A Senadora Marina Silva apresentou parecer propondo a extinção imediata, mas a Comissão de Assuntos Sociais o rejeitou, acompanhando os votos dos Senadores da base governista. Lembro-me de que à época alertei-os para o fato de que estavam votando contra naquela ocasião, mas, em breve, quando o Governo mandasse um projeto nesse sentido, iriam votar a favor. Por tratar-se de projeto relatado pela Senadora Marina Silva votaram contra. Depois, quando vier o projeto do Governo, votarão a favor.

Outro exemplo é o fim da unicidade. Apresentei uma proposta de emenda à Constituição que acaba com a unicidade sindical, mas ela está em tramitação na CCJ desde 1996. Nesse caso, inclusive, há divergência no Bloco de Oposição porque temos posição diferente da do PDT. O nosso Partido desde a elaboração da Constituição vem discutindo o fim da unicidade sindical obrigatória, porque dispomos de elementos que mostram que, na verdade, a dita unicidade sindical existente no Brasil contribui apenas para a pulverização dos sindicatos. Na Alemanha, onde não é obrigatória a unicidade sindical obrigatória, existem apenas 18 sindicatos nacionais; no Brasil, onde há unicidade sindical, existem 20 mil sindicatos. Nosso sistema de sindicatos por categorias, muitas vezes, possibilita o fracionamento das unidades sindicais.

Volto a dizer que esses são os dois pontos apresentados como medidas para criar empregos, mas nada têm a ver com a geração de emprego. Nessa classificação também podem ser consideradas algumas medidas que visam tirar da CLT alguns aspectos que ficaram defasados com a Constituição de 1988. Havia, particularmente, dispositivos que permitiam ao Ministério do Trabalho interferir na eleição dos sindicatos, definir a constituição da chapa e outras coisas. Esses artigos da CLT já não estavam vigendo, mas foram incluídos no pacote contra o desemprego.

Agora será introduzido o instituto de advertência às empresas. Atualmente quando um fiscal do trabalho constata que os direitos trabalhistas estão sendo desrespeitados, a empresa é multada. Com a proposta, essa multa será trocada por uma advertência. Gostaria de saber qual o componente que poderá advir da advertência e influirá na geração de empregos. Muito pelo contrário, penso que esse novo dispositivo incentivará as empresas a desrespeitarem ainda mais os direitos dos trabalhadores.

Vamos analisar outros pontos que eles asseguram que vão gerar emprego. Um, parece-me, vem por projeto de lei. Trata-se da instituição da demissão voluntária. Realmente me surpreendo com a capacidade criativa de nossos tecnocratas.

Em vez de se preocupar com as pessoas que estão desempregadas - sabemos que não há uma política objetivando proporcionar emprego a essas pessoas -, o Governo se preocupa em facilitar a demissão daqueles que estão empregados. Vem ainda com a balela de que a demissão é temporária, de que durante esse período o trabalhador receberá o seguro desemprego e poderá reciclar seus conhecimentos.

Para um trabalhador que esteja trabalhando, a possibilidade de ficar desempregado temporariamente é pior que a demissão definitiva, porque neste caso, ele, pelo menos, recebe o Fundo de Garantia e fica com a Carteira de Trabalho liberada para assumir outro emprego, se encontrar. Segundo a proposta do Governo, o empregado não receberá salário, e sim o seguro desemprego, o qual receberia, da mesma forma, se tivesse sido demitido. Não receberá o FGTS nem a multa dos 40% sobre o valor deste em decorrência da demissão.

Na realidade, o único efeito prático que produzirá essa medida contra o desemprego serão os dados estatísticos: “Fulano de Tal não está desempregado; ele está temporariamente demitido. Como seu vínculo empregatício foi mantido, estatisticamente, ele não será computado para efeito de desemprego. Naturalmente, esse é um aspecto criativo dessa nova proposta porque vai reduzir não o desemprego real, mas os índices de desemprego que aparecerão nas estatísticas do Governo.

Seria melhor adotar a sugestão de um leitor, se não me engano, da Folha de S.Paulo. O Governo criou o contrato temporário de trabalho e, agora, quer discutir a demissão temporária. O leitor sugere que se faça a vida temporária, isto é, toda vez que houver um problema na economia, congelam-se o trabalhador e os seus familiares, que ficarão congelados até que os nossos economistas, tecnocratas e políticos encontrem solução para o problema. Essa sugestão está de acordo com o espírito dessa proposta do Governo.

Até agora, de concreto, há a Medida Provisória nº 1.709, que cria o chamado trabalho em regime de tempo parcial. O Governo não quer optar por fórmulas simples que obtiveram sucesso em outros países, como a redução da jornada de trabalho sem redução salarial. Para o Governo, a taxa de juros que é a segunda maior do mundo e que está provocando a quebradeira de pequenas, médias e microempresas, responsáveis pela geração de mais de 60% do emprego no Brasil, não é assunto a ser abordado. O Governo não se preocupa com a abertura dos portos às nações amigas sem qualquer controle, como está acontecendo, com a substituição de postos de trabalho no Brasil por outros na Argentina, nos Estados Unidos ou em outros países. Com esses aspectos o Governo não se preocupa; mas vem com a proposta de jornada parcial de trabalho, a qual até teria uma certa justificativa em regimes de crise de emprego, se utilizada exclusivamente em alguns setores particulares da economia ou da sociedade, com o intuito de, por exemplo, possibilitar o primeiro emprego ao jovem ou ao trabalhador de terceira idade.

