Discurso no Senado Federal

DENUNCIA AO TSE DE SUSPEITA DE FRAUDE ELEITORAL NO ESTADO DE RORAIMA, APESAR DO SISTEMA ELETRONICO.

Autor
Marluce Pinto (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Maria Marluce Moreira Pinto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • DENUNCIA AO TSE DE SUSPEITA DE FRAUDE ELEITORAL NO ESTADO DE RORAIMA, APESAR DO SISTEMA ELETRONICO.
Publicação
Publicação no DSF de 10/10/1998 - Página 13511
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • DENUNCIA, OCORRENCIA, FRAUDE, ELEIÇÕES, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, TELEJORNAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, IMPRENSA, DENUNCIA, ABUSO, PODER ECONOMICO, GOVERNADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR), FAVORECIMENTO, REELEIÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MEMBROS, GOVERNO ESTADUAL, JUDICIARIO.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, ROMERO JUCA, SENADOR, RENAN CALHEIROS, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), DENUNCIA, NEGLIGENCIA, SUPERINTENDENTE, POLICIA FEDERAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), APURAÇÃO, FRAUDE, ELEIÇÕES.

A SRª MARLUCE PINTO (PMDB-RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje lamento ter que usar a tribuna do Senado para relatar certos acontecimentos ocorridos no pleito eleitoral do Estado de Roraima.

Já ouvi, antes mesmo das eleições, vários Colegas lamentarem o fato de os governadores estarem no cargo. A culpa é nossa, porque votamos a reeleição, concedendo o direito ao governante de ficar no cargo e de não apresentar a mesma competitividade dos demais candidatos. No entanto, jamais poderia esperar que, em Roraima, onde 100% da votação se deu por meio da máquina eletrônica, houvesse uma inteligência inescrupulosa capaz de burlá-la e de cometer uma fraude nunca vista naquele Estado ou -- acredito -- até mesmo no Brasil.

O Ministro da Justiça, Renan Calheiros, foi claro, ao frisar que, embora, em seu Estado, sempre houvera muitos problemas eleitorais, nunca havia visto coisa igual. Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, apesar da votação eletrônica, em algumas localidades -- fico à vontade para falar, porque os eleitores estão cobrando --, o voto dirigido a determinados candidatos não foi computado. Houve certo tumulto nas seções, porque o número registrado pertencia a um candidato e a fotografia correspondente, mostrada no painel, era de outro.

Não sei se meus nobres Colegas ouviram, há mais ou menos um mês, na Bandeirantes, o jornalista Paulo Amorim* denunciar o que havia sido gravado em fita, por meio de grampo nos telefones do gabinete do Governador, da Casa Civil e de algumas secretarias. Até hoje, não sabemos de onde partiu a idéia desse grampo, mas isso foi muito divulgado pela imprensa nacional. O Governador ligou para o seu Secretário de Finanças e mandou repassar um numerário para a Companhia de Desenvolvimento do Estado -- Codesaima(*), para que o Presidente dessa empresa o entregasse à Chefe do Gabinete da Casa Civil, Cilene Lago Salomão(*). O Governador disse ao Secretário que se encontrava em seu gabinete e que o dinheiro poderia ser levado até ele. Segundo Cilene, dos R$200 mil, R$140 mil se destinavam ao homem da voz, que, no caso, pensa-se ser o Nelson Biondi(*), e R$50 mil, aos advogados de São Paulo; com os R$10 mil restantes se pagariam as passagens dos advogados.

Para se ter a realidade dos fatos, basta ler uma reportagem, de uma folha e meia, do Estado de S.Paulo, recentemente publicada, que relata todas as falcatruas daquele Governo. Lamento, como representante do Estado de Roraima, não poder ter evitado coisas dessa natureza, que envergonham seu povo. Roraima, após sua implantação, teve um amplo desenvolvimento em todos os setores. Não havia débito, quando o governo foi passado para aquele cidadão; hoje, ele ultrapassa R$200 milhões.

