Discurso no Senado Federal

ANALISE DAS CAUSAS E DAS CONSEQUENCIAS DA POBREZA NO BRASIL.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • ANALISE DAS CAUSAS E DAS CONSEQUENCIAS DA POBREZA NO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/1998 - Página 13302
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, DESIGUALDADE SOCIAL, MISERIA, BRASIL, REGISTRO, RESTABELECIMENTO, DEMOCRACIA, EFEITO, REFORÇO, CIDADANIA.
  • ELOGIO, PROGRAMA COMUNIDADE SOLIDARIA, PARCERIA, SOCIEDADE, ESTADO, ANALISE, ATUAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, INCENTIVO, MULTIPLICAÇÃO, INICIATIVA, AMBITO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REFORÇO, SOCIEDADE CIVIL, AUMENTO, DIALOGO, POLITICA, DETALHAMENTO, PROGRAMA.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o drama da pobreza, no Brasil, representa uma realidade trágica cujas raízes situam-se nos primórdios de nossa história e cuja solução parece continuamente escapar aos esforços que empreendemos, enquanto sociedade, na tentativa de enfrentá-lo. A exclusão social é um legado histórico secular que entranha a vida do País, por todo o nosso território, e acarreta nossos escandalosos índices de desigualdade social, situados entre os mais altos do mundo.

           É bem certo que a existência de segmentos populacionais desprovidos dos níveis mínimos de renda necessários para assegurar o essencial à sua sobrevivência é uma realidade que atinge a vasta maioria das nações, não apenas no Hemisfério Sul, mas também na outra metade do globo terrestre. Aqui, no entanto, o contingente de compatriotas que vive nessa circunstância aviltante tem dimensão intolerável, situação que repugna profundamente nossa consciência ética.

           É alvissareiro observar, porém, que o período mais recente de nossa história viu surgir uma nova concepção da dinâmica social, uma nova perspectiva quanto à responsabilidade do corpo social no enfrentamento e na superação da pobreza, da exclusão e da desigualdade.

           A trajetória de restabelecimento do regime democrático cumprida pelo País ao longo dos últimos vinte anos foi acompanhada, pari passu, por um vigoroso processo de fortalecimento da cidadania. Vimos multiplicarem-se, nesse período, as organizações não-governamentais voltadas para a defesa de direitos, a prestação de serviços sociais, a proteção do meio ambiente, a promoção do esporte, da cultura e do lazer.

           Como não poderia deixar de ser, a sociedade civil acumulou, nesse processo, todo um patrimônio de experiências, conhecimentos e recursos. Em fevereiro de 1995, reconhecendo o grande potencial desse patrimônio acumulado, o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Conselho da Comunidade Solidária, concebido, exatamente, como um instrumento de combate à pobreza e à exclusão social a atuar por meio da promoção de parcerias entre Estado e sociedade.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           A concepção que informou a criação do Conselho da Comunidade Solidária, bem como a ação que ele vem desenvolvendo ao longo desses três anos e meio de trabalho, em suas múltiplas dimensões, é inovadora entre nós e, ao mesmo tempo, típica das democracias contemporâneas. Trata-se do reconhecimento, no plano das ações concretas, de que o Estado não é mais o único responsável pela questão social, devendo abrir-se ao diálogo com a sociedade e à participação consciente e responsável dos cidadãos.

           Os resultados até aqui obtidos pelos programas concebidos e apoiados pelo Conselho da Comunidade Solidária bem como o engajamento crescente dos atores sociais comprovam o acerto da proposta. A prática do trabalho em parceria vem amadurecendo ao longo desses três anos e meio. Governo e sociedade vêm aprendendo a pensar e agir juntos, a identificar o que cada um faz melhor, a somar esforços e competências.

           Toda a atuação do Conselho da Comunidade Solidária tem como objetivo articular e fortalecer a ação da sociedade civil, sem, contudo, substituir a ação governamental na área social. Suas iniciativas concretizam-se mediante a adesão espontânea de diferentes atores sociais, enquanto os recursos necessários para viabilizá-las são captados junto a empresas, fundações e agências internacionais de desenvolvimento.

