Discurso no Senado Federal

DEFESA DO FINANCIAMENTO PUBLICO DE CAMPANHA ELEITORAL E DA DEMOCRATIZAÇÃO DO VOTO.

Autor
João Rocha (PFL - Partido da Frente Liberal/TO)
Nome completo: João da Rocha Ribeiro Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • DEFESA DO FINANCIAMENTO PUBLICO DE CAMPANHA ELEITORAL E DA DEMOCRATIZAÇÃO DO VOTO.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/1998 - Página 13460
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, BRASIL, LEGISLAÇÃO, ESTABELECIMENTO, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, FUNDOS PUBLICOS, IMPEDIMENTO, MANIPULAÇÃO, PROCESSO ELEITORAL, PODER ECONOMICO, COMPROMETIMENTO, DEMOCRACIA, PLENITUDE DEMOCRATICA, LEGISLATIVO, CONGRESSO NACIONAL, CONGRESSISTA, POLITICO, PREJUIZO, MAIORIA, POPULAÇÃO, SOCIEDADE, PAIS.

O SR. JOÃO ROCHA (PFL-TO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante a discussão nesta Casa da atual legislação eleitoral, no primeiro semestre, um dos temas mais polêmicos e que provocou acalorados debates tanto na Câmara quanto no Senado foi o financiamento público das campanhas eleitorais. De um lado, os partidos de oposição insistindo na aprovação da matéria, de outro, os partidos aliados do Governo Federal votando contra, seguindo a orientação da área econômica de que o Tesouro Nacional não tinha disponibilidade orçamentária para arcar com os custos do financiamento das eleições deste ano e que foram estimados pelo autor da proposta em torno de R$ 420 milhões, a ser bancado em parte pelo fundo Partidário e o restante com recursos do Tesouro Nacional.

Além do argumento financeiro, a maioria dos parlamentares defendia o veto à matéria, arvorando-se em defensores da sociedade que, no entender deles, poderia não ver com bons olhos o financiamento de campanha pelo poder público, ou seja, pelo bolso do contribuinte. Como é sabido, todas as questões polêmicas dividem opiniões, estimulam defesa ou ataque apaixonados, resultando, às vezes, em diagnósticos equivocados sobre o melhor ou o pior para a sociedade.

Quando essas questões não são amplamente debatidas, elas acabam não sendo bem entendidas ou assimiladas pela sociedade, que pode até fazer mau juízo de algo que pode lhe ser favorável. É evidente que quando se fala em financiamento de campanhas com o dinheiro público há uma tendência natural do contribuinte e da própria sociedade em reagir negativamente. A reação é compreensível, mas não se deve partir para avaliações precipitadas - ou mesmo para a condenação definitiva da idéia por falso moralismo.

Se analisarmos a importância do Legislativo para o processo democrático, para a plenitude do Estado de Direito, para o fortalecimento do princípio da representação popular e valorização da cidadania, veremos que o aprimoramento do processo legislativo e da representação popular passa pela democratização do próprio Poder Legislativo. É preciso entender, porém, que democratização significa transparência, acesso equânime às diferentes instâncias desse Poder, o que só será possível com regras claras, objetivas e imparciais. São essas regras que dão legitimidade ao instituto de representação popular, uma das pilastras do Estado Democrático.

Agora, eu pergunto: é possível se conquistar o Estado de Direito e fortalecer a representação popular com a manipulação do processo eleitoral pelo poder econômico? Acredito que não. Pelo contrário. Entendo que o financiamento privado das campanhas eleitorais acaba distorcendo o princípio da representação popular e comprometendo o processo democrático, na medida em que transforma os eleitos reféns ou despachantes de luxo de grupos econômicos interessados em manipular o Poder Legislativo e neutralizar a soberania do voto popular, na defesa de vantagens e privilégios que, na maioria das vezes, não condiz com a vontade majoritária da sociedade.

A manipulação dos parlamentares e a manutenção de privilégios da elite econômica acabam tendo um custo infinitamente superior para a sociedade, na medida em que colocam o Poder Legislativo a serviço de grupos corporativos, particularmente os mais poderosos economicamente, em detrimento do interesse da maioria dos trabalhadores. Que autonomia teria um parlamentar eleito com financiamento de empreiteiras de obras quando se discute, por exemplo, no Congresso Nacional o corte de verbas no orçamento para grandes obras para aplicação dos recursos para reforma agrária, educação ou saúde?

Além do mais, essa relação espúria entre financiador e financiado acaba criando um círculo vicioso de dependência e de servidão a serviço de causas menos nobres, em prejuízo da imagem do Poder Legislativo e do próprio parlamentar junto à sociedade, por falta de transparência no processo de representação popular. Quando essa relação envolve também o setor público, o que ocorre na maioria das vezes, particularmente em relação a empreiteiras, geralmente acaba se formando a mão dupla da corrupção, do favorecimento, dos privilégios, do encarecimento dos serviços públicos, com pesado ônus para toda a sociedade.

Todas as grandes denúncias de negociatas e corrupção no setor público estão inevitavelmente relacionadas ao financiamento de candidaturas por parte de grupos empresariais interessados nas benesses do poder público. Nesse sentido, basta citar os mais recentes escândalos que resultaram no impeachment do ex-presidente Fernando Collor, na CPI do Orçamento, na CPI dos precatórios etc, sem falar nas Comissões de Inquérito envolvendo Governos Estaduais e até prefeitos.

Além de comprometer a imagem do Parlamento e da própria importância do processo legislativo perante a opinião pública, o círculo vicioso da corrupção, alimentado pelo financiamento privado de campanhas eleitorais resulta num elevado custo social e econômico para todo o País, aumentando a sangria de recursos que faltam para obras e programas prioritários para o futuro do Brasil, particularmente nas áreas de educação, saúde, reforma agrária e segurança pública.