Estamos vivendo um verdadeiro descaso. Na folha de pagamento da Casa Civil, constam esposas de desembargadores e juízes; o próprio filho do Superintendente da Polícia Federal recebe sem trabalhar. Para V. Exªs terem idéia, quem fazia a âncora nos programas gratuitos do Governador era a esposa de um dos juízes.

Trata-se de um caso lamentável. Julgávamos que o povo de Roraima, que sempre soube escolher seus governantes, consideraria os fatos e não votaria naquele senhor; até admito que não o tenha feito, apesar de o resultado ter-lhe sido positivo. Lamentamos a fraude ocorrida.

Eu e o Senador Romero Jucá estivemos no TSE. Mesmo sendo adversários, acompanhamos e lamentamos as ocorrências neste pleito. Unimo-nos para preservar o segundo turno, porque temos certeza absoluta de que, se houver lisura nessa fase, S. Exª não ganhará a eleição. Não podemos, contudo, nada fazer sem a cooperação da Justiça, principalmente do Tribunal Regional Eleitoral, advertido pelo TSE.

Ressalto aqui a lisura do Presidente do Tribunal. Estou certa de que S. Exª não está envolvido nesses fatos, mas as fitas gravadas fazem menção a um dos desembargadores, cujo nome não citarei, porque, tratando-se de outro Poder, prefiro que o próprio TSE investigue e puna os verdadeiros culpados. Na fita, a Chefe da Casa Civil, Cilene Lago Salomão* pergunta ao Sr. Governador se pode retirar do dinheiro repassado pela Codesaima* os R$15 mil do tal desembargador; ela diz o nome dele. Cabe à Justiça investigar essa denúncia.

Meus nobres Colegas, realmente erramos quando aprovamos a reeleição, ou seja, quando permitimos que os mandatários de nossos Estados permanecessem nos cargos. Pelo que tenho acompanhado e conversado com outros colegas, houve muito abuso do poder econômico nessas eleições. Em nosso Estado, a esposa do Governador ia para o interior com carretas carregadas de telha e cimento para serem distribuídos, além do derrame de dinheiro no dia da eleição, na capital e também no interior. Telefonava-se à Polícia Federal e não chegava um agente. Também não poderia chegar, uma vez que o filho do superintenden, sem trabalhar, recebe salário pela Casa Civil do Governo do Estado.

E tem mais, Sr. Presidente, notícias veiculadas pela TV Bandeirantes e pelos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo, o Correio Braziliense - este com menos ênfase -, dão conta, principalmente O Estado de S. Paulo, de quais secretarias saiu dinheiro para a campanha do Sr. Governador. A mesma secretária, Cilene Lago Salomão*, telefonou ao secretário de Finanças, pedindo que S. Srª. repasse R$150 mil para a Companhia de Energia de Roraima, pois já havia conversado tudo com o Presidente da referida Companhia, o Sr.Vitor Emanuel Pereira Catanhede*), no sentido de conseguir a documentação para fazer jus a essa retirada e que essa quantia seria levada para o Governador.

O pior, Sr. Presidente, é que vamos ter que tomar medidas drásticas, pois esta mesma senhora, Cilene Salomão, foi nomeada, em 06 de outubro recém passado, pelo Sr. Governador, para ocupar uma das vagas do Tribunal de Contas do Estado.

Quero registrar que o nosso Estado está completando dez anos. Creio que o nosso ilustre Senador Bernardo Cabral, relator da constituinte, lembra-se dos trabalhos que apresentei no Congresso Constituinte. Naquela época, tive muita cautela na implantação do Estado, por não haver uma renda que correspondesse às despesas, inclusive ao suprimir o número tanto do Tribunal de Justiça, quanto do Tribunal de Contas. Colocamos que no Amapá e em Roraima, até completarem 10 anos de criação como Estados, o Tribunal de Contas teria apenas três conselheiros e o Tribunal de Justiça, regional, teria apenas sete. Agora está o Sr. Governador disponível para nomear mais quatro para o Tribunal de Justiça e outros quatro para o Tribunal de Contas. Creio que alguns dos juízes que lá estão, se facilitaram essa fraude, fizeram-no esperando serem contemplados. Pelo menos uma já foi nomeada, retribuída nos favores que fez. Afirmo, entretanto, que enquanto Senadora eu for, não vou descansar no sentido de tentar impedir tais absurdos. Sei que vai levar tempo.

