Discurso no Senado Federal

VOTOS DE APLAUSO AO ESCRITOR PORTUGUES JOSE SARAMAGO, EM RAZÃO DE TER SIDO AGRACIADO COM O PREMIO NOBEL DE LITERATURA, DE 1998.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA.:
  • VOTOS DE APLAUSO AO ESCRITOR PORTUGUES JOSE SARAMAGO, EM RAZÃO DE TER SIDO AGRACIADO COM O PREMIO NOBEL DE LITERATURA, DE 1998.
Aparteantes
Bello Parga, Nabor Júnior, Paulo Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1998 - Página 13507
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA.
Indexação
  • HOMENAGEM, JOSE SARAMAGO, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, PORTUGAL, RECEBIMENTO, PREMIO LITERARIO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Para justificação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a justificativa tem vários motivos. Primeiramente, devo dizer que me sinto muito orgulhoso em ser neto e filho de portugueses. Conseqüentemente, parto dessa premissa para dizer que o idioma português hoje atinge, em nível mundial, um reconhecimento que o próprio escritor português José Saramago fez questão de registrar: “Nossa língua precisou esperar cem anos por isso”- palavras textuais do escritor.

Quem conhece a vida de José Saramago, quem com ele conviveu e convive, quem apreciou o seu passado pode evidentemente discordar do seu conteúdo ideológico, mas não pode em nenhum instante duvidar do brilho e da sua característica principal, que é a coerência consigo próprio.

José Saramago, ano passado, depois de saber que eu era um de seus leitores assíduos, teve a gentileza de escrever em seu livro Todos os Nomes uma dedicatória a mim, que me comove, e que fica, entre outros livros que dedicou a mim e a minha esposa, como herança para os meus netos. E não é apenas porque seja um grande escritor, muito menos por ser eu descendente de portugueses, mas porque conseguiu escancarar a porta do idioma português para o mundo.

Tenho aqui registrado o que se diz sobre o vencedor do maior prêmio literário do mundo. Quando da decisão da Real Academia Sueca em premiar José Saramago, nossa escritora Rachel de Queiroz - também ela uma das primeiras a mostrar que o naipe feminino na literatura merecia um assento definitivo na Academia Brasileira de Letras - disse textualmente:

      “O grande público europeu nunca tinha dado muito importância à literatura em Língua Portuguesa. O fato de ter ganho significa que ele é lido e apreciado na Europa e nos Estados Unidos. Saramago aproximou a Língua Portuguesa da Europa, que pouco a conhecia”.

Veja, Sr. Presidente - e para satisfação minha, vários cultores do idioma português aqui se encontram nesta manhã -, o que representa a nossa Língua, que, apesar de ser falada por um número maior de pessoas no mundo inteiro do que, por exemplo - e não vai aí qualquer restrição -, o idioma espanhol, não é conhecida nos grandes centros internacionais - ONU, OEA e outros -, para que se lhe dê o cunho oficial.

Se juntarmos todos os países que falam a Língua Portuguesa, veremos que eles suplantam em muito os nossos países irmãos que falam o idioma Espanhol. Essa abertura, essa investida no mundo literário pela Língua Portuguesa, por intermédio de Saramago, resgata uma dívida que a Academia tinha para com o Brasil, a partir da luta de que todos nós participamos para que Jorge Amado também fosse reconhecido. E ninguém melhor do que Jorge Amado para dizer o que pensa sobre o prêmio concedido a José Saramago:

“Fico duplamente feliz, pois o prêmio foi concedido a um grande escritor e querido amigo. Se alguém merece o Nobel, é Saramago. Ao premiar a Literatura Portuguesa através de um dos mais expressivos escritores, o Nobel finalmente fez justiça à nossa Língua.”

Veja o advérbio de modo, Sr. Presidente: “finalmente”! Em verdade, aqueles poetas que sabem onde querem chegar, que escolhem o caminho certo e o jeito próprio de caminhar, um dia vêem reconhecido o seu talento.

