Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DA ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA.
Aparteantes
Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1998 - Página 6079
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, EMBAIXADOR, PAIS ESTRANGEIRO, AUTORIDADE PUBLICA, BRASIL, SESSÃO, HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, FUNDAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).
  • REGISTRO, HISTORIA, CRIAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), OBJETIVO, ORDEM, PAZ, JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE, ESTADOS MEMBROS, RESPEITO, SOBERANIA, INDEPENDENCIA, INTEGRIDADE, TERRITORIO, DEFESA, DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS.
  • ELOGIO, JOÃO CLEMENTE BAENA SOARES, EMBAIXADOR, EX-CHEFE, SECRETARIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA).

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eminente Senadora Júnia Marise, que preside esta sessão em homenagem à Organização dos Estados Americanos, Srªs. e Srs. Senadores, quero registrar a presença dos ilustres Embaixadores da Alemanha, Claus Jurgen Duisberg; Bangladesh, Abdus Salam; Colômbia, Mario Galofre Cano; Equador, César Valdivieso Chiriboga; Eslováquia, Branislav Hitcka; Estados Unidos da América, Melvin Levitsky; Gabão, Marcel Odongui Bonnard; Grã-Bretanha, Donald Keith Haskell; Guiana, Ivan Evelyn; Irã, Hamid Reza Nikbakht, representando o Embaixador; Marrocos, Larbi Reffouh; Nicarágua, Domingo Salinas Alvarado; Países Baixos, Francisco van Haren; Palestina, Musa Amer Salim Odeh; Polônia, Bogulaw Zakrzewski; Suécia, Christer Manhusen; Suíça, Oscar Knapp; Suriname, Robby Ramlakhan e Ricky Fadjiboe, representando o Embaixador; Tailândia, Saksit Srisorn.

Quero destacar ainda a presença do Contra-Almirante Luiz Sérgio Oreto Araújo, que representa o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, General Benedito Onofre Bezerra Leonel.

Sr. Ministro de Estado; Srs. Deputados Federais; Srªs. e Srs. Convidados; meu velho amigo Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Jackson Smith Lisboa; e o não menos amigo representante do Clero nesta solenidade, a quem faço uma saudação especial:

No dia 30 de abril de 1998, a Organização dos Estados Americanos - OEA, completa 50 anos de existência.

É com grande satisfação que ocupo a tribuna desta Casa para lembrar e comemorar o qüinquagésimo aniversário dessa instituição. Lembrar e comemorar por aquilo que a OEA representou, representa e realizou ao longo desse tempo; e por aquilo que se propôs realizar e não conseguiu, por motivos os mais diversos.

A OEA é um desses organismos que surgiram no âmbito do vasto mundo feito das utopias e das simbologias das sociedades, aqueles sonhos que justificam tanto o nascimento quanto a permanência, que são os anseios pela compreensão, pela harmonia, pela paz e pela justiça, valores a conquistar dentro de um processo de consolidação do reconhecimento e da prática da democracia como princípio orientador do relacionamento entre as gentes e entre os povos.

A Organização dos Estados Americanos, criada em 30 de abril de 1948, durante a Nova Conferência Interamericana, na cidade de Bogotá, é herdeira da União Panamericana de 1889. Nasceu naquele contexto internacional do qual sobressaíam as intensas dificuldades de um mundo polarizado por ideologias e poderes antagônicos, fortemente dominado pela desconfiança e pela perspectiva da força, após uma guerra que machucou de forma cruel todo o Ocidente.

Surgiu para ser símbolo da possibilidade de realizar a colaboração, o mútuo entendimento e a paz entre as nações americanas. Como símbolo, constitui uma permanente convocação para esse ideais. Evoca e provoca. Como símbolo a evocar os valores fundamentais da convivência, ela provoca ações e esforços constantes, a fim de efetivar os princípios.

