Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM DE PESAR PELO ANIVERSARIO DA MORTE DE BETINHO. COMENTARIOS SOBRE O SEU TRABALHO REALIZADO NA CAMPANHA DE COMBATE A FOME E A MISERIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA SOCIAL DO GOVERNO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM DE PESAR PELO ANIVERSARIO DA MORTE DE BETINHO. COMENTARIOS SOBRE O SEU TRABALHO REALIZADO NA CAMPANHA DE COMBATE A FOME E A MISERIA. CONSIDERAÇÕES SOBRE A POLITICA SOCIAL DO GOVERNO.
Aparteantes
Edison Lobão.
Publicação
Publicação no DSF de 14/08/1998 - Página 12959
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL. HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, PROBLEMA, FOME, BRASIL, INSUFICIENCIA, INVESTIMENTO, GOVERNO, POLITICA SOCIAL.
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE MORTE, HERBERT DE SOUZA, SOCIOLOGO, OPORTUNIDADE, DEFESA, CONTINUAÇÃO, CAMPANHA, COMBATE, FOME, MISERIA.
  • QUESTIONAMENTO, DADOS, ESTATISTICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, RELAÇÃO, MISERIA, DESEMPREGO, REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • COMENTARIO, EFICACIA, IMPLANTAÇÃO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), PROGRAMA, BOLSA DE ESTUDO, PAGAMENTO, SALARIO MINIMO, FAMILIA, MANUTENÇÃO, FILHO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há mais de um ano estamos sem a presença do guerreiro Betinho na sua Campanha de Combate à Fome e à Miséria. Mas os seus ideais ficaram em nossos corações, em nossas mentes e em nossa vontade política.

Betinho sempre administrou com muita competência - apartidário - essa questão, reunindo todas as tendências políticas e pessoas e entidades comprometidas com o ser humano para somar à Campanha de Combate à Fome e à Miséria. Fome a que assistimos ainda em nosso País; fome que representa uma das grandes tragédias brasileiras; fome que se identifica com uma guerra, estando apenas camuflada, porque não é um instrumento bélico; fome que mantém o estômago e a mente das pessoas vazios.

Sr. Presidente, nesse contexto temos um milhão de crianças desnutridas, o que significa um retardo tanto no crescimento quanto no seu desenvolvimento mental, além do agravante de ainda adquirirem outras enfermidades. Sem alimento não há saúde. Um boa alimentação é o elemento essencial para a preservação da saúde. Vemos que os chamados países desenvolvidos estão alimentando o seu povo. Não podemos nos considerar um país desenvolvido; estamos em desenvolvimento, porque ainda há fome e miséria em nosso País. O Brasil investe pouco no capital humano; o País possui 16 milhões de pessoas absolutamente analfabetas. Já que está em moda copiar, nesse processo de globalização que vivemos, por que não copiamos os exemplos de países que investem alto na educação para atingir uma alta produção, com qualidade? Mas não, fazemos diferente; no entanto, queremos ser uma grande potência - e até estamos colocados entre as grandes potências.

Mas, Sr. Presidente, as autoridades econômicas do nosso País não acertam; não acertaram com o produto arrecadado com as privatizações, havendo uma oscilação entre pagar parte da dívida externa e o equilíbrio do déficit público. Chegamos até a levar um “puxão de orelhas” do FMI, no sentido de um maior incentivo na área social. Imaginem V. Exªs, investir no social para o FMI é uma coisa inacreditável! Mas acontece que ele também quer receber o seu, ele quer ter uma comunidade produtiva, consumidora; ele quer que esse grande segmento de miseráveis possa estar, não só produzindo, mas também consumindo e ajudando a aquecer e engordar a economia brasileira. Mas é óbvio! Não é apenas com olhar social, mas é o olhar econômico, é o olhar social da economia, do crescimento.

O meu Estado, o Rio de Janeiro, que possui 12 milhões e 800 mil habitantes, vive esse empobrecimento dramático. Também existe fome no Estado do Rio de Janeiro: 66% da população recebe até um salário mínimo; e temos miseráveis, sem renda alguma. 

