Discurso no Senado Federal

COMENTARIO SOBRE O DESAFIO DO GOVERNO PARA ALCANÇAR O EQUILIBRIO FISCAL, CONSIDERANDO A CRISE QUE AFETA A ECONOMIA MUNDIAL.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.:
  • COMENTARIO SOBRE O DESAFIO DO GOVERNO PARA ALCANÇAR O EQUILIBRIO FISCAL, CONSIDERANDO A CRISE QUE AFETA A ECONOMIA MUNDIAL.
Aparteantes
Josaphat Marinho, Lauro Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 07/10/1998 - Página 13286
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, AMBITO INTERNACIONAL, ECONOMIA, PROVOCAÇÃO, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, BRASIL.
  • COMENTARIO, CITAÇÃO, ECONOMISTA, NECESSIDADE, IMPOSIÇÃO, LIMITAÇÃO, INGRESSO, CAPITAL ESPECULATIVO, CURTO PRAZO, PAIS, FORMA, SOLUÇÃO, CRISE, AMBITO INTERNACIONAL, ECONOMIA, ESPECIFICAÇÃO, PAIS SUBDESENVOLVIDO.
  • ANALISE, SUGESTÃO, CITAÇÃO, ECONOMISTA, ARTIGO DE IMPRENSA, BUSCA, SOLUÇÃO, CRISE, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, AUTORIZAÇÃO, MORATORIA, ADMINISTRAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI).
  • DEFESA, AJUSTE FISCAL, CONTENÇÃO, GASTOS PUBLICOS, BUSCA, INDEPENDENCIA, BRASIL, INGRESSO, CAPITAL ESPECULATIVO, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS.
  • ELOGIO, CONCLAMAÇÃO, PAIS, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DISCIPLINAMENTO, GASTOS PUBLICOS, FORMA, SOLUÇÃO, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, EFEITO, FUGA, CAPITAL ESPECULATIVO, CURTO PRAZO, PAIS SUBDESENVOLVIDO, ANTERIORIDADE, REALIZAÇÃO, ELEIÇÕES, CARGO ELETIVO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA.
  • DISCORDANCIA, JOSAPHAT MARINHO, SENADOR, PARTE, PRONUNCIAMENTO, ORADOR, ELOGIO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONCLAMAÇÃO, PAIS, EMPENHO, SOLUÇÃO, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, ANTERIORIDADE, REALIZAÇÃO, ELEIÇÕES, MOTIVO, ADIANTAMENTO, ANUNCIO, POPULAÇÃO, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, OBJETIVO, CONTROLE, ECONOMIA NACIONAL, EFEITO, DESEQUILIBRIO, FUNCIONAMENTO, CAPITALISMO, MUNDO.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos nós estamos chegando das batalhas eleitorais travadas em nossos Estados, seguramente orgulhosos com mais essa afirmação de que funciona bem, em nosso País, o sistema democrático.

Ganharam as eleições de 04 de outubro aqueles que conquistaram a preferência do eleitorado. Se houve eventuais abusos em algumas comunidades, cabe-nos corrigi-los, através das normas legais, no esforço permanente que vise o aprimoramento das nossas práticas democráticas.

A par dessa nossa satisfação pelo pleno funcionamento das instituições, tivemos no correr de todo o período eleitoral - e ainda a temos em nosso espírito - a grave preocupação pelos acontecimentos da economia, engolfada internacionalmente por distúrbios de conseqüências até agora imprevisíveis.

No Brasil, ainda não chegou até nós - a cada um dos nossos patrícios, de forma pessoal e direta - os efeitos do que vem acontecendo no mundo econômico. Infelizmente, porém, esses dramáticos efeitos não tardaram a chegar, a não ser que se os emenize com soluções emergenciais que já começam a ser aventadas pelo talento de renomados economistas e políticos.

Antes da “explosão globalizante”, acionada ao seu clímax com a moratória decretada pela Rússia, permito-me lembrar que, em discurso neste plenário, eu já externava a minha preocupação com o capital externo especulativo, que impõe regras vacilantes a uma Nação ao invés de cumprir as que lhe sejam ditadas.