No entanto, implantar, de forma generalizada no País, esse regime de jornada parcial fará com que as empresas tendam a substituir os empregados mais “caros” pelos mais “baratos”, até porque se sabe muito bem que as empresas dispõem de artifícios de coerção sobre os trabalhadores, fazendo com que tenham oficialmente uma jornada de cinco horas diárias, embora na prática trabalhem oito horas por dia, e recebendo um salário menor.

De outra parte, à medida que o poder aquisitivo do trabalhador diminui, são afetadas também a produção, a venda e o consumo de produtos, em particular os tradicionalmente consumidos pela massa trabalhadora, provocando efeitos recessivos sobre a economia e continuando a aprofundar o processo de dificuldade de geração de emprego no nosso País, com o que se acaba caindo em um círculo vicioso.

Ora, por que o Presidente, que gosta tanto de imitar os socialismos europeus, não adota uma proposta semelhante à introduzida na França pelo Primeiro-Ministro Lionel Jospin, que introduziu estímulos fiscais e previdenciários para empregadores que reduzissem a jornada de trabalho sem redução de salários e, em contrapartida, gerassem novos empregos? Poderia ter feito isso, mas também optou por não fazê-lo. Além disso, agora, o Governo acena com a modificação da Medida Provisória, estabelecendo que os sindicatos passariam a intermediar o processo de negociação. Realmente, o conceito de livre negociação que o Governo tem é muito estranho. Quando é para possibilitar a negociação que visa à flexibilização de direitos, os sindicatos são livres para estabelecer esse processo de negociação; porém, quando é para o processo de negociação garantir conquistas, está proibida a participação dessas entidades, como, por exemplo, na Medida Provisória nº 1.620, já na sua 38ª reedição, que dispõe sobre as medidas complementares ao Plano Real - a chamada MP da desindexação. Essa Medida Provisória proíbe taxativamente, em acordos, convenções ou sentenças normativas, a estipulação ou fixação de cláusulas de reajustes ou correção salarial automática vinculada a índices de preços . Isto quer dizer que, quando há a possibilidade de os sindicatos negociarem livremente com seus patrões conquistas ou garantias do poder aquisitivo, eles estão proibidos, porque isso afetaria o Plano Real. Entretanto, repito, quando se discute flexibilização ou diminuição de direitos, o Governo acena como a “grande vantagem” de a MP agora condicionar a implantação da jornada parcial de trabalho à exclusiva concordância dos sindicatos.

Na verdade, vimos que esse pacote, como tantas outras medidas provisórias lançadas, não passa de uma jogada de marketing pré-eleitoral, porque, de concreto, não tem qualquer eficácia no combate ao desemprego. O certo é que só geraremos emprego a partir do momento em que se retome o crescimento da economia, se reduza a taxa de juros e as prioridades sejam invertidas. O Governo, até agora, tem os bancos como prioridade absoluta. Ao tempo do Proer, o Executivo dizia que aquele dinheiro não era público, mas do fundo compulsório dos bancos e que, portanto, a eles pertencia. Assim, não existiria influência sobre o déficit público, sobre a geração de emprego e a economia.

A revista IstoÉ, em reportagem recente, noticia que o calote do Proer é de R$10 bilhões, e, até agora, o Governo não deu resposta convincente a isso. Pelo contrário, vetou o artigo, aprovado por consenso na LDO, onde se estabeleceu que o Executivo prestaria contas ao Congresso Nacional desse dinheiro. Assim, vetaram um artigo aprovado por acordo de Lideranças no Congresso Nacional, numa demonstração de que, com relação ao Proer, o Governo continua não querendo prestar contas desses recursos para o Poder Legislativo, talvez porque tenha medo de que, realmente, a partir do momento em que tivermos acesso às tabelas, aos números reais desse chamado Proer - em que o Governo insistia em dizer que não havia sido empregado dinheiro público -, comprovemos que, na verdade, todas as afirmações do Governo são uma balela.

O fato é que as medidas adotadas pelo Governo não terão efeito positivo sobre as taxas de emprego; continuam a adotar medidas paliativas. Lembramos aqui o caso do chamado contrato temporário de trabalho, em que o Governo fez um enorme escarcéu para conseguir aprovação no Senado e na Câmara dos Deputados, dizendo que iria gerar milhares de empregos e que seria uma grande solução. Agora, os próprios dados do Ministério do Trabalho comprovam exatamente aquilo que dizíamos quando encaminhamos contra o contrato temporário de trabalho: em cinco meses de vigência do contrato temporário de trabalho, foram criados, em todo o Brasil, 2900 empregos, ou seja, uma média de pouco mais de 500 empregos por mês em todo o Brasil. Este, o resultado do famoso contrato temporário de trabalho.

Na verdade, o Governo continua tomando medidas que colocam sobre as costas do trabalhador o ônus de pagar a conta da recessão, de ter que continuar aceitando a diminuição de seus direitos, a redução de salários e medidas que venham a atacar os seus direitos de cidadania, duramente conquistados ao longo dos anos. Daqui a pouco o Governo ainda vai querer que seja cantada pelos trabalhadores aquela música de Chico Buarque:

“Por esse pão pra comer,

por esse chão pra dormir,

a certidão pra nascer,

a concessão pra sorrir,

por me deixar respirar,

por me deixar existir,

Deus lhe pague.”

Como Chico Buarque continua com a sua crítica social, o Presidente da República não gosta mais de Chico, que já o apoiou em outras campanhas - pelo menos gosta de Caetano e de Gil, ainda está com um bom gosto musical. O que temo é que, se o gosto musical do Presidente continuar seguindo a mesma evolução da sua postura política, daqui a dois meses, Sua Excelência estará gostando mesmo é de Dom e Ravel , cantando “Este é um País que vai para a frente”.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/1998 - Página 12921