Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A REFORMA POLITICA E FIDELIDADE PARTIDARIA.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA POLITICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A REFORMA POLITICA E FIDELIDADE PARTIDARIA.
Aparteantes
Carlos Patrocínio, Djalma Bessa, Geraldo Melo, Jefferson Peres, Josaphat Marinho, Ney Suassuna, Ramez Tebet, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1998 - Página 13544
Assunto
Outros > REFORMA POLITICA.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, DEFESA, FIDELIDADE PARTIDARIA, AMBITO, DIRETRIZ, PROGRAMA, PARTIDO POLITICO, GARANTIA, LIBERDADE DE PENSAMENTO, CONGRESSISTA, PRIORIDADE, RELAÇÃO, VOTO, LIDERANÇA.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tão logo decorrida a eleição, abertas as urnas e apurados os votos, a imprensa tem noticiado - e hoje estou retomando as minhas atividades parlamentares - ,com muita ênfase, a necessidade e até mesmo a prioridade para uma reforma política. Creio que esse pensamento de reformar, de modificar algumas coisas - há pouco o Senador Bello Parga mencionava manifestação do Senador José Sarney - é unânime. Precisamos reformar, melhorar, enfim, dar mais consistência ao nosso sistema político, eleitoral e partidário - “já é tarde”, diz o nosso grande Senador Bernardo Cabral. Mas, ao iniciarmos um diálogo sobre essas reformas, certamente teremos muitos pontos de divergência; seja na natureza da reforma, seja na sua profundidade.

Vejam bem: tem se falado muito - e estou falando em tese, portanto não há como relacionar o que vou dizer a pessoas ou a partidos -, na reforma político-partidária, na implantação da fidelidade partidária como instrumento para dar mais consistência política aos governos e, conseqüentemente obter maior celeridade na tramitação de projetos e reforçar os partidos. O que é uma necessidade inadiável. Os nossos partidos têm uma anemia crônica. Poder-se-ia dizer que é um mal do sistema partidário brasileiro. Embora, de alguma maneira, nos mais diferentes países, os partidos têm perdido essa capacidade de intermediação entre o governo e a sociedade. Mas, no caso brasileiro, é um mal antigo e que perdura. Fala-se na instituição da fidelidade partidária para se obter o fortalecimento dos partidos e dar mais celeridade, maior apoio ao Governo.

Sou favorável a que se vede a mudança de partido - e sou insuspeito para falar, porque já mudei de partido mais de uma vez, sempre por necessidade política, nunca para me beneficiar ou me aproveitar - socorre-me aqui, com a sua generosidade, o Senador Bernardo Cabral. Aliás, se indagarmos neste plenário, raro será aquele que não tenha mudado de partido. Ainda assim, se ele não mudou, foi o partido que mudou. Com todo o respeito aos meus companheiros do PMDB, por exemplo, o que tem o PMDB de hoje com o velho MDB? Nada. Então, o sujeito continua na sigla, mas o partido é outro. Eu disse, certa vez, questionado sobre esse assunto, que nessa acomodação partidária - penso que ela agora pode ser concluída com essa reforma da fidelidade -, se escreve o último capítulo da transição política longa, demorada que estamos vivendo no Brasil, porque agora já há partidos com diferentes tendências que podem acomodar todos os políticos nas suas diferentes siglas. Isso seria como que o ponto final nessa transição. Cada um dentro daquela sigla, dentro daquele partido com que mais se afinasse, onde tivesse condições políticas de exercer o seu mandato.

Portanto, deixo bem claro que sou a favor da fidelidade no sentido de dificultar muito e até mesmo vedar ou impedir a mudança de partido. Esse é o primeiro ponto que quero esclarecer.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Nobre Senador, acho que é preciso que se deixe muito claro que fidelidade partidária não é pressuposto nem preliminar, é conseqüência da vida partidária. Deve-se fidelidade ao partido por obediência ao seu programa. Deve-se fidelidade partidária à agremiação que cumpre suas diretrizes. Não pode haver fidelidade partidária como um instrumento para estrangular a consciência dos representantes. Não será exigência constitucional de fidelidade partidária o parlamentar ficar preso a todas as decisões circunstanciais do partido, porque, se assim for, ele perde a sua identidade. Passa a ser um objeto a serviço das variações de atitude do partido. A fidelidade partidária é ao programa, às diretrizes fixadas pelo partido.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Josaphat Marinho, pelo aparte, como sempre conciso e brilhante.