No Estado do Rio de Janeiro temos dois milhões e meio de estudantes no pré e no primeiro grau e um milhão e duzentos e cinqüenta mil no segundo grau; só aí vamos perceber, pela potência do Estado do Rio de Janeiro, que há, na verdade, um déficit muito grande.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna para prestar mais uma vez a minha homenagem ao Betinho e assumir esse compromisso que todos temos de combater a fome, a miséria no nosso País, mas não podemos deixar de ressaltar que não pode ser apenas uma peça publicitária, que não pode ser apenas no momento de campanha eleitoral. Ontem, vi aqui, até por iniciativa do Senador Eduardo Suplicy, a conferência internacional sobre a questão da renda mínima. Ao término dessa conferência, ouvimos as palavras do nosso Ministro Pedro Malan. Eu estava em um outro país quando ouvi as últimas palavras dele, e por isso estou fazendo esse pronunciamento hoje. Seria diferente o meu pronunciamento se não tivesse ouvido, ontem, o Ministro Pedro Malan, quando S. Exª colocou que estamos reduzindo, mas num processo acelerado, a taxa de analfabetismo. Tenho os dados oficiais que comprovam o número de analfabetos neste País. Ouço, também na própria conferência, alguém dizer que os maiores investimentos sociais dentro da América Latina estão sendo feitos pelo Brasil. E constato que o meu Estado, que era o segundo maior contribuinte no PIB, está convivendo com miséria, com trabalho infantil, com degradação dos seres humanos, com o analfabetismo, com falta de oportunidade, e ouço aqui o nosso Ministro dizer que estamos baixando. Estamos até investindo, mas penso que alguém está equivocado aí nos números, porque há desemprego. Já ouvimos o nosso Presidente dizer que não há desemprego no meu Estado, mas lá estou há 56 anos e conheço todos os municípios, sei das suas dificuldades. Se fosse colocar aqui, não seria uma plataforma de governo. Poderia colocar as dificuldades do Estado do Rio de Janeiro, bem como as soluções. Uma delas seria os investimentos que foram prometidos com relação às privatizações que foram feitas.

O Sr. Edison Lobão (PFL-AM) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Edison Lobão.

O Sr. Edison Lobão (PFL-AM) - Senadora Benedita da Silva, louvo suas preocupações para com este problema social que ainda, de fato, é grave em nosso País. Louvo também a lembrança que faz V. Exª da luta na campanha da ação dinâmica do Betinho; ele merece essa homenagem que V. Exª, no plenário do Senado, faz a sua memória. Quanto às taxas de analfabetismo no Brasil, devo dizer que o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso tem tido uma atuação intensa e fecunda no setor da educação. Temos agora cerca de 95% de todas as nossas crianças nas escolas, dado que não era este no passado recente; 95% das crianças, em idade escolar, estão nas escolas, graças à política do Governo Federal, no sentido até de incentivar as prefeituras com recursos federais, que são destinados ao pagamento dos professores, o que melhorou significativamente o salário dos professores do Brasil inteiro. Já não temos mais, nas prefeituras, professores ganhando R$20,00, R$12,00, R$15,00, R$30,00 por mês, mas sim R$150,00, R$300,00, R$500,00. Há um município do meu Estado, que não é dos maiores, em que o menor salário do professor, no município, é de R$500,00. Isso tudo fez com que a criança fosse para a escola. Foram abertas novas salas de aula, além da merenda escolar, que é também um estímulo. Por conseguinte, não vejo que estejam erradas as declarações, as informações do Ministro Malan e nem as do Ministro da Educação do Governo Federal, de um modo geral, no que diz respeito à queda do índice de analfabetismo em nosso País.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Senador Lobão, agradeço o seu aparte e o incorporo ao meu pronunciamento, para que tenhamos a oportunidade de, no seu aparte e nas minhas argumentações com relação ao déficit nesta área, podermos fazer uma comparação. Parece-me que o Estado de V. Exª é altamente privilegiado, porque, no Estado do Rio de Janeiro, aproximadamente um milhão de crianças estão deixando de ir às escolas, porque não há vaga.

Quero dizer que há um investimento do Governo. No entanto, o investimento que o Governo está fazendo - e aqui faço justiça -, não é compatível com os compromissos, com as promessas e muito menos com o orçamento, porque a justificativa para as privatizações foi a de retorno social imediato.

Depois de todo esse processo alinhavado, estamos assistindo a quase um contraditório: Não, temos que pagar a dívida externa, parte dela, e temos que equilibrar o déficit público.

Estou falando de pessoas, de seres humanos, de um processo que o Governo Federal inicia - cuja paternidade não quero aqui discutir -, que é a bolsa-escola. Quero dizer que é bem-vinda qualquer iniciativa nesse sentido. Não importa a sigla partidária do governo, pois qualquer governo que assuma a paternidade ou a maternidade do projeto - porque não existe filho sem mãe -, qualquer governo que faça com que as crianças estejam na escola e não sejam miseráveis será bem-vindo.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Permita-me fazer mais uma ligeira interferência em seu discurso, Senadora, para dizer que os dados que mencionei não se referem exatamente ao Maranhão, exceto naquilo a que me referi; ou seja, a um município que paga R$500,00 às suas professoras. V. Exª, que pertence ao PT moderado, não deve usar esse tipo de informações negativas, que não correspondem à realidade no que se refere ao esforço que o Governo está fazendo no setor de educação. Está à vista de todos que o País melhorou sensivelmente nesse período do Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Todos nós, neste plenário, ou muitos de nós, parlamentares, também no plenário da Câmara, a imprensa, temos elogiado o trabalho do Ministro da Educação, o que demonstra que S. Exª está no caminho correto, está aplicando os recursos que a Constituição Federal defere ao setor da educação. A meu ver, o que devemos fazer é estimular o Governo, reconhecendo o que tem feito, reconhecendo o seu trabalho e estimulá-lo a fazer mais ainda e não negar aquilo que está à vista de todos.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Mais uma vez, quero incorporar o aparte de V. Exª ao meu discurso, até porque ele está muito interessante. Parece que estamos num outro espaço, num espaço diferente. Quando V. Exª argumenta que pertenço a uma ala moderada do meu Partido, devo dizer que não existe essa questão de ala mais moderada ou menos moderada. Eu sou do Partido dos Trabalhadores que tem uma proposta real e concreta, e que está aplicando essa proposta. Inclusive, temos exemplo no próprio DF do que significa uma educação de qualidade, que tem ajudado a tirar as crianças de rua da marginalidade, de um processo a que estão condenadas involuntariamente.