Disse desta tribuna:

” Os capitais externos naturalmente são bem-vindos em nosso País. E, como se sabe, têm ocorrido num ritmo excepcional, influenciando de modo significativo a economia brasileira. Contudo, como já disse em inumerosas oportunidades anteriores, o Brasil não pode ter suas portas escancaradas para o capital externo especulativo, nem aceitar de bom grado o dinheiro com fins meramente especulativos. Há de se criar um prazo médio, de um ou dois anos, para a faculdade de emigração de capitais aqui internados. Nesse sentido, o Governo Federal já tem acionado algumas providências que frenem a especulação dolarizada, que tantos recentes desastres já provocaram na Ásia.

Pretendo dizer, em decorrência, que são bem-vindas as empresas multinacionais - uma realidade, em ritmo de crescimento frenético, que nenhuma força econômica pode segurar. Em nosso País, temos o exemplo das montadoras de veículos e de tantas outras fábricas que trouxeram avantajados benefícios à nossa economia. Ainda agora, estamos assistindo ao ingresso de novos bilhões de dólares de empresas multinacionais, de variadas origens, vitoriosas nas concorrências das telecomunicações brasileiras.

E na frente do Brasil, em termos de investimentos estrangeiros, encontra-se apenas - por mais curioso que possa parecer - a China, que alguns ainda chamam de “A China Comunista”.

É esta a realidade da globalização, que dá transparência àquele antigo dito popular de que “dinheiro não conhece pátria”.

Contudo, é preciso que o Brasil se resguarde, com instrumentos legais rigorosos, para não ser mais uma vítima dos abusos que possam ocorrer nesses períodos tão perigosos das transações econômicas.”

Sr. Presidente, depois deste meu discurso, aconteceu o desastre da fuga precipitada de capitais que se sediavam no Brasil. A Malásia, provavelmente com demasiado rigor, impôs severas restrições à saída dos capitais externos. Economistas famosos, ortodoxos, mostraram-se vacilantes em relação aos capitais especulativos, e alguns deles já admitem que há de se criarem regras para frustrar o capital arbitrário, capazes de desmoronarem economistas nacionais ao simples sopro de um rumor.

Em recente entrevista publicada pelo Correio Braziliense em 02.10.98, o economista Paul Krugman, Professor do Massachussets Institute of Tecnology (MIT) e um dos mais respeitados do mundo, admitiu que está hesitante quanto à sua antiga ortodoxia, pois o mundo virou um imenso laboratório, com vários experimentos em curso nos mercados emergentes, não se sabendo qual o que será mais correto, se o câmbio fixo da Argentina, o flutuante do México ou o controle de capitais da Malásia. De uma coisa Paul Krugman parece certo: está assustado com o poder atual dos investidores especulativos. Disse ele na entrevista: “Não temos mais medo do que os países vão fazer, mas do que os investidores vão fazer”.

Frente à atual conjuntura, organismos de orientação sabidamente ortodoxa, como o Instituto Internacional de Finanças, que congrega os maiores bancos norte-americanos, já admitem que, sob determinadas circunstâncias, os países devem restringir a entrada de recursos externos de curto prazo.

A orientação da filosofia econômica, portanto, está alterando-se sob o peso dos acontecimentos que abalam os alicerces das nações.

Os jornais destacaram recentemente a proposta canadense que foi levada à reunião dos Ministros de Finanças reunidos em Washington: os países emergentes seriam autorizados a suspender o pagamento de seus débitos externos, se estivessem ameaçados pela fuga de capitais. Seria firmada uma espécie de moratória organizada, com a vantagem de ser administrada pelo Fundo Monetário Internacional. Os jornais destacaram a proposta canadense que foi levada àquela reunião, no sentido de que o FMI tome de fato as rédeas desse processo e evite uma catástrofe que pode ser iminente.

No Brasil, o Diretor de Política Monetária do Banco Central, Sr. Francisco Lopes, passou a defender restrições ao ingresso de capitais de curto prazo, por via de aumento da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras, embora assegurando saída livre desses capitais.

Buscam-se, pois, as soluções.

É preciso enfatizar, Sr. Presidente, que a atual gravíssima crise econômica não é brasileira, mas mundial, exigindo providências e sacrifícios de todos os países.