           Ao contrário do que se poderia imaginar, o Conselho da Comunidade Solidária não se ocupa apenas da viabilização de programas de desenvolvimento social. Com efeito, essa é apenas uma das facetas de sua atuação. Antes disso, o Conselho trabalha diagnosticando problemas e identificando oportunidades de ação. Aí, sim, parte para a mobilização dos recursos humanos e materiais necessários à concretização das iniciativas de desenvolvimento social. Numa outra ponta, porém, o Conselho da Comunidade Solidária exerce um papel da maior importância, que é a abertura de espaços para a construção de consensos em torno de prioridades estratégicas de uma agenda social.

           Em sua luta por um Brasil mais justo, o Conselho da Comunidade Solidária atua em três frentes diferenciadas de trabalho: a concepção e viabilização de programas inovadores de desenvolvimento social, as ações de fortalecimento da sociedade civil e a promoção da interlocução política.

           No que concerne às iniciativas de desenvolvimento social, o Conselho prioriza o estímulo e o apoio a programas de cunho inovador voltados para áreas que não contavam ainda com a devida cobertura por programas governamentais ou da sociedade civil. Nesse âmbito, o Conselho vem desenvolvendo os programas denominados Alfabetização Solidária, Universidade Solidária e Capacitação Solidária, todos eles contando com a participação de múltiplos atores públicos e privados, os quais são chamados a trabalhar em parceria.

           É evidente que, em face da dimensão da problemática brasileira, a perspectiva de qualquer programa de desenvolvimento social tem de ser a da multiplicação, da ampliação progressiva de seu trabalho. Na concepção do Comunidade Solidária, essa multiplicação é orientada pelos princípios da descentralização e da autonomia. Isso implica dizer que os parceiros do Conselho em cada programa são incentivados a assumir, cada vez mais, a responsabilidade por sua sustentação a longo prazo.

           No contexto dessa preocupação com que as iniciativas se multipliquem, se ampliem, o Conselho da Comunidade Solidária empenha-se firmemente, desde a implantação dos programas, em monitorá-los, avaliá-los e em sistematizar as lições deles advindas, de modo que cada iniciativa possa servir de inspiração e referência para a replicação do trabalho em maior escala. O esforço de medir o impacto de cada ação tem como objetivo, portanto, garantir a formulação, o amadurecimento e a disseminação de novos e mais eficazes padrões e modelos de atuação na área social.

           A segunda frente de trabalho do Conselho da Comunidade Solidária é representada, como referimos anteriormente, pelas ações de fortalecimento da sociedade civil.

           Existe, na sociedade moderna, um universo extremamente diversificado de associações, fundações e outras sociedades sem fins lucrativos - inclusive as chamadas ONGs, organizações não-governamentais. Visando a diferenciar esse universo dos setores governamental e empresarial, foi cunhada a expressão Terceiro Setor.

           O papel hoje desempenhado pelo Terceiro Setor no combate à pobreza e à exclusão social é da maior relevância. O que caracteriza, em primeiro lugar, a ação dos cidadãos e de suas organizações no enfrentamento de questões diagnosticadas pela própria sociedade é a experimentação de modelos inovadores de trabalho que acabam conduzindo a formas mais eficazes de resolver problemas sociais.

           Consciente da importância e do potencial transformador do trabalho desenvolvido pelo Terceiro Setor, o Conselho da Comunidade Solidária definiu como um de seus objetivos estratégicos contribuir para aumentar a qualidade e a eficiência do trabalho das ONGs. Para esse fim, passou a implementar, a partir do início do ano passado, um programa trienal de fortalecimento da sociedade civil, incluindo ações em três áreas prioritárias: a promoção de um novo modelo de voluntariado, a constituição de uma rede de informações para o Terceiro Setor e o aperfeiçoamento do marco legal regulador das organizações da sociedade civil.

           Em sua terceira frente de trabalho - aquela referente a promover a interlocução política -, o Conselho da Comunidade Solidária tem logrado expressivos êxitos no sentido de abrir canais de discussão e negociação a respeito de temas que são objeto de ações governamentais e em relação aos quais as organizações da sociedade civil têm demandas, conhecimentos e experiências a compartilhar.