A segunda parte do meu pronunciamento refere-se justamente à fidelidade nas votações.

O art. 53 da Constituição diz que, durante o seus mandatos, “os Deputados e os Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos.”

Se o Parlamentar é inviolável, como se pode jungi-lo a uma decisão que venha a ser adotada, por exemplo, pelas Lideranças? Ainda se poderia cogitar disso, se o regime fosse Parlamentarista, porque, nesse regime, há o Governo do Parlamento. No entanto, mesmo na Inglaterra, que é o berço da fidelidade partidária, isso está sendo contestado. Este ano, quando estive lá, os jornais noticiaram que Deputados do Partido Conservador tinham votado contra o Governo, alegando questões de consciência.

Se tivéssemos essa camisa-de-força no Brasil ou essa espécie de “lei da rolha” que não deixa ninguém se manifestar, o que teria acontecido? O Collor talvez ainda fosse Presidente da República, porque, tendo as Lideranças fechado a questão, teríamos sido obrigados a votar, assim como o Maluf teria sido Presidente da República, porque, lembrem, foi a “infidelidade” que permitiu que se formasse uma maioria que elegeu o Tancredo. O assunto foi, inclusive, objeto de consulta ao Supremo Tribunal Federal. Vou até mais longe: ao caso Clinton. Trinta e dois Deputados do Partido Democrata votaram a favor da abertura do processo de impeachment. Não pode haver, dizia o Senador Josaphat Marinho com toda a propriedade, ato antipartidário maior do que esses trinta e dois Deputados do Partido do Presidente considerarem o assunto grave e optarem pela abertura de um processo de impeachment.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um novo aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Josaphat Marinho - Quero acrescentar ao que V. Exª está sustentando que uma das conquistas da democracia no mundo foi a repulsa ao mandato imperativo.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª completou muito bem o meu pensamento.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª, Senador Geraldo Melo.

O Sr. Geraldo Melo (PSDB-RN) - Senador Lúcio Alcantâra, quero congratular-me com V. Exª pelo seu pronunciamento. De certa forma, V. Exª começa a diminuir a preocupação com que eu estava acompanhando a discussão em torno dessa questão da fidelidade partidária. Receio que, em nome do fortalecimento democrático, venhamos a incorrer na tentação de transformar os partidos em grandes cartórios, por meio dos quais meia dúzia de caciques dominarão o Congresso Nacional e a vida pública do País. Tenho a impressão de que, quando se fala em fidelidade partidária, alude-se à fidelidade a algo que precisa existir. Enquanto não houver partidos, ninguém poderá ser fiel a nada. A grande verdade é que talvez pertençamos a um Partido que está pretendendo amadurecer como agremiação partidária. Há outras agremiações partidárias talvez até mais maduras do que a nossa, que já avançaram muito mais do que nós nesse processo e que estão conseguindo mobilizar fidelidade às suas posições, inclusive pela forma democrática como montam seu processo interno de decisão. Isso é uma coisa; outra é se escrever um texto de lei que imponha condutas e comportamentos a um homem público, de tal maneira que ele apenas se matricule num colégio, entre numa determinada agremiação, e, quanto ao restante, os chefes lhe digam o que fazer. Congratulo-me com V. Exª; já me sinto um pouco mais aliviado, ao ver intervenções tão esclarecedoras, como as de V. Exª, que contribuem para iluminar essa discussão que estava muito obscura.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Geraldo Melo. V. Exª abordou também um aspecto importante. Como disse, estou falando em tese; não me refiro a determinadas pessoas ou partidos.

Os partidos brasileiros, de uma maneira geral, são antidemocráticos, não há democracia dentro deles. Quer dizer, as questões não são tão discutidas; portanto, a rigor, eles não são democráticos internamente.