Sem combater essa sangria, dificilmente conseguiremos resgatar a imensa dívida social do País para com os mais necessitados, ampliando as oportunidades para todos os brasileiros, melhorando as condições de vida da maioria da população e devolvendo a esperança de um futuro melhor para milhões de trabalhadores que sempre alimentaram o sonho de ver o Brasil como um país mais justo e solidário.

Por isso, entendo que a adoção do financiamento público do processo eleitoral oferece ônus infinitamente menores para a sociedade do que o atual sistema, se compararmos o custo da corrupção e do abuso do poder econômico para financiar candidaturas não comprometidas com o futuro do País e com o bem estar de sua gente. Aprovar essa proposta, representa avançar no processo de modernização das instituições políticas, na valorização da cidadania, no fortalecimento e legitimação do sufrágio universal e na democratização do acesso de todas as camadas sociais nas instâncias dos Poderes Executivo e Legislativo.

É evidente que a adoção desse sistema deve ser precedida de uma reforma do Judiciário - para lhe dar instrumentos e meios de fiscalizar a utilização do dinheiro público pelos partidos políticos -, e exigirá uma ampla reforma político-partidária, que possa contribuir para o fortalecimento dos partidos e da representação popular, por meio do instituto da fidelidade partidária, do voto distrital, enfim, da democratização do processo eleitoral, já que o sistema atual é concentrador de poder, privilegia os grandes partidos e distorce os efeitos da soberania popular no jogo do poder político. Por que? Exatamente por colocar os partidos a serviço de grupos econômicos corporativos e não a serviço da sociedade. Por tornar os eleitos reféns do poder econômico que campeia despudoradamente de Norte a Sul do País, em cada eleição, em prejuízo dos pequenos partidos, dos demais candidatos com poucas chances de vitória e em detrimento dos interesses maiores da Nação.

Entendo ter chegado a hora de dar um basta a essa forma predatória de se fazer política. Esta Casa deve ter a altivez de enfrentar com coragem e determinação essa anomalia política, criada pela cultura centenária do fisiologismo e do egoísmo de determinados grupos econômicos que se colocam acima da Nação, priorizando seus interesses corporativos, em detrimento da vontade maior da sociedade, e ameaçando transformar o Legislativo numa extensão de seus negócios.

           Congresso Nacional perdeu uma oportunidade de ouro para enfrentar esse problema quando se discutia aqui a aprovação da atual Lei Eleitoral no ano passado e no primeiro semestre deste ano. Alegando escassez de recursos ou até mesmo que a aprovação do financiamento público de campanhas seria uma irresponsabilidade, pela inexistência de instrumentos para fiscalizar esses gastos públicos, o Governo Federal acabou levando a maioria nesta Casa a rejeitar a proposta.

Até mesmo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por meio de um de seus ministros, chegou a censurar a proposta, também com a mesma alegação de que o Judiciário não dispunha de meios ou instrumentos para fiscalizar os gastos desses recursos por partidos e candidatos em todo o País. Ora, esta Casa não pode recuar ou deixar de avançar em propostas que sejam positivas para o futuro do País ou que visem ao bem-estar da população por resistências ou dificuldades de sua implementação pelo poder público. Cabe às instâncias dos demais poderes a adoção de medidas necessárias à implementação do que foi aprovado pelo Legislativo e não o seu questionamento.

Para se ter idéia da importância dessa proposta, basta lembrar que o então Senador Fernando Henrique Cardoso, quando no exercício do mandato, apresentou nesta Casa, em junho de 1989, projeto de lei defendendo a instituição do financiamento público de campanhas eleitorais, visando exatamente pôr um freio ao abuso do poder econômico, fortalecer o sufrágio eleitoral e legitimar o instituto da representação popular.

É necessário, por fim, aprovar leis eleitorais permanentes, que dêem transparência ao processo eleitoral e tratem com equidade partidos e candidatos, para evitar abusos que surgem cada vez que se aprova nesta Casa leis específicas para cada pleito, ao sabor de imposições de maioria eventual, que nem sempre tem a legitimidade necessária para ditar sua vontade.

A Lei que regulamenta as eleições deste ano, por exemplo, limita em 2 por cento do faturamento bruto anual a contribuição de empresas para candidatos ou partidos e em dez por cento, limitado a 70 mil UFIRS - R$ 63.756,00 - a contribuição de pessoais físicas. Entretanto, não fixa limites para os gastos dos partidos ou coligação, o que acaba tornando letra morta as demais limitações. E os próprios representantes da Justiça Eleitoral já admitiram, reiteradas vezes, não ter condições de fiscalizar os abusos que se cometem durante o pleito nos mais diferentes pontos do País, sugerindo que, dependendo de cada caso, os opositores de candidatos infratores se encarreguem da fiscalização e da denúncia às instâncias judiciárias.

Como se vê, sem moralização e sem regras transparentes, dificilmente teremos a legitimação da representação popular, a democratização do acesso às instâncias de poder e o fortalecimento do processo eleitoral. Sem os mecanismos de valorização da cidadania e do sufrágio universal não se chegará à plenitude do Estado Democrático. Em conseqüência, não romperemos o círculo vicioso do Estado autoritário, centralizador e corrupto, tornando impossível a superação de nossos graves problemas e condenando o País à pobreza, ao atraso e ao isolamento em relação às nações desenvolvidas que há muito buscaram na plenitude democrática o caminho para a superação de suas dificuldades e para a construção da cidadania e da justiça social.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/1998 - Página 13460