           Os frutos desse diálogo já começam a amadurecer na forma do estabelecimento de consensos quanto a medidas e procedimentos capazes de viabilizar iniciativas do Estado e da sociedade em áreas fundamentais como reforma agrária, distribuição de renda, segurança alimentar e nutricional, defesa da criança, geração de empregos, alternativas de ocupação e desenvolvimento local integrado.

           O processo de interlocução não se encerra, porém, com a construção desses consensos. Ao fim do processo de negociação, governo e sociedade assumem compromissos muito claros e precisos, chegando-se à definição de uma pauta de ação comum.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Podemos afirmar com segurança que o trabalho desenvolvido pelo Conselho da Comunidade Solidária em seus três anos e meio de existência - todo ele embasado na inovadora concepção de que a ação social mais eficaz é aquela exercida mediante a parceria entre Estado e sociedade - já deu uma contribuição de monta no combate árduo e extenso que travamos, enquanto Nação, contra o aflitivo problema da pobreza, da desigualdade e da exclusão social.

           Tome-se como exemplo o Programa Alfabetização Solidária, um programa dirigido aos Municípios que ostentam os maiores índices de analfabetismo do País, objetivando, assim, dar também uma contribuição ao esforço de redução das desigualdades regionais.

           O Alfabetização Solidária atende prioritariamente jovens entre 12 e 18 anos de idade, não excluindo, porém, a participação de adultos interessados em aprender a ler e escrever. O programa motiva os jovens a entrar ou a voltar à escola e favorece a profissionalização, pois oferece aos alunos alfabetizados, em parceria como o MEC e o Ministério do Trabalho, a oportunidade de prosseguir seus estudos em curso supletivo ou profissionalizante.

           Comprovando que o povo brasileiro tem já uma percepção muito clara da importância da educação - e particularmente da alfabetização -, a procura pelo programa superou todas as expectativas. Não apenas os jovens acorreram em massa, mas também um grande número de adultos que há muito tempo encontravam-se fora da escola encheram-se de entusiasmo. Dessa forma, o programa motivou famílias inteiras para sentar lado a lado na sala de aula.

           Embora cada sala não devesse receber mais do que 25 alunos, em algumas localidades não foi possível limitar as inscrições, chegando-se a colocar até 35 alunos em uma sala e ainda assim restando uma platéia de adolescentes e adultos que acompanham as aulas debruçados na janela do lado de fora. Como pergunta um alfabetizador que atua no interior do Ceará, “É possível explicar para uma mulher de 40 anos, que anda três quilômetros para chegar à escola, que não há lugar para ela e o marido, que também querem aprender?”

           Nesse sentido, o programa tem inclusive desempenhado um interessante papel de fortalecimento da vida comunitária, pois, em alguns locais, é somente a mobilização da comunidade que viabiliza o curso. Na inexistência de instalações adequadas, por exemplo, pessoas têm cedido suas próprias casas para que as aulas possam ser dadas. Além disso, uma série de depoimentos prestados pelos alunos dá conta de uma maior integração familiar e comunitária a partir do início dos cursos.

           O Programa Alfabetização Solidária tem como parceiros universidades, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC), empresas e prefeituras, todos articulados pelo Conselho da Comunidade Solidária. Seu funcionamento é bem representativo dos esquemas de parceria nos diversos programas do Comunidade Solidária. O Programa responsabiliza-se por identificar os Municípios, mobilizar e articular os parceiros. As universidades adotam voluntariamente um ou mais Municípios, indicam professores seus para desenvolver projetos de cursos, capacitam - em suas sedes - coordenadores e alfabetizadores recrutados nas comunidades e responsabilizam-se, ainda, pela coordenação e avaliação dos cursos. As empresas e outras instituições adotam um ou mais Municípios e cobrem metade dos custos do Programa: aqueles relativos ao transporte, à hospedagem e à alimentação dos coordenadores e alfabetizadores no período em que esses se estão capacitando nas universidades, bem como as bolsas para os alfabetizadores e coordenadores nos Municípios, além dos custos referentes às viagens de acompanhamento e avaliação. Ao MEC, compete cobrir a outra metade dos custos, distribuindo material didático, de apoio e bibliotecas, e patrocinando, também, a equipe de coordenação do programa. As prefeituras, por seu turno, garantem instalações para as aulas e dão apoio à coordenação.