Em segundo lugar, que fidelidade se exigirá do Presidente da República, do Governador, do Prefeito? Como a do Ministro? Vimos o Presidente da República anunciar os cortes, mas houve Ministro que deu a declaração no jornal de que não os aceita ou deseja. Lembro que há entre eles uma relação hierárquica. Então, o que se cobrará como fidelidade de um Presidente, de um Governador, de um Prefeito?

Por último, penso também que, nessa questão, os partidos têm seus estatutos, que prevêem como se dá a fidelidade ou até a expulsão. Então, a Lei faculta que eles se organizem, nos limites da Constituição, evidentemente. Eles apresentam prerrogativas; têm de reunir seu diretório, o que dá trabalho, mas, evidentemente, essa é uma maneira muito mais democrática.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª, Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Senador Lúcio Alcântara, antes de mais nada, louvo V. Exª pelo tema que está abordando. Realmente, após uma eleição, temos várias indicações de que é preciso normatizar essa questão na reforma política. Dou como exemplo o meu Estado. O Líder do PMDB na Paraíba votou contra o Partido, pregou abertamente contra o candidato do Partido. Não era um Deputado qualquer do PMDB, o que seria admissível, pois temos uma coligação, mas o Líder do Partido, que devia defender as cores do PMDB. Há alguns pontos que precisam ser melhor clarificados. A classe política deve procurar caminhos que não amordacem ou aprisionem, mas dêem parâmetros para o debate desse assunto. Parabéns a V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado. Li, em um dos jornais da imprensa nacional, que um ilustre conterrâneo dos Senadores Djalma Bessa e Josaphat Marinho está propondo uma fórmula segundo a qual o Parlamentar votaria com a questão fechada e teria outro voto para manifestar sua posição. Evidentemente, só seria contabilizado um voto. Não vejo sentido em se adotar esse princípio, pois é muito difícil admitir-se fechamento de questão dessa maneira.

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL-TO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Carlos Patrocínio (PFL-TO) - Nobre Senador Lúcio Alcântara, gostaria de cumprimentá-lo, primeiro, pelo magnífico desempenho do seu Partido em seu Estado, pela vitória maiúscula do Governador Tasso Gereissati e do Senador; sabemos que V. Exª deu sua contribuição para que isso acontecesse. Quero também saudá-lo por trazer, ainda no desenrolar do segundo turno, esse assunto, com o qual deveremos nos debruçar no próximo ano, quando, lamentavelmente, o Senador Josaphat Marinho não estará presente. Peço ao Senador Josaphat Marinho que não nos deixe sozinhos; gostei muito da opinião de S. Exª. Aprendi com o eminente Senador João Calmon -- que diz ter aprendido isso na Fundação Konrad Adenauer Stiftung*, na Alemanha -- que, em primeiro lugar, devemos satisfação à nossa consciência, em segundo, à nossa Pátria e, em terceiro, ao nosso Partido. Em princípio, todos nós somos favoráveis à instituição da fidelidade partidária, mas esse é um assunto muito mais complexo do que podemos imaginar, principalmente diante da situação em que se encontram vários partidos em nosso País. Tem de haver uma reformulação total, para que se possa instituir a fidelidade partidária. Sabemos que há verdadeiras ditaduras dentro de alguns partidos. Então, cumprimento V. Exª por antecipadamente estar abordando esse assunto, que deverá ser fruto de grandes debates no decorrer do próximo ano. Lamento o fato de o Senador Josaphat Marinho não estar aqui no próximo ano. Gostaria que S. Exª estivesse aqui para participar desse debate, porque, como sempre, S. Exª emite opiniões que calam fundo naqueles que, de fato, pretendem implementar uma regra consentânea com a realidade e com as necessidades do País. Portanto, gostaria de dizer tão-somente a V. Exª, a quem cumprimento mais uma vez, que esse assunto é muito mais delicado do que se pensa. Só se ouve falar nos jornais e na imprensa que se deve instituir a fidelidade partidária, mas esse é um assunto de extrema complexidade, pela maneira como se encontram os nossos partidos hoje. Muito obrigado, eminente Senador Lúcio Alcântara.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Carlos Patrocínio, pelo aparte. V. Exª se referiu à eleição no Ceará, onde o Governador Tasso Jereissati vai desempenhar seu terceiro mandato, por uma decisão amplamente majoritária do povo cearense.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Ilustre amigo e correligionário, Senador Lúcio Alcântara, pelo número de aparteantes, já se percebe que esse será um dos pontos mais candentes da reforma política. Não há dúvida de que a licenciosidade de hoje, a permissividade, não pode continuar. Alguma forma de fidelidade há de ser exigida dos mandatários dos diferentes partidos. Por outro lado, a instituição da fidelidade há de reduzir também o fisiologismo, na medida em que os maus Parlamentares não irão barganhar com os governos o seu apoio. Mas, como outros já disseram, é preciso muita cautela com esse instituto. No Brasil, não há verdadeiros partidos. Às vezes, há caciquismo e verdadeiras ditaduras partidárias nos Estados.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª já sentiu isso na pele.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Com certeza. E talvez aconteçam fatos aberrantes, Senador Lúcio Alcântara. Como o fato de um dirigente partidário regional, que tem o inteiro controle do partido - às vezes nas mãos de seus apaniguados e familiares -, adotar uma linha que diverge inteiramente da linha do programa do partido. Nesse caso, quem será punido? Serão punidos os Parlamentares que divergem desses caciques e que são fiéis ao partido. Eles são fiéis ao programa e às idéias do partido, mas não aos caciques. Ainda assim serão punidos quando essa direção fechar questão em torno de determinadas matérias. Como me disse o ilustre Senador Josaphat Marinho, que vai falar em seguida, na verdade querem que haja fidelidade aos governos e não aos partidos. Creio que dificilmente o Congresso Nacional, de forma suicida, votará favoravelmente ao garroteamento da nossa independência para que nos transformemos em robôs. Não acredito que isso aconteça. Talvez a fidelidade venha, mas com as devidas cautelas. Muito obrigado, Senador .