Quem desconhece que José Saramago começou como escritor, que professa uma ideologia que nós outros não abraçamos, que teve dificuldade porque não fez concessões e, tantas vezes, não teve medo da ditadura portuguesa; e, sendo um homem cético e de difícil convivência, atinge, pela sua coerência, esse prêmio fantástico. Como ele diz, “menos pelo valor monetário” - são palavras suas. Saramago garantiu que não comprará três carros ou quatro vídeos nem vai procurar cassino. Como sabem V. Exªs, o prêmio é de quase um milhão de dólares. E continua Saramago:

“Estamos tão acostumados com o fato de que um escritor tem de ser pobre. Não se pergunta a um tenista ou a um jogador de futebol o que ele pretende fazer com o dinheiro que ganha”.

Saramago é, queiram ou não queiram, um dos escritores altamente respeitados na Europa e, sobretudo, no Brasil. Em Língua Portuguesa, deu ele exatamente as seguinte obras: O Ano da Morte de Ricardo Reis, A Bagagem de um Viajante, Cadernos de Lanzarote, Ensaio Sobre a Cegueira, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, História do Cerco de Lisboa, In Nomine Dei, Jangada de Pedra, Manual de Pintura e Caligrafia, Objecto Quase e Viagem a Portugal. E todos nós que estamos acostumados ao convívio com José Saramago sabemos que o seu último livro, O Conto da Ilha Desconhecida, ainda que já se tenha feito o anúncio do Prêmio Nobel de Literatura, não tem data para seu lançamento.

Há muitos anos, li o Memorial do Convento, uma história com sinais verídicos, mas gerada pela inteligência de Saramago, sobre um rei que precisava de um descendente e ouviu de um franciscano que, se erigisse um convento em Mafra, teria seu primogênito. Quando terminei o livro, rapazola, fui a Mafra com meu pai e verifiquei que o escritor tantas vezes ultrapassa aquela realidade, pois seu mundo de fantasia acaba sendo mais fantástico.

Hoje, com essa descendência que dizia ao começo, vendo um escritor da Língua Portuguesa conseguir esse prêmio tão alto, não poderia deixar de apresentar ao Senado esse requerimento de votos de aplauso, ouvidos os meus eminentes Colegas. Tenho certeza de que, dentre eles, há tantos mais capacitados do que eu para fazer este registro, mas, no entanto, deferem a mim essa precedência por saberem que até eu, com menos luz, sou capaz de fazer anúncio desta natureza.

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Nabor Júnior (PMDB-AC) - Ilustre Senador Bernardo Cabral, faço questão de explicitar o apoio da sociedade acreana, particularmente dos intelectuais de minha região, à iniciativa de V. Exª, requerendo voto de aplausos do Senado Federal ao escritor português José Saramago pela sua escolha para receber o Prêmio Nobel de Literatura. Digo mais: estou absolutamente convicto de que a proposta reflete o sentimento de todos os brasileiros, através dos Senadores que os representam nesta Casa. Na verdade, o reconhecimento ao talento e à portentosa obra do grande escritor lusitano se estende também ao nosso País, pois somos uma Nação que fala o idioma português. É fato inegável que esse prêmio tem sido outorgado, quase sempre, a escritores americanos e a representantes de outras nações européias onde se falam línguas de origem eslava ou anglo-saxônica - e, pela primeira vez em cem anos, como V. Exª acentuou em seu pronunciamento, a Academia Sueca o concede a um português, cuja vasta obra literária se consagra, destarte, através do reconhecimento de todos aqueles que analisam e que têm conhecimento das grandes manifestações intelectuais universais. É digno de justo orgulho o registro de que a honraria , na penúltima edição no século XX, coube a um escritor português; conseqüentemente, o mundo lusófono - onde se inclui o Brasil - também se vê contemplado com a concessão desse prêmio. Parabenizo V. Exª pela iniciativa que acaba de tomar.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Nabor Júnior, o que encanta em nós, que falamos o idioma português, é verificar que V. Exª, por exemplo, que é do Acre, pode proclamar, no maior preito de justiça, que esse é o grande feito do conquistador português. Na sua colonização, de norte a sul, de leste a oeste, falamos o idioma português sem dialeto, coisa que é impossível de se verificar em qualquer colonizador, pelo mundo inteiro. Não há país que tenha sido colonizado, por menor que seja, em que não exista um dialeto. Eu e V. Exª, do Norte do País, sabemos que, sobretudo no Maranhão, na terra de Bello Parga, onde se fala com maior clareza a Língua Portuguesa, este é um dos trunfos da conquista de Portugal: ter feito com que os seus filhos brasileiros não adotassem dialeto para sua comunicação.