           Muitos são os aspectos inovadores positivos que poderíamos mencionar do Programa Alfabetização Solidária. Entre eles, gostaríamos de destacar o respeito aos diferentes métodos de alfabetização adotados pelas diversas universidades e a autonomia pedagógica no uso do material distribuído pelo MEC; o respeito à diversidade cultural das comunidades; a mobilização de alfabetizadores das próprias comunidades e a oportunidade de trabalho remunerado dada a esses, muitos dos quais sem ocupação profissional definida; a absorção pela rede regular de ensino de boa parte dos alfabetizadores capacitados no programa; e o baixo custo por aluno, situado em apenas 34 reais ao mês.

           O Programa Alfabetização Solidária envolveu, até este momento, a participação de 105 universidades e 41 empresas. Os Municípios atingidos chegam a 148 e os alfabetizadores capacitados já alcançam a casa dos 5 mil. Até junho passado, o número de alunos alfabetizados era de 75 mil e 900, esperando-se que esse número suba para 220 mil até o final do ano.

           Como se pode ver, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, trata-se de um programa plenamente exitoso, que está golpeando severamente essa matriz importante da pobreza e da exclusão social que é o analfabetismo.

           Mas se o Alfabetização Solidária constitui talvez o exemplo mais pujante do sucesso das iniciativas do Conselho da Comunidade Solidária, os demais Programas podem também ser tomados, com certeza, como parâmetros de iniciativas exitosas na área social.

           O Universidade Solidária mobiliza jovens universitários, permitindo-lhes conhecer melhor a realidade do País e participar de um exercício de responsabilidade social, por meio de viagens a Municípios com altos índices de pobreza. Nessas viagens, os estudantes, coordenados por professores de suas universidades, divulgam informações e promovem atividades para a melhoria das condições de saúde, educação e organização das comunidades. O trabalho busca atingir, prioritariamente, lideranças locais que possam transformar-se em agentes multiplicadores das informações e atividades promovidas pelas equipes.

           Os parceiros, nesse caso, são universidades, prefeituras, as Forças Armadas, empresas e outras instituições, todas articuladas pelo Conselho da Comunidade Solidária, com o apoio do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras e do Ministério da Educação e do Desporto.

           Atuando em Municípios do interior de Estados das regiões Norte e Nordeste, as equipes do Universidade Solidária realizam uma gama de atividades bastante ampla, que vai desde orientar quanto a cuidados com a higiene bucal até passar informações sobre amamentação, prevenção do câncer e doenças sexualmente transmissíveis; desde estimular as manifestações artístico-culturais da comunidade até dar treinamento em piscicultura ou oferecer noções de alimentação alternativa, usando as partes dos alimentos que normalmente vão parar na lata do lixo.

           Até fevereiro passado, o Universidade Solidária havia mobilizado 382 professores e 3 mil 820 estudantes de 127 universidades, atingindo 296 municípios.

           O terceiro dos programas inovadores de desenvolvimento social articulado pelo Conselho da Comunidade Solidária é o Capacitação Solidária.

           Esse programa, dirige-se aos jovens de 14 a 21 anos que vivem nas regiões metropolitanas e não têm escolaridade suficiente nem oportunidades de formação profissional, sendo oriundos de famílias de baixa renda. O Capacitação Solidária objetiva, como o próprio nome indica, desenvolver habilidades específicas. Mas, além disso, procura também estimular a sociabilidade, a organização, a auto-estima e a cidadania, buscando novas brechas no mercado de trabalho e motivando a permanência ou a volta à escola.

           É importante lembrar que na faixa da população a qual se dedica o Capacitação Solidária o desemprego atinge cerca de 30 por cento. Consciente disso, o programa procura explorar brechas no mercado de trabalho enquanto única forma de abrir espaços para a inclusão de seu público. Por isso, a oferta de cursos é variada e até surpreendente. Vai de mecânica de automóveis, costura ou arte de representar até reciclagem de papel, prevenção sanitária e ambiental, estética étnica de cabeleireiros, criação de mexilhões, atendimento a idosos ou fabricação de pranchas de surfe.