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª falou sobre a licenciosidade. Ninguém quer que ela permaneça, até porque há uma diferença. Muitos divergem por razões ideológicas, de convencimento pessoal; outros divergem porque fazem parte desse balcão do fisiologismo, a que V. Exª se referiu.

De qualquer maneira, é muito difícil admitir a idéia de se garrotear um Parlamentar. Ainda tenho dúvida sobre o caso do Senador e do Deputado. Muitos argumentam que, de certa maneira, o mandato do Deputado pertence ao partido, na medida em que ele, por si só, muitas vezes não atinge o quociente e chega ao Parlamento pela soma de votos, inclusive de companheiros que não se elegeram. No nosso caso, a disputa é majoritária. Todos pertencemos a um partido, ao qual devemos fidelidade. Mas o nosso caso é diferente, não há a mesma sistemática empregada no caso dos Deputados, que, de fato, quando não atingem o quociente - no Brasil, poucos o atingiram -, são eleitos por meio da soma dos votos de toda a legenda.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Djalma Bessa, antes de V. Exª iniciar o seu aparte, gostaria de prorrogar, na forma do Regimento, a Hora do Expediente, para permitir que o nobre Senador Lúcio Alcântara possa ouvir os aparteantes e encerrar o seu discurso.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Senador Lúcio Alcântara, felicito V. Exª, que está abordando um tema da maior relevância. Pelos apartes que aqui foram feitos, observamos que se busca evitar o abuso, o que se justifica, sem dúvida alguma. Creio que vale a discussão. Não deve haver a fidelidade partidária para acabar, arrasar ou destruir a vontade do representante do povo; nem, tampouco, deve haver uma situação de completa abertura, em que o Deputado ou o Senador não fiquem devendo algo a seu partido. A fidelidade partidária já foi implantada, e vários dispositivos da Lei Orgânica dos Partidos Políticos disciplinavam um processo, assegurando ampla defesa ao acusado. O assunto chegou a ser decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral, porque havia uma dúvida.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Penso que esse assunto chegou a ser tratado pelo Supremo Tribunal Federal.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - É possível que esse assunto tenha sido tratado também pelo Supremo. A dúvida era a seguinte: até onde chegava a fidelidade partidária? Em uma eleição de Presidentes e de Diretores das Casas, valia a fidelidade partidária? O Tribunal entendeu que não. De maneira que, já naquela época, vigendo a fidelidade partidária, a Justiça disciplinou a matéria por meio de uma norma. Desse modo, felicito V. Exª por haver abordado esse tema, que requer de nossa parte uma meditação, um estudo, um cuidado e uma atenção muito grande, para evitarmos os excessos de uma abertura total e, por outro lado, o garroteamento da atuação do Parlamentar. Muito obrigado.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª tem razão. O que se deve buscar é esse meio termo, o que é justo, o que é razoável. Não se deve querer criar aqui um pelotão de Parlamentares para obedecer a quem couber liderar essas votações no âmbito do Congresso.