São recentes as previsões do Fundo Monetário Internacional: há um ano, estimava-se que o crescimento global, em 1998, seria de 4,25%. Contudo, esse crescimento será de apenas 2% em 1998 e de 2,5% em 1999.

Recorde-se que, em 1997, o crescimento expandiu-se em 4,1%. Portanto, entre 1997 e 1998, o sistema global deixou de produzir uma riqueza equivalente a 2,5% do PIB mundial - cerca de US$800 bilhões, valores iguais aos do PIB brasileiro, hoje avaliado em US$800 bilhões.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Concedo o aparte a V. Exª, com todo prazer.

O Sr. Lauro Campos (Bloco/PT-DF) - Nobre Senador Edison Lobão, gostaria de participar do seu discurso, fazendo algumas considerações tópicas às elucubrações de V. Exª, ao raciocínio que V. Exª traz a esta Casa, na tentativa que todos nós devemos fazer no sentido de decifrar as questões que hoje se colocam diante do capitalismo mundial, em sua crise mais completa e mais profunda. Hoje, não há como esconder o sol com a peneira. A potencialidade dessa crise vai fazer com que ela se revele muito mais profunda, ampla e abrangente do que a crise iniciada em outubro de 1929, nos Estados Unidos. Gostaria de adicionar ao seu raciocínio e à mesa de debates uma colocação que, há muitos anos, preocupa-me. Em certo sentido, existe crise num sistema como o capitalista ou em qualquer outro sistema quando aquilo que deve ser feito não pode mais ser executado. Por exemplo, se se pudesse continuar a investir, segundo alguns economistas, não haveria problema. Se o Governo capitalista, keynesiano ou desenvolvimentista pudesse continuar a investir, não haveria problema para a esfera governamental e para a reprodução do capital na esfera pública. Se o Governo pudesse continuar a fornecer os estímulos, os incentivos e as doações que sempre imputou às indústrias privadas nacionais, acumulando-os na esfera das empresas estatais, é óbvio que estaria fazendo isso e não estaria emagrecendo o Estado e empobrecendo o poder, porque capital é poder sobre coisas e pessoas. Seria um suicídio, do ponto de vista das classes que detêm o poder político, esvaziá-lo ao reduzir a massa de capitais de que ele dispõe, movimenta, acumula ou ajuda a acumular. Se o Governo pudesse, por exemplo, reduzir a taxa de câmbio, ele o faria obviamente. Mas o Governo não pode mais investir, porque existe uma crise no setor público. A economia keynesiana entrou em crise; a dinâmica keynesiana se transformou no seu oposto, na crise das finanças públicas que já está sendo vista há décadas. Se o Governo pudesse mexer na taxa de câmbio, ele o faria, como fez durante toda a fase de formação do capitalismo brasileiro, ora desvalorizando a taxa de câmbio para favorecer os cafeicultores e os exportadores de café, ora promovendo uma valorização cambial para favorecer os importadores de máquinas e de equipamentos, ora tendo que recorrer a um sistema de taxas múltiplas de câmbio para satisfazer interesses opostos, e assim por diante. Desse modo, estamos diante de um quadro em que o Governo brasileiro dirigiu a economia nacional num processo de inserção que levou ao desastre completo o Sudeste Asiático, ameaçando, inclusive, os Estados Unidos. Entramos num processo enganado e enganoso de inserção da economia brasileira. Nos abrimos, suicidamente, destruindo nosso parque industrial, aumentando o nosso volume de desemprego, reduzindo os investimentos e as oportunidades de emprego, fazendo com que a taxa de juro passasse a nos governar, elevando-se até 49.7% ao ano, inviabilizando, portanto, qualquer tipo de investimento produtivo, alimentando a especulação, numa inserção desastrosa que só muita propaganda, que só muito engodo, que só muita peneira para tapar o sol poderão, como puderam, obter algum efeito. Portanto, gostaria apenas de fazer essas colocações e lembrar, para terminar, que, por exemplo, neste livro que por acaso tenho à mão: “A Estrutura das Revoluções Científicas”, do professor Thomas S. Khun, da Universidade de Berkley, nos Estados Unidos, o que ele afirma aqui é que as crises são essenciais para abrir novos horizontes, novas perspectivas, novos paradigmas de ação. No entanto, desta vez, o que fizeram os técnicos do capitalismo, com suas inteligências? Ao invés de aproveitarem a crise para fazerem novas formulações, abrindo as portas para o futuro, voltaram a 1873, ao neoliberalismo, que já havia demonstrado há muito tempo ser incompatível com as necessidades reais da economia capitalista e havia conduzido essa economia à crise de 1929. E agora repete-se a história, com esta dimensão, com este drama que aí está. Muito obrigado, Senador Edison Lobão.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Verifico, Senador Lauro Campos, que as preocupações que tenho nesta matéria hoje não são maiores nem menores que as de V. Exª, que tem tanta preocupação quanto eu. Apenas, economista ilustre que é, seguramente conhece mais profundamente esta questão do que eu próprio.