Sabemos ser crime grampear telefones e não aprovo tal expediente. Muito tempo os meios de comunicação de Roraima passou condenando os criminosos que grampearam o telefone do Sr. Governador, mas S.Exª nunca se desculpou pelo crime por ele praticado. Afinal, foi sua voz e a voz de seus comandados que ouvimos através da TV Bandeirantes durante a apresentação do jornalista Paulo Amorim. S. Exª. recebia R$200 mil enquanto o seu Secretário de Finanças dizia que já estava preparando uma tal “operação de R$1 milhão” que deveria repassar para S. Exª.

É uma vergonha!

Algumas das fitas foram enviadas não só para o Senador Romero Jucá como para o Comitê da nossa coligação, tendo como remetente um nome fictício. Ainda vou conversar com o nosso advogado para saber o que poderemos fazer, porque, realmente, mesmo que haja fraude agora no segundo turno, se aquele senhor vier a ser governador, será uma vergonha não só para Roraima como para o nosso Brasil, caso as autoridades maiores não lhe cassem o mandato e o punam com o rigor da lei.

Sinceramente, meu caro Senador Bernardo Cabral, nós que somos da Amazônia, sabemos que muitos chegaram a ocupar cargos por fralde no mapeamento. Existia isso em política, nós sabíamos, e, quando tomei conhecimento de que a eleição no nosso Estado seria 100% através do voto eletrônico, fiquei despreocupada. Mas depois que começaram as denúncias a nível nacional, preocupei-me. Mais ainda quando haviam denúncias de que um dos Desembargadores estava mancomunado, fato extremamente greve e perigoso para o nosso Estado. É lamentável. Eles podem até dizer que estou hoje nesta tribuna por não ter conseguido ir ao segundo turno para o cargo de Governador, mas fico muito à vontade, porque já tenho quase 19 anos naquele Estado, sempre muito bem sucedida nas urnas. O que me traz a esta tribuna é mais para dar satisfação aos nossos eleitores, porque desde o dia em que começou a votação os nossos telefones não têm parado de tocar, pedindo uma enérgica reação. Gente simples do interior ate hoje me telefona e indaga: “onde estão nossos votos, Senadora? “Não podemos fazer nada, somos apenas os eleitores A senhora é que é a Senadora e deve nos ajudar.”

Quero que hoje, através da Voz do Brasil, os eleitores de Roraima saibam que o Senador Romero Jucá e eu estivemos com o Ministro da Justiça para denunciar a negligência do Superintendente da Polícia Federal no nosso Estado. Em Caracaraí, carros distribuíam material e faziam comícios com uma carreta ao lado, sorteando brindes como geladeira, televisão, bicicleta - eu mesma vi - e, apesar de telefonarmos para a Polícia Federal, não chegou agente algum.

Meus caros Senadores, meus nobres Colegas, é isso que ainda está acontecendo no nosso Brasil. Não podemos deixar que os desonestos sejam premiados. Um juiz que denunciou o nepotismo em meu Estado e exigiu que saíssem da folha de pagamento as esposas de alguns desembargadores e membros da família do Governador foi afastado, por unanimidade, do Tribunal de Justiça de meu Estado. E foi daqui de Brasília, por decisão do Supremo Tribunal Federal, que o mesmo juiz foi reintegrado em suas funções. V. Exªs conhecem a lisura, a competência e a capacidade do Ministro Nélson Jobim, o Relator do processo. Jamais o Ministro Nélson Jobim daria um voto favorável se não tivesse as provas materiais de que o houve injustiça. Em Roraima, infelizmente, um juiz foi penalizado somente porque cumpriu a lei.

Não podemos deixar que jovens, iniciando suas carreiras, principalmente um juiz, sejam condenados injustamente e deixar aqueles que agem com má-fé serem prestigiados. O juiz não precisava entrar com recurso para reintegração, porque já havia sido aprovado para o cargo de juiz da Justiça Federal. Mas o juiz não podia deixar em seu currículo a mancha de ter sido afastado do Tribunal onde trabalhava, como se fosse um irresponsável.