Precisamos encontrar esse ajuste, esse ponto correto, sem embarcarmos nessa idéia de aceitar uma abdicação. V. Exª foi Líder - inclusive, quando fui Deputado, V. Exª foi um dos meus Vice-Líderes - e sabe que isso significa voltar ao voto de liderança, reinstituí-lo agora de uma maneira muito mais draconiana. Quantas votações não são feitas aqui apenas com o voto do Líder! Mas há outras matérias em que existe a necessidade da manifestação de cada Parlamentar.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Permite-me V. Exª. um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Nobre Senador Lúcio Alcântara, a essência da matéria está no seu discurso. Estamos interferindo para lhe dar a solidariedade necessária no trato de um assunto em que os Parlamentares, sobretudo, têm que zelar pela liberdade de consciência. Devemos fidelidade às idéias que o Partido, por seu programa, adotar. Esse é o ponto essencial. Não podemos ser escravos das decisões circunstanciais inteiramente alheias às diretrizes do Partido.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª foi altamente esclarecedor e resumiu a questão. Esse, realmente, é o ponto que nos preocupa.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, posso conceder um aparte ao Senador Romeu Tuma?

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - O tempo de V. Exª. está esgotado, mas, evidentemente, a Casa nada perderá em ouvir também o Senador Romeu Tuma.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Com grande prazer, ouço o Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Gostaria de saudá-los, com muita saudade. Entrei aqui praticamente quando V. Exª estava recebendo vários apartes. Quando entramos em um partido - o Senador Josaphat Marinho foi claro nesse ponto -, recebemos a carta de princípios e os objetivos do partido. Então, se aceitamos nos inscrever num partido, seremos fiéis àqueles princípios da carta dos partidos, e não a decisões ou a interesses pessoais ou governamentais que ferem alguns princípios da carta recebida quando se ingressou no partido. Uma questão que se discute é de ordem pessoal. Tive dois filhos candidatos: um eleito, com 13 mil votos, e o outro, que teve praticamente 60 mil votos, não se elegeu, porque a legenda não conseguiu o coeficiente, ficando sem a possibilidade de assumir o Legislativo de São Paulo. Ouvi, com todo o respeito, o Senador Sérgio Machado, por mais de uma vez, fazer referência na TV Senado - no meu restabelecimento a distração era ficar vendo a TV Senado - de que, pelo seu projeto, o mandato é do partido e não do eleito; o partido é que é o dono, em tese, do mandato. Fico numa dúvida muito grande, porque a luta é de cada um de nós para buscar o voto, convencer o eleitor, fazer com que ele acredite nos nossos princípios. Depois de eleitos, assumimos e perdemos o mandato? Passa o mandato a não ser mais nosso? Essa é a proposta que vai vingar? Tenho idéia, inclusive, de conversar com o Senador Sérgio Machado a respeito desse assunto, porque acho que deve haver um meio termo. Cumprimento V. Exª por abordar o tema. É uma angústia muito grande esse debate permanente. Às vezes, dentro do partido, V. Exª é escolhido para seguir um caminho, disputar um mandato e, depois, no meio do caminho, o partido faz um acordo e V. Exª fica, sem dúvida nenhuma, na estrada, tendo que concordar ou não com esses desígnios, que são naturais pela legislação atual. Cumprimento V. Exª , agradeço e peço desculpas por interromper o discurso de V. Exª.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - V. Exª traz uma contribuição que é importante.