Assusta-me, Senador Lauro Campos, quando V. Exª vaticina para a crise atual da economia mundial uma situação ainda mais catastrófica do que aquela que engolfou o mundo, que foi a crise de 1929.

Se tivermos que experimentar uma crise mais densa, mais profunda do que aquela, só Deus poderá dizer o que nos vai acontecer.

Entendo que o Governo brasileiro está tomando todas as providências que ao seu alcance possa tomar, no sentido de pelo menos minimizar os efeitos desta crise monumental.

O Governo brasileiro está indormido nestes cuidados e nestas providências. Oxalá, Deus possa orientar o Presidente da República e os seus Ministros a que encontrem um caminho, um caminho sólido para que possamos atravessar este oceano de dificuldades.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil, com renovada urgência imposta pela crise internacional, está diante de um grande desafio: o desafio do equilíbrio fiscal. “Equilíbrio fiscal” é uma expressão até mesmo singela, que, no entanto, tem significados de amplíssima repercussão econômica, social e política. Atingir o equilíbrio fiscal é assegurar a saúde futura de nosso desenvolvimento. Enfrentar com coragem o repto do equilíbrio fiscal é saber impor austeridade, contenção de gastos. Para que nos tornemos independentes dos capitais especulativos, para que possamos baixar os juros e, sobretudo, para que logremos manter uma enorme conquista do povo brasileiro que foi a vitória sobre a inflação, serão necessários os sacrifícios transitórios implicados nos cortes de gastos de um rigoroso ajuste fiscal.

Esse foi o caminho apontado à Nação pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em seu inspirado e histórico discurso de 23 de setembro passado. Naquela ocasião, faltando poucos dias para as eleições, o Presidente, em gesto político de alta coragem, conclamou o País para o desafio difícil, porém inadiável, de obter, nos próximos meses e anos, em um concentrado esforço, aquilo que vem sendo tentado com medidas incompletas há vários anos: a ordem e a disciplina nas contas públicas. O Presidente pregou, então, um ajuste austero dos gastos dos Poderes Públicos, a fim de criar bases renovadas e firmes para novas conquistas do Brasil em direção ao seu horizonte de progresso.

Esse ajuste austero é exigido do País como um todo: União, Estados Municípios; Executivos, Judiciários, Legislativos, sociedade organizada, todos têm que se compenetrar do momento delicado e especial que vivemos e contribuir para o esforço conjunto. Papel central nesse esforço deve ter o Congresso, do qual se espera que dê seu decisivo apoio à conclusão das reformas em andamento, bem como à nova legislação que decorrerá dessas reformas. O Congresso haverá de assumir as suas responsabilidades e não decepcionará o País neste momento histórico. O Senado, que tem sido tão produtivo e coerente na atual legislatura, certamente saberá estar presente como deve.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouço o eminente companheiro da Bahia, Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Ouço V. Exª com a atenção devida e respeito a sua interpretação. Permita-me, porém, ponderar que o discurso que o Presidente da República fez antes da eleição não valeu como enunciação, indicação precisa das providências necessárias. Sua Excelência, em termos muito genéricos, anunciou que, diante da crise, medidas deveriam ser tomadas. Ora, na proximidade da eleição, ou ele declarava essas medidas, ou não deveria tocar no assunto, porque, na verdade, o eleitorado ficou confuso, ficou sem saber quais eram essas medidas. Eticamente Sua Excelência deveria tê-las enunciado, para assumir inteira responsabilidade pelas conseqüências do que dizia.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Senador Josaphat Marinho, compreendo as observações de V. Exª. Respeito-as por inteiro, mas ainda hoje abrimos os jornais e ali encontramos recomendações do Presidente da República aos seus Ministros no sentido de que apressem as medidas que deverão ser tomadas nos próximos dias para conter essa avalanche que está em andamento. Ora, se Sua Excelência não as têm hoje, como poderia anunciá-las ontem? Por outro lado, devemos compreender que ainda que existissem essas medidas, naquele momento dificilmente um candidato à Presidência da República - sejamos sinceros - trataria de anunciá-las com uma antecedência de quarenta e oito ou setenta e duas hora do pleito eleitoral.