Por isso mesmo, acolho o aparte de V. Exª e peço permissão para incorporá-lo ao meu discurso, pela confirmação do que acabo de dizer.

Preciso de mais alguns minutos para concluir, Sr. Presidente.

O Sr. Bello Parga (PFL-AM) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio) - Dada a importância da homenagem, a Mesa vai ser condescendente com os aparteantes, pois já vejo o Senador Bello Parga desejoso de fazer um aparte.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Peço vênia a V. Exª, porque o meu discurso estaria incompleto se não ouvisse o Senador Bello Parga .

O Sr. Bello Parga (PFL-MA) - Senador Bernardo Cabral, agradeço a V. Exª a referência que faz. Quero apenas acrescentar que José Saramago não é somente um escritor português, mas um romancista consagrado pela crítica de ambos os países de Língua Portuguesa e de toda a Europa, onde inúmeras traduções de seus livros têm sido disseminadas. Saliento, também, o especial júbilo que se apossou do Maranhão desde ontem, com a notícia da concessão do Prêmio Nobel para José Saramago. No Brasil, temos uma instituição, o Instituto da Língua Portuguesa, cuja sede foi lançada em São Luís do Maranhão - faltou ao lançamento o então Embaixador José Aparecido -, a qual propiciou que o próprio José Saramago visitasse aquela capital, onde fez amizades e onde foi reconhecido o seu grande valor literário, por meio de palestras e intervenções quando da fundação do Instituto. Para todos nós, representantes do povo, que falamos o Português - como tão bem V. Exª acentuou, causa eficiente da nossa nacionalidade e da unidade deste País continental -, a vitória, se é que podemos assim conceituá-la, é da Língua Portuguesa, esse idioma que muitas vezes tem sido menosprezado e no qual pontificaram Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós, para citar apenas os nascidos na Ibéria, mas que foi também a bandeira literária de Machado de Assis, Euclides da Cunha, Gonçalves Dias, Castro Alves e tantos outros luminares da nossa Literatura. Em boa hora V. Exª apresenta essa iniciativa, que tem o meu apoio e o do Senado brasileiro, porque é um ato de justiça e de reconhecimento às louçanias da Língua Portuguesa.

           O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Agradeço a V. Exª, Senador Bello Parga, até porque sei o quanto V. Exª é um dedicado à Filologia e, por via de conseqüência, à Literatura. Com isso, traz esta chega que muito me honra e me alegra.

           Não teria outro sentido se eu não fizesse, agora, juntar ao aparte do eminente Senador Nabor Júnior e ao aparte do Senador Bello Parga um registro do crítico Wilson Martins, que, todos sabemos, é um dos mais brilhantes analistas do que se publica na Língua Portuguesa. Wilson Martins declara sobre Saramago:

           Foi um dos melhores Nobéis já atribuídos. O prêmio corresponde à qualidade de um grande autor de Língua Portuguesa. Estilisticamente, ele faz uma revolução. Basta ler dez linhas para ver isso. Tematicamente, existe uma escolha pela condição humana e social.

Portanto, Sr. Presidente, tanto na parte estilística, quanto na parte temática, Wilson Martins ressalta o valor de José Saramago. Ao ressaltar esse valor, quero fazer companhia ao crítico.

O Sr. Paulo Guerra (PMDB-AP) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Bernardo Cabral?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Sr. Presidente, peço permissão a V. Exª para ouvir o Senador Guerra, que, neste minuto, tem a responsabilidade, quando assume o seu mandato, de preencher a vaga que deixa o nosso eminente Senador José Sarney, ex-Presidente da República, em decorrência de seu pedido de licença.