Sua Carta constitutiva - a Carta de Bogotá -, qualificando-a como organismo dentro das Nações Unidas, identificou o principal objetivo da OEA: lutar para conseguir uma ordem de paz e justiça, para promover a solidariedade entre os países-membros, intensificando a colaboração entre eles, salvaguardadas a soberania, a integridade territorial e a independência de cada um.

O preâmbulo da Carta assim se expressa: “O verdadeiro significado da sociedade americana e da boa vizinhança não pode ser outro que o de consolidar, neste continente, dentro do marco das instituições democráticas, um sistema de liberdade individual e de justiça social fundado em respeito aos direitos essenciais do homem.” E, completando esse horizonte, concebeu como estratégia, como caminho para a solidariedade americana, a necessidade de que esses altos fins sejam atingidos por meio do efetivo exercício da democracia representativa.

Durante a mesma 9ª Conferência Internacional Americana, bem caracterizando as profundas aspirações que dominavam os países ali reunidos, foram também assinados o Tratado Americano de Soluções Pacíficas - o Pacto de Bogotá - e a Declaração Interamericana dos Direitos e Deveres do Homem, esta sete meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, das Nações Unidas.

Vinte e um países americanos comprometeram-se com os princípios da Carta de Bogotá, materializados em propósitos essenciais: garantir a paz e a segurança continentais; prevenir as possíveis causas de dificuldades e assegurar a solução pacífica de controvérsia entre os membros da organização; organizar a ação solidária destes em caso de agressão; buscar a solução dos problemas políticos, jurídicos e econômicos que surgirem; e promover, por meio da ação cooperativa, o desenvolvimento econômico, social e cultural.

Como baliza normativa da atuação, foram escolhidos o Direito Internacional para regular a conduta dos Estados em suas relações recíprocas, a ordem internacional, constituída essencialmente do respeito à personalidade, à soberania e à independência dos Estados, bem como do fiel cumprimento dos tratados, e a boa-fé como princípio para conduzir o relacionamento entre os Estados.

A cooperação econômica nesse amplo horizonte seria o instrumento essencial para a consecução do bem-estar e da prosperidade dos povos, tendo a justiça e a segurança sociais como bases para uma paz duradoura.

No contexto desse panorama, uma agressão a um Estado americano constitui agressão a todos os demais, e as controvérsias devem ser resolvidas por meio de processos pacíficos.

No campo dos direitos fundamentais da pessoa humana, não pode haver distinção de raça, nacionalidade, credo ou sexo. A unidade espiritual do continente americano precisa fundar-se na personalidade cultural dos países que o compõem; e a educação, orientar-se pelos princípios da justiça, da liberdade e da paz.

Em termos da prática política a seguir, o assim chamado princípio democrático foi consignado como base para o exercício efetivo da democracia representativa.

A caminhada até o reconhecimento da democracia como princípio orientador dos Estados americanos tem sido longa e constante. Começou como princípio moral até tornar-se norma obrigatória estabelecida na carta de constituição.

É importante observar que a preocupação com a existência e a efetivação da democracia como causa comum nas Américas tem sido permanente na OEA, até mesmo antes de sua constituição. De fato, o primeiro pronunciamento oficial sobre essa questão encontra-se na Declaração de Princípios sobre a Solidariedade Interamericana da Conferência Interamericana sobre a Consolidação da Paz, realizada em Buenos Aires em 1936. No período que vai de 1936 a 1945, em cada conferência interamericana, essa preocupação foi reiterada.

Mas, embora em âmbito regional, a procura vem de mais longe ainda. Na Conferência de Washington de 1907, foi formalizado o princípio da democracia na região centro-americana. No Tratado Geral de Paz e Amizade daí resultante, ficou acordado, inclusive, que os países dessa região não reconheceriam os governos centro-americanos que nascessem de eleições não livres.