Devo ressaltar que não estou com mágoa alguma, porque sei da lisura de nossos eleitores. Talvez não consigamos a anulação desse pleito. Ontem, foi ao Tribunal Superior Eleitoral um Deputado Estadual que, também, se sentiu prejudicado, em nome de mais 15 Deputados Estaduais de Roraima, que tinha a certeza de seus votos não aparecerem. Esse Deputado, que ontem se apresentou ao Corregedor, Ministro Eduardo Ribeiro, é da coligação do Sr. Governador. Naquela oportunidade, esse Deputado afirmou que só foram eleitos aqueles Deputados que realmente gozam da amizade particular do Governador. Algumas pessoas que se candidataram não tinham a mínima chance de ganhar. Uma senhora, cujos votos seriam provenientes de apenas dois lugarejos foi eleita. Outros candidatos, atuais deputados, que tranquilamente possuiam condições de voltar a exercer o seu mandato, não conseguiram se reeleger.

No pleito passado, o atual candidato eleito a Senador e que terá assento nesta Casa, obteve votação insignificante para Deputado Federal. Hoje, quatro anos passados, esse mesmo cidadão, que nada fez pelo nosso Estado, obteve agora mais de 40 mil votos e vai ocupar a cadeira de Senador. Aquele cidadão nada fez no Estado. Jamais ocupou nenhum cargo que, ao menos, justificasse a conquista de algum voto dos eleitores. Ele foi eleito simplesmente por ser amigo de infância do Governador, por ter feito parte da cúpula. Todos pensavam em como ele poderia candidatar-se ao Senado já que havia sido derrotado nas eleições para Deputado Federal e, durante quatro anos, não havia se preparado para isso.

Infelizmente, no nosso Brasil, próximo à chegada do ano 2000, mesmo com o uso de máquinas eletrônicas, isso acontece. Há 19 anos na militância política; este é meu terceiro mandato consecutivo, a mim outorgado pelos roraimenses. O Senador Romero Jucá, que V. Exªs conhecem, é meu adversário, mas temos que reconhecer que S. Exª é um Senador atuante, goza do conceito e respeito e também de suas amizades. Mas nem assim, conseguimos - talvez pela surpresa com que fomos pegos - de evitar um caso tão lamentável como o ocorrido no Estado de Roraima.

Senador Bernardo Cabral, V. Exª sabe como vivem as pessoas na nossa região, naquelas localidades ribeirinhas. Estive nas 15 localidades situadas no baixo rio Branco. Foi lamentável ver que crianças desfilando descalças e o povo passando fome. Da esmagadora maioria dessa gente ouvi a frase: “Senadora, ainda bem que a senhora é candidata. Na época de seu marido, existia um barco para trafegar no rio Branco e também a voadeira. A senhora sabe muito bem o que isso representa. Hoje, não temos quase nenhum meio de comunicação. Os barcos estão encostados porque os motores queimaram e o Governador não manda consertá-los. Não vem ninguém aqui”.

Para que V. Exªs tenham conhecimento e certeza da fraude, quero dizer que o Sr. Governador, de acordo com o que apareceu nas urnas, foi muito bem votado naquelas localidades. Faço idéia do que aquele povo está pensando, a partir da forma como se pronunciaram antes. Quem eles gostariam que ocupasse o Governo não viram eleito. Vou voltar àquelas localidades. Tenho certeza de que eles dirão em quem votaram e confirmaremos mais essa fralde. Onde existe telefone, muitos estão usando esse meio para nos dizer a mesma coisa.

Fica aqui o meu registro, Senhor Presidente. Sei que não vamos parar por aqui. Peço aos meus nobres Pares que façamos algo por aquele Estado. Sei que o Estado tem seus três representantes, mas, todos nós, como Senadores da República, temos o dever e até a mesmo a obrigação, já que votamos favoravelmente à reeleição com a permanência dos mandatários em seus cargos, de fazermos alguma coisa para que se elimine essa facilidade tão espúria e que provou ser inexequível.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/10/1998 - Página 13511