           Todos os cursos são estruturados em dois módulos: básico e específico. No módulo básico, os alunos desenvolvem habilidades de leitura, escrita, cálculo, raciocínio lógico e conhecimentos gerais. São também realizadas atividades que promovam auto-estima, capacidade de organização, comunicação, cidadania, relações interpessoais e resolução de problemas. O módulo específico, por seu turno, tem dois objetivos. O primeiro, evidentemente, é o desenvolvimento das habilidades necessárias ao exercício da capacitação escolhida. O segundo - importantíssimo - é a vivência prática, ou estágio, em situação real de trabalho.

           Até setembro do ano passado, o Capacitação Solidária havia apoiado a realização de 305 cursos, organizados por 281 organizações não-governamentais, os quais foram freqüentados por 8 mil 449 alunos.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Os resultados atingidos e a repercussão nas comunidades deixam bem claro que o Capacitação Solidária e o Universidade Solidária - tanto quanto o Alfabetização Solidária - são programas muito bem concebidos e destinados a dar, daqui para o futuro, uma contribuição ainda maior na luta contra a pobreza e a exclusão social. Mas, como mencionamos anteriormente, o estímulo a esses programas inovadores de desenvolvimento social representa apenas uma das três frentes em que atua o Conselho da Comunidade Solidária. Além dessa, existem também as frentes relativas às ações de fortalecimento da sociedade civil e ao trabalho de interlocução política.

           O esforço do Conselho da Comunidade Solidária no sentido do fortalecimento da sociedade civil parte da constatação de que o vasto potencial de trabalho social presente no Terceiro Setor é prejudicado, no Brasil, por uma legislação antiga e inadequada, que não incentiva a doação voluntária de tempo e de trabalho das pessoas nem o investimento social das empresas, não facilitando, tampouco, a realização de parcerias entre governo e sociedade civil.

           No intuito de superar esses obstáculos e deixar o caminho livre para a rápida expansão da participação social no Brasil, o Conselho da Comunidade Solidária criou, em 1997, um programa nacional de Fortalecimento da Sociedade Civil. O programa, projetado para ter duração trienal, volta-se para três áreas prioritárias. A primeira delas é o Programa Voluntários, que objetiva promover o trabalho voluntário enquanto expressão de uma ética de solidariedade. A segunda é a Rede de Informações do Terceiro Setor - Rits, voltada para a produção e a divulgação de conhecimentos e informações sobre as organizações da sociedade civil. E a terceira é o Marco Legal, que trabalha pela revisão da legislação que regula a ação das entidades sem fins lucrativos, a fim de incentivar a participação dos cidadãos e a responsabilidade social das empresas.

           O Programa Voluntários foi criado para promover um novo modelo de voluntariado no País, baseado na participação responsável e solidária dos cidadãos em iniciativas concretas de combate à exclusão social e melhoria da qualidade de vida em comum. O Programa valoriza a imagem do voluntário, incentiva o aumento de ações voluntárias e fortalece as organizações de voluntários, dando assessoria técnica para que recebam e não desperdicem o potencial voluntário. Além disso, divulga informações sobre iniciativas bem sucedidas e apóia a criação e consolidação dos centros de voluntários.

           Inobstante o forte potencial solidário da sociedade brasileira, as iniciativas de trabalho voluntário são ainda pouco conhecidas e valorizadas. Quem não é voluntário e quer ser não sabe em geral como, nem por onde começar. A maioria das organizações têm poucas oportunidades de trocar experiências e juntar esforços em projetos de interesse comum. Por esse motivo, o Programa Voluntários decidiu investir na organização de centros de voluntariado, modelo exitoso em mais de 130 países. A tarefa desses centros é dar coordenadas, oferecer apoio e divulgação, facilitar a troca de informações entre os voluntários.

           A partir da deliberação do Programa Voluntários, formaram-se no Brasil, no fim de 1996, em caráter experimental, 11 centros, em dez capitais e uma cidade do interior. Esses centros são organizações autônomas, oriundas da comunidade, com fortes raízes na realidade local. Por três anos, eles recebem do Programa Voluntários assessoria técnica para sua constituição, capacitação e desenvolvimento, e recursos financeiros do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), decrescentes ano a ano. Ao fim desse prazo, os centros devem se tornar auto-sustentáveis.

           A segunda área de atuação do programa nacional de Fortalecimento da Sociedade Civil é a Rede de Informações do Terceiro Setor - Rits, criada pelo Conselho da Comunidade Solidária com o objetivo de incentivar a interação e a troca de informações entre organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.