Desde antanho, portanto, o governo democrático tem sido uma meta perseverante e consistente dos povos das Américas. Pode-se afirmar que essa preocupação teve início com os movimentos pela independência, quando começou a ganhar impulso, particularmente após a queda das monarquias absolutistas como formas de governo.

Em 1945, o Uruguai encaminhou nota aos governos americanos propondo uma ação multilateral para defender a democracia e os direitos humanos. A proposta dava ênfase ao paralelo entre a defesa da liberdade humana e a manutenção da paz e sustentava o ponto de vista de que os Estados da região deveriam atuar em conjunto para garantir a democracia, salvaguardado o princípio da não-intervenção. A proposta não foi aprovada, mas representou importante manifestação do interesse hemisférico na defesa da democracia.

Abro aqui um parêntese, para dizer aos senhores que me ouvem - evidentemente com o agradecimento já de logo registrado, sobretudo aos eminentes embaixadores - que sou homem visceralmente avesso aos discursos por escrito. Às vezes, são bem redigidos; outras, mal lidos. E corro o risco de cometer exatamente ambos os crimes: lê-lo mal e nem sequer traduzir aquilo que eu gostaria de dizer. Mas há uma regra, a chamada regra do protocolo, que me impõe, que me obriga a fazer um discurso dessa natureza. São 50 anos de uma organização que se pôs e transpôs toda uma humanidade: não poderia eu me quedar apenas num discurso de improviso. Claro, peço por antecipação, advogado que sou, que me concedam o habeas corpus e, ao final, o alvará de soltura por tê-los incomodado por ouvir-me. Mas, perdoem-me, tem de ficar registrado, e é por isso que lhes peço paciência, para que ao final, mais uma vez, eu reitere o pedido de desculpas.

Continuo.

Foi com base na principal tese desse trabalho do Uruguai que os países da região passaram a exigir mais de si mesmos em matéria de democracia e de direitos humanos, em um momento da história em que esses conceitos não desfrutavam da aceitação internacional de que hoje gozam.

No mesmo ano de 1945, na Conferência Interamericana sobre os Problemas da Guerra e da Paz, realizada na cidade do México, como esteio essencial da comunidade hemisférica foi mantida a consagração da afirmação de que “o homem americano não pode conceber a vida sem justiça e sem liberdade”, com fundamento na convicção de que a meta do desenvolvimento social e econômico efetivo somente pode ser alcançada em um sistema que tem base na garantia dos direitos e das liberdades fundamentais do indivíduo.

Mesmo assim, com uma instituição baseada em tão ampla e universal gama de princípios, ao longo das décadas sucessivas ao ano de 1948, numerosos regimes democráticos foram derrocados e substituídos por violentas ditaduras. Os esforços feitos para reverter ou estancar esses acontecimentos não tiveram êxito. O ideal, porém, de governos democráticos sempre permaneceu vivo e vigoroso.

Em 1959, na Quinta Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores, realizada em Santiago do Chile, estabeleceu-se como marco a doutrina interamericana da democracia, traduzida numa lista de atributos que são característicos de uma democracia representativa respeitadora dos direitos humanos em um contexto institucional de efetivo exercício. Dessa reunião, resultou claramente afirmada a convicção de que “a existência de regimes antidemocráticos constitui uma violação dos princípios sobre os quais se funda a Organização dos Estados Americanos e um perigo para as relações de paz e unidade no hemisfério”.

De 1959 para cá, deu-se uma intensa discussão para esclarecer o alcance do compromisso democrático da organização. Em todas as ocasiões, salvaguardou-se a inter-relação entre os direitos humanos e o exercício da democracia e a natureza obrigatória dos princípios da Carta de Bogotá.