Creio, portanto, ser compreensível a posição do Presidente da República. Sua Excelência quis dizer que está atento ao problema e que decisões serão tomadas - graves - no instante em que estiverem concluídos os estudos a respeito. Sua Excelência quis dizer à Nação brasileira que o Presidente da República não estava indiferente à crise que tanto nos abala.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permita-me mais uma intervenção, Senador.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouço V. Exª outra vez, com todo o prazer.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Releve V. Exª. Se se tratasse de fato inesperado, poder-se-ia admitir que o Governo não estivesse preparado para adotar as medidas necessárias. Mas tais medidas vinham sendo reclamadas por muitas figuras da Oposição e outras apenas mais independentes em relação ao Governo, para que fossem adotadas, porque era evidente a necessidade de pô-las em prática. O Governo não as adotou. A crise já se vinha estabelecendo há meses. O Governo deveria estar pronto para decretar aquilo que fosse de sua competência e no que dependesse do Congresso convocá-lo imediatamente, porque não havia interesse maior para a Nação do que a nossa presença aqui, a fim de apreciar a matéria. Não o fez. Ficou nas generalidades. O povo ficou sem saber efetivamente o que ia ser adotado. Ainda agora, as medidas não são enunciadas e a imprensa até adianta que provavelmente algumas dessas medidas ficarão para depois do segundo turno. Ora, não é correto. Não é ético o procedimento do Governo em face do processo eleitoral.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Uma vez mais peço perdão ao meu eminente mestre Josaphat Marinho para discordar de S. Exª. Pior do que não tomar medida alguma será adotar medidas erradas. É preciso prudência na elaboração das medidas que o Governo pretende adotar. É preciso tomar medidas corretas, acertadas, sem o que, em lugar de resolver o problema, vamos, possivelmente, agravá-lo. Daí as cautelas que o Presidente tem tido junto com sua equipe econômica. É claro que não se pode esperar indefinidamente que, afinal, essas medidas sejam todas examinadas, testadas, etc. Mas é necessário cautela; açodamento é dispensável, penso eu, neste momento.

Sr. Presidente, em março próximo passado, desta mesma tribuna, tive oportunidade de tratar do problema da dívida pública, uma nuvem escura em nosso horizonte econômico, alimentada principalmente pelo déficit público. Naquela ocasião, mencionei o valor da dívida no final de 1997, que foi de R$254 bilhões. Pois a situação deteriorou-se. A dívida interna aumentou muito, insuflada por um déficit público crescente. Hoje, a dívida interna está em cerca de R$350 bilhões! Em meu discurso de março afirmava eu que a dívida interna poderia transformar-se no calcanhar-de-aquiles do Plano Real, que o déficit público estava solapando as finanças públicas. Enfatizei, então, na conclusão do meu discurso, que ainda teríamos de enfrentar um ajuste fiscal para que nossa economia pudesse avançar com tranqüilidade. Hoje, essa verdade está mais nítida do que nunca.

Um vigoroso combate ao déficit público é não só indispensável, como tornou-se inadiável diante da profunda crise de desconfiança que acometeu os agentes econômicos, tanto os externos como os internos.