           Ao criar a Rits, o Conselho da Comunidade Solidária levou em consideração a importância política do Terceiro Setor - eis que sua força reflete uma sociedade civil consciente de seus interesses e democraticamente orientada -, bem como sua importância econômica - tendo em vista que o setor abrange atividades altamente empregadoras de mão-de-obra. Com efeito, existem no Brasil mais de 200 mil organizações sem fins lucrativos, empregando mais de um milhão de pessoas - fora as que trabalham como voluntárias.

           Muito embora pujante, o Terceiro Setor no Brasil é, até o presente, bastante desarticulado, o que implica, inclusive, o desconhecimento, por parte da opinião pública, de sua real importância. A Rits foi criada, portanto, exatamente para superar essa desarticulação. Trata-se de uma rede virtual, apoiada na Internet, dedicada à geração e difusão de informações e à promoção da interação não só entre as entidades do setor, mas também desse setor com os demais.

           Na Rede podem ser colocados informes, divulgações, conferências, sites. Trata-se, enfim, de um canal livre para que as organizações se comuniquem, aproveitem experiências umas das outras e vençam as barreiras da heterogeneidade e da distância. É fácil perceber que uma pequena organização no interior do Nordeste, para se organizar e evoluir, provavelmente levaria meses tentando obter informações sobre acesso a recursos governamentais e internacionais, sobre legislação etc. Com a Rits, essa organização pode descobrir tudo rapidamente.

           No que concerne ao Marco Legal, terceira área do programa de Fortalecimento da Sociedade Civil, sua atuação é no sentido de lutar por alterações legislativas que favoreçam o rápido e sólido desenvolvimento das organizações do Terceiro Setor e que garantam, simultaneamente, sua transparência.

           O trabalho do Marco Legal na questão dos registros e cadastros administrativos, por exemplo, busca a elaboração de um estatuto legal que preveja uma classificação adequada para as organizações do Terceiro Setor, garantindo o reconhecimento de suas características e viabilizando parcerias mais eficazes entre as próprias organizações e delas com o Estado.

           Um outro exemplo de figurino legal que reclama alteração é a legislação tributária do País, que, ao contrário da legislação de outras nações, pouco incentiva a cooperação entre cidadãos, empresas e entidades do Terceiro Setor. Ao mesmo tempo, não há critérios claros para a distribuição dos escassos incentivos fiscais existentes. E, para completar, convênios e contratos entre o Poder Público e as entidades do Terceiro Setor criam enormes dificuldades burocráticas para essas organizações, impedindo o desenvolvimento de parcerias.

           Para propor mudanças que possam facilitar a expansão das entidades sem fins lucrativos, as ações do Conselho da Comunidade Solidária relativas ao Marco Legal do Terceiro Setor buscam avaliar a legislação e a regulamentação existentes, a fim de identificar os principais problemas. O foco é a legislação federal e as principais áreas de trabalho são: registros e cadastros administrativos; legislação tributária; contratos e convênios com a administração pública; e legislação trabalhista e previdenciária.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           A última das frentes de trabalho do Conselho da Comunidade Solidária é a Interlocução Política. Nesse âmbito, o Conselho atua promovendo debates entre o Governo e a sociedade civil nos quais se busca abrir espaço para a criação de consenso quanto a uma agenda social mínima para enfrentar os graves problemas brasileiros. Trata-se de um intenso trabalho de mediação política envolvendo centenas de pessoas, de Ministros de Estado a especialistas, de representantes de entidades de classe e de movimentos sociais a empresários e acadêmicos.

           Desde sua criação, em junho de 1996, a Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária estabeleceu 58 consensos e 150 propostas de ação. Como afirma o coordenador dessa frente de trabalho, resumindo seu princípio de ação, “É preciso definir as prioridades básicas para poder persegui-las”. Embora o conceito pareça simples, ele envolve uma articulação bastante complexa, pois, entre a intenção e o gesto, quase sempre se impõe um caminho difícil.