Apesar das enormes dificuldades vividas durante o período da Guerra Fria, com a intensificação do conflito Leste-Oeste, apesar do impacto da Revolução Cubana e da preponderância dos regimes ditatoriais nas décadas de 60 e 70, a OEA nunca abandonou seus ideais. Em alguns e longos momentos, guardou silêncio e se automarginalizou diante da impossibilidade de convocar a força à razão. No campo específico do desenvolvimento da economia das Américas, fracassou por causa dos interesses da hegemonia norte-americana. Diante desses fatos, muitos julgaram que a Organização é incapaz de respaldar com medidas efetivas o compromisso doutrinário com a solidariedade democrática no continente.

No entanto, sempre houve e ainda há hoje, muito claramente, uma positividade também silenciosa expressa na persistência da organização na defesa dos valores estabelecidos na sua carta constituinte. Hoje, a importância da OEA, tornou-se patente diante do enorme desafio que emana das transformações da economia mundial.

A interdependência cresceu de forma significativa e inexorável diante da globalização das questões econômicas. O próprio conceito de soberania nacional vem mudando, em virtude da nova realidade em que as sociedades vivem, e certamente mudará ainda mais na medida em que a solidariedade democrática se transformar de prescrição moral para obrigação legal internacional.

A evolução tecnológica vem alterando a própria natureza do processo produtivo, de tal forma que o conhecimento tende a tornar-se mais importante do que o capital, o trabalho e os recursos naturais. Na nova economia mundial, competem redes de empresas com base em capacidades e conhecimentos que se combinam para criar valor. No futuro, talvez, já não mais haverá lugar para economias nacionais como hoje. São exemplos dessas novas realidades as zonas econômicas ampliadas por meio de acordos de livre comércio e de processos de integração mais profunda, tais como o Mercosul, entre nós americanos, e o Mercado Comum, entre os europeus.

Há renúncias voluntárias à soberania e há renúncias inevitáveis. Em relação ao mercado financeiro, por exemplo, as fronteiras das nações não têm mais importância. Tornaram-se permeáveis em setores de grande significado para a soberania, como é o caso do trânsito do dinheiro, das idéias e das informações. Hoje é impossível imaginar-se que possa persistir aquela dicotomia que havia, de um lado, entre o chamado socialismo da União Soviética - já hoje transformada após a queda do Muro de Berlim - e, de outro, o imperialismo norte-americano, como se fossem fronteiras a se dividirem. Acabaram-se as fronteiras ideológicas. O que existe hoje, isto sim, são as fronteiras econômicas, o país economicamente mais forte se impondo àquele economicamente mais fraco.

Nesse contexto, devo ressaltar que um dos grandes problemas, tais como o tráfico de drogas e o mau uso do meio ambiente também constituem desafios ao conceito tradicional de soberania nacional. Essas questões podem conduzir para dois caminhos: o de os países envolvidos imporem suas visões e interesses aos países em desenvolvimento, ou o de abrirem-se os horizontes para uma maior cooperação internacional em benefício do desenvolvimento sustentado e do controle do narcotráfico. Não há dúvida de que esses problemas ultrapassam as fronteiras nacionais.

Em síntese, os novos tempos impõem desafios enormes ainda não totalmente bem delineados, mas realisticamente visualizados. Impõem a necessidade urgente de dar efetividade, cada vez com mais cuidado e profundidade, ao tradicional e contemporâneo conceito internacional de legalidade e de moralidade.

Todas essas realidades vêm confirmar a histórica preocupação da OEA pela defesa e promoção coletiva da democracia representativa. Esse tema de longa data ocupa e move o interesse do sistema interamericano e se tem intensificado em anos mais recentes.

Existe, sem dúvida, uma arraigada doutrina referente à democracia representativa nas Américas, o que apoia a noção de que, neste continente, a democracia deve ser preocupação coletiva.

No contexto mundial de nossos dias, com o fim da polarização que sustentou a Guerra Fria e com o aumento da interdependência global econômica e tecnológica, resta um papel de grande importância para instituições como a Organização dos Estados Americanos. É no seu âmbito que há lugar para o fomento e a proteção da democracia, sustentada não pela força, mas pela existência de uma sociedade civil amadurecida, capaz de discernimento, capaz de fazer uso efetivo dos instrumentos proporcionados pela mesma democracia.