Os agentes econômicos nutrem agora fortes suspeitas diante de um déficit público de 7% do PIB, que ameaça tornar o Poder Público inadimplente, as finanças públicas desarvoradas e desorganizadas e a volta da inflação uma possibilidade atemorizante.

O que ocorreu, de março para cá, foi a atual, aguda e onipresente crise financeira internacional. Com o desastre financeiro da Rússia, precipitou-se a crise. Ela já havia feito um ensaio localizado no México, em 1995. No ano passado, no Sudeste Asiático, várias economias foram profundamente prejudicadas por crises similares. Na ocasião, as reservas brasileiras perderam US$10 bilhões e o Governo teve de lançar um programa de ajuste fiscal parcial que, hoje percebemos, não foi tão longe quanto deveria ter ido. A situação grave da economia japonesa acentuou as tensões no Sudeste Asiático, com reflexos internacionais. As bolsas de valores em todo o mundo, que nos últimos anos exibiam excessiva euforia, sofreram, com esses fenômenos, abalos passageiros. Mas foi a declaração de moratória por parte da Rússia, em 17 de agosto, que deu início a um processo agudo e generalizado de pânico crescente e irracional. Países como o Brasil passaram a ser vistos como correndo iminente risco de desmoronamento. Nossas reservas perderam US$ 30 bilhões - uma sangria dolorosa, mesmo para reservas tão altas e seguras como as nossas. As bolsas de valores ao redor do globo sofreram perdas sérias diante da possibilidade de que a quebra em cadeia de países emergentes pudesse contaminar toda a economia mundial. As perdas das bolsas começam a abalar o sistema bancário internacional, ameaçando, de fato, arrastar consigo todos os sistemas econômicos.

           O fato concreto é que não podemos mais contar com capital volátil internacional para equilibrar nossas contas externas e que, para inspirar de novo confiança aos agentes econômicos internos e externos, que temem um desmoronamento do real - e que sejam preferencialmente os não meramente especulativos -, não mais podemos adiar um ajuste rigoroso de nossas contas públicas. Isto significa, antes de mais nada, reduzirmos drasticamente o déficit público. Déficit público que resulta de gastos excessivos e irrealistas nas três esferas de governo e em todos os Poderes. Déficit público agravado por não termos assegurado que todos os que devem pagar impostos neste País efetivamente os paguem. Déficit público que emana de um sistema previdenciário que é único no mundo por seu irrealismo, por suas concentrações de privilégios injustos, pela distribuição de benefícios a quem não contribuiu para o sistema e pela sua inviabilidade atuarial que ameaça o futuro de dezenas de milhões de trabalhadores.

           Temos um sistema previdenciário que apresenta rombos enormes, com gravíssima influência negativa nas contas públicas, desequilibrando a economia e retardando nosso progresso. Os déficits da previdência são crescentes, ano a ano: este ano montam a 7 bilhões de reais no sistema do INSS; 19 bilhões de reais no sistema dos servidores públicos federais; e 22 bilhões de reais nos Estados e Municípios. Ao déficit da previdência acrescenta-se a dificuldade específica dos Estados e Municípios, sobrecarregados com folhas de pagamento inchadas, muito acima do que seria razoável.

           Senhor Presidente, se não atacarmos com coragem e firmeza nossos desequilíbrios fiscais, como nos conclamou a fazer o presidente Fernando Henrique Cardoso, estaremos ameaçados de ter de volta a inflação. Estará ameaçada a estabilidade da moeda, que tanto favoreceu amplas camadas do povo brasileiro.

           Dados recentemente publicados pelo IBGE, resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, demonstram que houve nos anos recentes, em grande parte como resultado da política de estabilização, um enorme e positivo rearranjo na pirâmide social brasileira. Há seis anos, apenas 10% das famílias ganhavam mais de 10 salários mínimos. Hoje, esse percentual subiu para 22%. O tempo médio de estudo do brasileiro está hoje em 7 anos, índice ainda insuficiente, mas muito superior ao do passado. De 1992 a 1996, aumentou o número de famílias com renda mensal superior a 1.300 reais, abrangendo agora essa faixa 32,2 milhões de pessoas, quando antes eram 13,6 milhões. As pessoas abrangidas por famílias que têm renda mensal entre 330 e 1.300 reais são hoje quase 60 milhões, quando, em 1992, eram apenas 45 milhões. Os pobres e miseráveis diminuíram em número: em 1992, eram 73 milhões as pessoas inseridas em famílias de renda mensal inferior a 330 reais; em 1996, esse número havia se reduzido a 53,6 milhões. Isto é, 20 milhões de pessoas deixaram de ser pobres ou miseráveis, com a estabilização da moeda.