Tenho certeza, Senador Edison Lobão, de que o Governo Federal tomou algumas iniciativas. Não sou negativista. Tenho vindo a esta tribuna para elogiar o Presidente da República quando Sua Excelência acerta, mas também o tenho criticado quando erra.

Não é negativismo apresentar a realidade. Se há algum erro, este não é meu. Os dados que apresentei são do IBGE. Dessa forma, o Governo precisaria estar atento, porque o IBGE poderia estar divulgando dados falsos. Não quero me basear apenas na minha ideologia ou nas palavras e programas do meu Partido, mas também na realidade oficial que está sendo divulgada.

Senador Edison Lobão, V. Exª peca, porque até o Presidente da República já se pronunciou - no momento, não me lembro precisamente em que data - no sentido de que é preciso investir muito mais. Neste momento, estou apenas me referindo à educação de primeiro e segundo graus. Não estou nem sequer abordando o que está acontecendo hoje nas universidades. Não estou falando de um fato particular ocorrido no Estado do Rio de Janeiro. Citei alguns dados como exemplo, porque, sendo do Rio de Janeiro, eu estaria sendo incoerente se, ao abordar essa questão geral, ao falar da Campanha de Combate à Fome e à Miséria, que é a Campanha Ação da Cidadania, não me reportasse a essa questão do estudo. Na verdade, houve uma conferência internacional, em que se falou a respeito de um projeto que considero interessante, que está sendo aplicado também pelo Governo Federal, mas não como o Senador Eduardo Suplicy o abordou no seu projeto inicial.

Estou dizendo que algumas iniciativas do Governo são positivas, mas tenho o papel, como representante dos interesses do Estado do Rio de Janeiro e, por que não dizer, da Nação brasileira, de, no Senado Federal, fazer esses questionamentos e criticar. Quero que o Governo acerte sempre, para que eu não tenha que vir à tribuna para criticá-lo. Mas, longe de ser uma crítica destrutiva, esta é uma crítica construtiva, e V. Exª há de conferir isso no final desta minha intervenção.

Ao concluir o meu pronunciamento, quero dizer que, hoje, há um modelo reconhecido pelo Unicef, que é o Programa Bolsa-Escola. Aqui no Distrito Federal - estes dados não são mais do IBGE, mas do próprio Distrito Federal -, o Governo gasta menos de 1% do seu orçamento no programa Bolsa-Escola, que está tirando das ruas, do submundo, milhões de crianças até agora condenadas injustamente a viverem da sobra social e do lixo das cidades.

V. Exª é do Nordeste e, como eu, conhece essa realidade. A pobreza é igual em qualquer lugar. No Rio de Janeiro, ocorrem as maiores injustiças, e as pessoas ainda dormem com fome e não acham emprego.

O maior investimento que se poderia fazer, no sentido de acabar ou de, pelo menos, minorar o drama da população que sobrevive nas ruas, seria exatamente a ampliação dessas iniciativas tomadas por parte do Governo com relação à renda mínima ou à bolsa-escola. Só assim, acredito que haverá oportunidades iguais.

Eu gostaria de concluir dizendo que, em verdade, lugar de criança em Estado decente, com Governo decente e elite também decente é na escola e não na prostituição, no crime, na escravidão e no vício. O Rio de Janeiro tarda em deixar de ser uma enorme fábrica de mendigos, encarada com indignação e tristeza por alguns e com uma pesada carga de preconceito por tantos outros.

Sem saúde e educação, como alcançar a dignidade e a cidadania? Eis, pois, a questão crucial que nos envolve: incluir o pobre na agenda política, antes de tudo, é tornar visível a questão social e reconhecê-la como um problema prioritário. Vencer esse quadro pressupõe, antes de mais nada, superar o patamar retórico do “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Para tanto, há que estimular, na sociedade e no Estado, um tipo de igualdade que fala mais alto exatamente por sua dimensão prática, concreta: a de oportunidades. A educação e a nutrição constituem, sem dúvida, os instrumentos com que conta o nosso Estado para a realização do verdadeiro progresso, com justiça social.

Que a luta em defesa da cidadania não seja apenas retórica, não seja apenas formal! Devemos ser capazes de romper a estrutura assimétrica da nossa sociedade, pela via da igualdade de tratamento e de oportunidades.

Obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/08/1998 - Página 12959