A democracia é um desafio de longo prazo e fundamenta-se na qualidade da sociedade. É improvável que vigore a partir de imposição exógena, mas é também fora de dúvida que um contexto de solidariedade coletiva colabora eficientemente para sua concretização.

O caminho para a implantação da democracia deve compreender incentivos e medidas concretas para enfrentar os problemas sócioeconômicos e, de modo particular, a pobreza crítica que constitui uma ameaça e é fonte e resultado da violência, que é a completa negação da democracia. É preciso superar a violência, é preciso superar a injustiça que a antecede, e que, por sua vez, é a origem da violência, para evitar que esta sobreviva. Sem essa dimensão agonística, aceita-se a injustiça, alimenta-se a violência, destrói-se a democracia.

Trata-se de uma luta que não pode ser bélica, nem no sentido tradicional, nem no sentido terrorista. Deve ser uma luta ideológica, alicerçada na utopia, uma luta crítica, uma luta feita de embates construtivos, uma luta a ser travada no seio de instituições sólidas e supranacionais, para onde convergem e se aglutinam as aspirações e os ideais democráticos da sociedade. É nessas instituições que assume conteúdo prático o direito à democracia, em cujo seio a vida não pode ser concebida sem justiça e sem liberdade.

Srs. Embaixadores, Srs. Ministros, Srªs. Autoridades, meus Colegas Senadores, Sr. Presidente, acerco-me da conclusão deste pronunciamento. No entanto, não quero fazê-lo sem destacar a figura do ilustre brasileiro Embaixador João Clemente Baena Soares, que, por dois mandatos consecutivos, exerceu a relevante função de Secretário-Geral da OEA.

Diplomata de carreira, doutorado em Direito Público, Doutor Honoris Causa em universidades brasileiras e estrangeiras, com condecorações recebidas pelo mundo afora, os trabalhos publicados por esse eminente homem público, confirmam a estatura intelectual e erudição de que o mesmo é possuidor. Cito alguns deles, como Síntese de uma Gestão, Washington, D.C., 1994; Cambio y Continuidad, México, 1995; Organismos Supranacionais, in O Livro da Profecia, o Brasil no Terceiro Milênio, Senado Federal, Brasília, 1997; A OEA e a Integração Comercial das Américas, in O Direito do Comércio Internacional, Observador Legal Editora, São Paulo, 1997.