Já vou concluir, mas quero deixar claro que com este pronunciamento quisemos levantar a questão, mostrar alguns dos seus aspectos. Certamente, cada um vai refletir sobre o assunto e, no momento próprio, se pronunciar, com a sua independência, com a sua coerência, com a sua consciência.

A razão de o Senador Sérgio Machado dizer que o mandato do Deputado é do partido é que S. Exª entende que o Deputado que não atingiu o coeficiente eleitoral, automaticamente foi eleito em função do total de votos obtidos pelos diferentes candidatos e pela legenda. É isso que S. Exª chama de “mandato do partido”. De qualquer maneira, acredito que essa questão tem muita importância, porque todos estamos de acordo que teremos que ter alguns parâmetros para definir isso. Mas também parece que não se aceita que se exorbite disso, sob pena de garrotear a opinião do Parlamentar, sua manifestação, e assim por diante.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, o Senador Ramez Tebet deseja um aparte.

V. Exª é o árbitro.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Faço um apelo, inclusive ao Senador Ramez Tebet, para que seja breve, pois o tempo do Senador Lúcio Alcântara está esgotado há mais de 6 minutos e vamos dar início à Ordem do Dia.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Agradeço a V. Exª, Sr. Presidente, e cumprimento o Senador Lúcio Alcântara por trazer esse assunto logo à discussão e à consideração do Senado da República. Creio que realmente o instituto da fidelidade partidária precisa ter limites, a fim de preservar a liberdade individual, a consciência do Parlamentar, mas é indiscutível que ela deve existir, porque, positivamente, a sociedade brasileira não está aceitando essa mudança de camisa partidária que ocorre por aí. Acredito até que podemos discutir esse assunto isoladamente, mas temos que votar uma reforma política, já que o tema está ligado a outros, como o que levantou o nobre Senador Romeu Tuma, com muita propriedade, e que diz respeito ao voto majoritário e ao voto proporcional, isto é, o voto distrital ou o voto proporcional, e assim por diante. Então, nobre Senador Lúcio Alcântara, o garroteamento da nossa consciência tem um outro problema que está ligado ao da fidelidade partidária, qual seja, o da disciplina partidária. A fidelidade partidária, no meu entender, refere-se à troca de partido, e a disciplina partidária é quando uma Bancada se reúne e fecha uma questão sobre determinado assunto com o qual não concordamos. Será que também aí temos que votar contra a nossa consciência? Essa é a grande indagação. Por todos esses motivos, acredito que a reforma política deve ser discutida e votada imediatamente. Terminaram as eleições e o Presidente Fernando Henrique Cardoso precisa aproveitar a oportunidade para colocar em discussão nesta Casa, porque de iniciativa do Poder Executivo, a Reforma Tributária, uma vez que a Nação não pode mais esperar, e a Reforma Política. São as duas reformas importantes que o Congresso Nacional tem o dever de votar e acho que o momento é oportuno.

O SR LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr. Presidente, agradeço a tolerância de V. Exª. Concordo com o Senador Ramez Tebet com relação à limitação de migração de partido. Comecei o meu pronunciamento colocando o meu receio, o meu temor e, digo mais, a minha oposição a que, sob o argumento da fidelidade - e V Exª agora está distinguindo fidelidade partidária de disciplina partidária -, se venha a avançar sobre o seu arbítrio, para se manifestar em determinadas matérias. Dei o exemplo aqui dos 32 Deputados do Partido Democrata que votaram para que fosse aberto o processo de impeachment do Presidente da República, um companheiro, um correligionário, que está presidindo a nação mais rica do mundo.

Com esse discurso, com esse pronunciamento, estou justamente alertando para que certas nuances desse processo não venham a engessar a vida política do País, tornando despiciendo o Congresso. Bastaria colocar 10 ou 12 líderes para resolver o problema e nós apenas teríamos que confirmar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1998 - Página 13544