           Um dos obstáculos a vencer é a desconfiança mútua. Ruth Cardoso, presidente do Conselho da Comunidade Solidária, afirma: “Existe uma separação natural entre a sociedade e o governo. São dois modos de trabalhar e é difícil essas duas lógicas combinarem até porque não têm canais de comunicação adequados”. A Interlocução Política trabalha exatamente no sentido de fortalecer essa relação da sociedade civil com as áreas governamentais, criando o espaço para que o entendimento se estabeleça.

           Mas, como já mencionamos, o trabalho da Interlocução Política não se encerra com o estabelecimento do consenso. Uma vez que o conjunto dos interlocutores tenha chegado ao consenso, parte-se para a definição de propostas concretas. Levando sempre em consideração o princípio básico de todo o trabalho do Comunidade Solidária - o de que a ação isolada do Estado não é suficiente para “pagar” rapidamente a enorme dívida social do Brasil -, a Interlocução Política trabalha para criar as condições para que Estado e sociedade civil possam convergir seus esforços com base nas prioridades definidas.

           Entre os temas centrais em debate na Interlocução Política estão: Desenvolvimento Rural - incluindo Reforma Agrária e Agricultura Familiar -, Distribuição de Renda, Segurança Alimentar e Nutricional, Criança e Adolescente, Alternativas de Ocupação e Renda, Marco Legal do Terceiro Setor e Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável. Nas várias rodadas já realizadas, reunindo representantes dos mais diversos setores, transparência e diversidade de opiniões foram pontos importantes, pois as posições conflitantes enriquecem o debate que, afinal, conduzirá ao consenso.

           Não se deve pensar, porém, que a Interlocução Política seja um mero fórum de debates que define propostas que poderão ou não ser colocadas em prática. Na verdade, os encaminhamentos definidos são transformados em providências, com responsáveis e com prazos de execução. E a execução é monitorada de perto por um Comitê Setorial especialmente constituído para esse fim. Muitas propostas já estão em andamento. Para citar um exemplo, no campo da Reforma Agrária, a Interlocução propôs a distribuição de cestas básicas nos acampamentos de trabalhadores rurais. A Conab atendeu e, em conjunto com a Comunidade Solidária, distribuiu 300 mil cestas entre janeiro e novembro de 1997. Também a aprovação da lei que instituiu o registro civil gratuito foi, em grande parte, fruto da mobilização deslanchada pelos integrantes da Interlocução Política sobre Criança e Adolescente.

           Tal como os Programas Inovadores de Desenvolvimento Social do Conselho da Comunidade Solidária, a Interlocução Política abre novas frentes e confia na multiplicação de suas ações. Tal como eles, estimula a autonomia de todos os agentes sociais envolvidos.

           As expectativas otimistas da Interlocução Política no que tange à frutificação de seu trabalho apóiam-se, também, no fato de que as propostas colocadas na mesa de discussão têm embasamento ético, situando-se acima de eventuais divergências políticas.

           Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

           Os gestos básicos que movem a ação do Conselho da Comunidade Solidária no desenvolvimento de todos os seus programas podem ser definidos como “começar” e “soltar”. Ou seja: o Conselho esforça-se por articular os parceiros e dar a partida nos diversos programas; a partir de então, estimula a crescente autonomia dos programas.

           Trata-se, como temos enfatizado, de um novo modelo de trabalho voltado para a redução da pobreza, das desigualdades e da exclusão social, um modelo que tem como principais características a parceria entre Estado e sociedade, a mobilização constante e espontânea de múltiplos atores, o aprendizado com a experiência das organizações não-governamentais, o fortalecimento dessas entidades e a idéia de que é melhor atuar em pequena escala, com menores custos e maior eficiência.

           Ao estimular a descentralização e a crescente autonomia dos programas, o Conselho está, simultaneamente, favorecendo sua expansão.

           A confirmação de que esse modelo é acertado vem dos resultados já atingidos e da crescente adesão de novos parceiros.

           Temos a firme convicção de que esse novo modelo de trabalho social veio para ficar, e que suas iniciativas haverão de se multiplicar por toda a sociedade.

           Queremos, portanto, deixar aqui nossos cumprimentos ao Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso pela brilhante iniciativa que foi a criação do Conselho da Comunidade Solidária, bem como pelos excelentes resultados já alcançados por seus programas nesses três anos e meio de atuação.

           Era o que tínhamos a dizer.

           Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/1998 - Página 13302