Por essa razão, não posso, não devo e não quero, nesta homenagem aos 50 anos de existência da OEA, esquecer Baena Soares, o meu vizinho do Norte, o meu velho amigo, a quem, nesta hora, abraço efusivamente.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Com muita honra, Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Quero felicitar V. Exª, em primeiro lugar, por ser autor desta iniciativa, esta sessão solene em homenagem ao Cinqüentenário da Organização dos Estados Americanos; e, em segundo lugar, pelo seu oportuno pronunciamento, feito com categoria, com capacidade, com conhecimento, com bagagem intelectual e política, que lhe dá autoridade para falar, como vem fazendo. Permita V. Exª que eu me atreva a entrar em seu brilhante pronunciamento a fim de dizer que o Cinqüentenário da Organização dos Estados Americanos é uma data muito importante. Tenho o maior respeito por essa Organização. V. Exª faz muito bem em salientar o trabalho do Embaixador Baena Soares quando Secretário-Geral. Tive oportunidade, como Senador e depois como Governador, de visitá-lo e conhecer o seu carinho, a sua dedicação, o seu esforço a essa entidade. Mas atrevo-me, e perdoe-me V. Exª, a repetir algo que disse ao Embaixador Baena Soares, quando Secretário-Geral da OEA: “Que bom seria se a sede da Organização dos Estados Americanos não fosse em Washington. Que bom seria se fosse na Costa Rica, ou em qualquer outro lugar, mas que não tivesse uma presença tão exageradamente marcante dos Estados Unidos”. Com todo o respeito, eu faço restrições à maneira como os Estados Unidos encaram a América Latina. Não vejo, por parte dos Estados Unidos, aquela preocupação e aquela dedicação no sentido de sermos irmãos. Os Estados Unidos, hoje, praticamente como a única nação poderosa no universo, olham para nós como se fôssemos uma espécie de quintal. Isso não me parece bom. Com relação à questão de Cuba, por exemplo, há uma unanimidade entre os países latino-americanos no sentido da sua reintegração, mas os Estados Unidos, com a sua força, com a sua potência, com o seu veto e com a sua autoridade, impedem que isso aconteça. Que bom se nós, latino-americanos, pudéssemos debater, discutir entre nós, como acontece nos congressos latino-americanos. Não para contestar - tenho o maior carinho, o maior respeito, e, principalmente, o maior reconhecimento pela força, pela potência, pelo significado dos Estados Unidos e pela sua presença no continente americano -, mas nós, latino-americanos, membros da Organização dos Estados Americanos, deveríamos ir além, porque a OEA, para os Estados Unidos, é apenas mais uma entidade, como a OTAN, o Mercado Comum Europeu, a ligação que têm com os países asiáticos no Pacífico, e várias outras organizações em que estão presentes. É muito importante o significado da Organização dos Estados Americanos ao longo da história. Não podemos aceitar in perpetuum que o continente latino-americano, que tem potencialidade, que tem um povo de grandeza, de competência, capaz, que tem todas as riquezas minerais, que tem solo esplendoroso e que tem todos os climas, tenha ainda tanta miséria, tanta fome, tanta injustiça social, tantos atrasos. Recentemente, e em boa hora, começamos, graças a Deus, nós e a Argentina - sobre quem inventaram uma divergência que nunca existiu, uma guerra previsível que nunca se imaginou -, por uma amizade íntima e fraterna, a transformar o Mercosul em realidade. O Mercosul, para nós, deve ser o Mercado Comum Latino-Americano; não apenas a união de Brasil, Uruguai, Argentina e Paraguai, mas o sentido de mercado da América Latina. Lembro-me, quando era Ministro da Agricultura, meu querido Senador, que importávamos cinco milhões de toneladas de trigo do Canadá e dos Estados Unidos e não comprávamos um grama da Argentina. Hoje, o Brasil é o maior comprador de trigo da Argentina, e a Argentina tem no Brasil um grande fornecedor. Não comprávamos uma tonelada de petróleo da Venezuela ou de outro país latino-americano. Atualmente, isso está mudando. Devemos dar-nos as mãos, avançarmos para desenvolver, progredir, porque existe um imenso caminho nessa direção. Não sei qual é a opinião dos ilustres Embaixadores, mas sou contrário a um mercado de toda a América juntamente com os Estados Unidos, antes de nos fortalecermos, darmos as mãos; antes que nós, que somos iguais, que temos a mesma identidade, tenhamos condições de nos desenvolvermos. Imaginem se, de repente, desaparecerem as fronteiras econômicas e alfandegárias da América, os Estados Unidos terão esse grande potencial à sua disposição permanentemente. Digo, com toda franqueza, do fundo do coração: tenho muito respeito pelos Estados Unidos, mas entendo que a Organização dos Estados Americanos precisa realizar reuniões, debates, discussões, porque, a rigor, se formos analisar, hoje, em qualquer organização de que fizer parte, de um lado estarão os Estados Unidos e de outro, o resto. A União Soviética, o Muro de Berlim, o Leste Europeu e o comunismo não existem mais; na verdade, só há uma superpotência, como na época do Império Romano. Por isso precisamos debater entre nós as questões importantes. Então, atrevo-me, pela amizade e respeito que tenho por V. Exª, a perturbar o seu pronunciamento com o meu improvisado aparte, apenas para dizer que, neste ano do cinqüentenário da OEA, bom seria se nós, latinos-americanos, nos aprofundássemos mais, não contra os Estados Unidos, mas na busca de uma certa identidade, para podermos falar mais em tom de igualdade. Muito obrigado e, mais uma vez, o meu cumprimento muito respeitoso a V. Exª.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Pedro Simon, vou dividir o aparte de V. Exª em dois pontos. O primeiro, de logo, agradecendo a V.Exª por ter completado as lacunas que havia em meu pronunciamento. O brilho que faltava, V. Exª trouxe com esse aparte. O segundo ponto, o seu atrevimento no sentido de mandar um recado ao Governo dos Estados Unidos da América, peço que dele seja portador nosso Embaixador, meu caro amigo Melvin Levistsky.