Ao conceder o aparte, faço uma saudação ao ex-Deputado Federal por duas legislaturas e hoje colega que abrilhanta este Plenário.

O Sr. Paulo Guerra (PMDB-AP) - Senador Bernardo Cabral, mercê de Deus e da vida política em que enveredei, e destacando a generosidade do sempre amigo, grande escritor e intelectual, Senador José Sarney, retorno ao Congresso Nacional.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Para alegria nossa.

O Sr. Paulo Guerra (PMDB-AP) - Para honra minha, ocupo esta Casa que, em momento outro, já me acolhera como Deputado Federal. A ambiência histórica que me propicia este mandato é muito rica; rica pela generosidade de V. Exªs, que aqui, conosco, compartilham deste momento. Coroando esta circunstância, o Senador Bernardo Cabral, pela sensibilidade sempre demonstrada, apresenta requerimento oportuníssimo, que diz respeito à nossa tradição, à nossa História, à nossa Língua, à nossa Literatura. José Saramago representa, como bem disse o Senador Bello Parga, o símbolo inequívoco do reconhecimento dessa flor do Lácio, tão decantada em prosa e verso, e que encontra hoje, através da obra desse grande escritor, o seu coroamento. Senador Bernardo Cabral, as palavras de V. Exª, cotejando aspectos de natureza estilística, filológica e lingüística, e revelando esse milagre brasileiro que é a nossa unidade lingüística preservada, patenteiam também a cultura, que V. Exª sempre imprimiu durante a sua vida parlamentar, a sua vida como um dos mestres cuja trajetória tenho a grande honra e satisfação de ter acompanhado. Quero também juntar minhas palavras em apoio ao requerimento de V. Exª, porque, mesmo se modesto, ele não poderia faltar a uma iniciativa tão brilhante. Parabéns, Senador Bernardo Cabral.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Paulo Guerra, acolho, no aparte de V. Exª, a manifestação de amizade ao orador, o registro sincero em torno de José Saramago e também o ponto assinalado em derredor do intelectual José Sarney, membro da Academia Brasileira de Letras. Mediante sua intervenção, V. Exª, parlamentar que durante oito anos integrou a outra Casa, como vários de nós, inclusive eu próprio, traz o sentido exato de que se trata não apenas da solidariedade, do voto, do acordo, da afirmação quanto a um requerimento, mas do reconhecimento de que hoje o Brasil está satisfeito em ver que a Língua Portuguesa faz a sua marca registrada no panorama cultural mundial.

Concluindo, Sr. Presidente, lembro - todos aqui têm conhecimento - das palavras proferidas pelo inventor do Prêmio, antes de morrer. Chamava-se Alfred Bernard Nobel - veja V. Exª que meu nome já deve ter muitos ancestrais -, nome que na nossa língua virou Nobel. Nasceu em 1833 e faleceu em 1896, foi inventor da dinamite e de outros explosivos muito mais potentes. Essas descobertas renderam uma fortuna imensa - US$ 31 milhões - ao pesquisador Nobel. O curioso é que, em novembro de 1995, portanto um ano antes de falecer, ele registrou em testamento que a sua fortuna seria destinada a um fundo para premiar aqueles que prestassem serviços relevantes à Humanidade.

Diz-se que ele fez isso talvez com remorso de ter contribuído, com a descoberta dos explosivos, para a morte de muitas pessoas. Mas ao consignar em seu testamento por que o fazia, ele proferiu estas palavras: “Prefiro ocupar-me em alimentar os vivos do que levantar monumentos aos mortos”.

Ora, como até hoje ninguém sabe o que é que, em verdade, levou esse excêntrico militar a fazer isso, digo que, no final do século passado, mal ele imaginava que iria contribuir para que José Saramago - e aqui faço a frase final do meu discurso -, para que José Saramago tivesse um encontro definitivo com a posteridade.

Obrigado, Sr. Presidente.

(Muito bem! Palmas. O orador é cumprimentado.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1998 - Página 13507