           Mais do que esses frios números, as pesquisas disponíveis apontam para um fenômeno novo no País, que recebeu grande impulso com a política de estabilização: trata-se da formação de enormes segmentos de classe média, de pessoas que progridem, estudam, que tiveram abertos e ampliados seus horizontes sociais.

           São essas pessoas que não podemos decepcionar, é por elas que devemos fazer de tudo, por mais duros que sejam os sacrifícios da austeridade que se impõe, para manter a estabilidade da moeda e combater o déficit público. Esse é o desafio que o Brasil deve vencer, esse é o apelo que nos lançou o presidente da República e que haveremos de atender.

           Senhor Presidente, em seu discurso de 23 de setembro, o Presidente da República fez uma histórica e veemente conclamação. Quero citar algumas passagens daquele seu momentoso pronunciamento, a saber: “Há anos o Brasil luta contra o déficit público... a inflação mascarava o real significado do déficit... a crise internacional apenas fez com que a necessidade do equilíbrio em nossas contas públicas se tornasse mais urgente... A busca do equilíbrio nas contas públicas é também uma questão de cidadania. O Estado tem de caber dentro dos recursos que a sociedade lhe dá... Há Estados onde o Legislativo e o Judiciário consomem recursos muito acima do razoável... Precisamos valorizar os recursos que o contribuinte paga na forma de impostos... é uma tarefa para as três esferas de governo... Quando os governos se endividam eles disputam com o setor privado os recursos disponíveis para empréstimos, levando à alta dos juros... O Estado não pode ser um peso para a sociedade e para a economia privada, não pode ser dominado por privilégios e corporações... Lanço aqui um grande desafio, o desafio do equilíbrio fiscal... estendido aos governadores e prefeitos do Brasil afora, e aos Legislativos... Determinei que sejam rapidamente efetuados estudos para definir bases legais que consagrem o princípio do equilíbrio fiscal... Se não formos capazes de reduzir as despesas na velocidade e volume necessários, como estamos propondo, talvez sejamos obrigados a uma discussão aberta sobre o aumento de impostos... Tenho consciência do que representa pedir um esforço maior de contenção. Faço-o para garantir a estabilidade, com os olhos voltados para um futuro com maior segurança econômica, para um Brasil ainda mais forte e melhor preparado para se posicionar no mundo.”

           Li recentemente, na coluna de Clóvis Rossi, da Folha de São Paulo, uma observação de Donald Johnson, secretário-geral da OCDE, Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico que reúne os 29 países supostamente mais industrializados do mundo. Dizia ele:

           “Embora falemos, por necessidade, de estruturas e fluxos (de capitais), é vital que não percamos de vista a dimensão humana. Milhões de pessoas perderam seus meios de vida e suas poupanças e, com elas, suas esperanças no futuro. No fim das contas, o capital se defende por si mesmo. Tragicamente, os cidadãos individualmente, nos países afetados (pela crise), não podem fazê-lo.”

           Senhoras e Senhores Senadores, não podemos decepcionar o povo brasileiro; é preciso manter as conquistas da estabilização. É hora de demonstrar capacidade de liderança, e o Congresso Nacional haverá de estar à altura deste desafio. O Estado e a sociedade não são mecanismos automáticos: o espírito que lhes insufla vida é a capacidade de liderança política, e essa não há de faltar ao Congresso Nacional. Num mar proceloso, surge a necessidade de um comando de pulso, de uma visão que oriente o leme. O Congresso, solidário ao Presidente da República e ao País, há de contribuir, nesta crise, neste desafio, com sua capacidade de liderança.

           Era o que tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/10/1998 - Página 13286