Não sou daquelas pessoas que não gostam do que são. Há pessoas que têm saudade do que foram e outras que têm medo do que poderão vir a ser. Gosto do que sou; não tenho saudades do que passei, não tenho medo do que virá. Invejo que nós, brasileiros, não possamos ser a mesma potência que os Estados Unidos da América. Não quero dizer que, por eles serem muito, fiquemos aquém. É como aquela história em que, se o cidadão não sabe comer com garfo e faca, só come com a mão, temos que também comer com a mão, ao invés de ensiná-los a comer com garfo e faca. O que precisamos, isto sim, numa hora destas, mais do que clamar, reclamar e reivindicar, é lutar para sair desse marasmo em que vivemos.

Não tive a felicidade e até diria a alegria de que V. Exª me ouvisse desde o começo, quando eu falava exatamente do desaparecimento da chamada dicotomia ideológica. V. Exª tocou de raspão e lembra a época em que estivemos de costas para os nossos vizinhos, sempre de frente para a Europa. Não basta darmos as mãos, precisamos saber olhar na mesma direção, Senador Pedro Simon. E se, num cinqüentenário como este, não começarmos a traçar caminhos e apontar soluções, ficaremos sempre no diagnóstico, sem dizer qual é a terapêutica.

Aliás, o Parlamento pode ter todos os defeitos, diz-se dele que normalmente é um “blá-blá-blá!”, mas é aqui, nesta Casa, que ecoam todas as angústias populares. É ele que reflete aquilo que o povo quer. Se é ruim, é a representação autêntica que se faz aqui. Não importa que aqui haja médicos, advogados, engenheiros, o que importa é ter a consciência cívica, a dignidade, a decência de saber que o mandato político não é feito, em nenhum instante, para as ambições pessoais de cada um, mas sim para o que povo brasileiro nos exige, que é sua defesa.

De modo, Sr. Presidente, que já fico meio tranqüilo, pois com a canseira que dei aos eminentes Embaixadores e aos que me ouvem, na leitura obrigatória que o protocolo me impõe, salva-me o aparte do eminente Senador Pedro Simon; que, também como eu, gosta do que é; não tem saudades do que foi, porque foi Ministro também, e nem medo do que vai ser, porque será reeleito Senador. De modo que estamos aqui empatados, apenas com uma divergência de um ponto lá, outro cá. Mas, ao final, o que queremos é o bem comum.

Por isso, Sr. Presidente, permita-me que agradeça a presença dos eminentes Srs. Embaixadores, do Representante do nosso Clero - nós, que continuamos sendo a expressão católica do nosso País -; aos eminentes Ministros; ao meu velho e querido amigo Jackson Smith Lisboa; a todos nós que, nesta tarde, gostaríamos de estar completando meio século. Aqueles que, como eu, ultrapassaram essa marca, olhem para trás sem medo de seguir adiante.

Sr. Presidente, era o registro que eu tinha a fazer do cinqüentenário da OEA.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1998 - Página 6079