Discurso no Senado Federal

JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 162, DE SUA AUTORIA, LIDO NA PRESENTE SESSÃO, QUE VERSA SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE DEBATES ENTRE OS CANDIDATOS AOS CARGOS MAJORITARIOS, TENDO EM VISTA A IMPORTANCIA DESTES PARA FORMAÇÃO DE OPINIÃO ENTRE OS ELEITORES.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES.:
  • JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 162, DE SUA AUTORIA, LIDO NA PRESENTE SESSÃO, QUE VERSA SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE DEBATES ENTRE OS CANDIDATOS AOS CARGOS MAJORITARIOS, TENDO EM VISTA A IMPORTANCIA DESTES PARA FORMAÇÃO DE OPINIÃO ENTRE OS ELEITORES.
Aparteantes
Ademir Andrade.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/1998 - Página 13566
Assunto
Outros > ELEIÇÕES.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBRIGATORIEDADE, DEBATE, TELEVISÃO, CANDIDATO, ELEIÇÕES, CARGO ELETIVO, SISTEMA, MAIORIA ABSOLUTA.
  • COMENTARIO, ELEIÇÕES, PRESIDENTE DA REPUBLICA, GOVERNADOR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, IMPORTANCIA, DEBATE, TELEVISÃO, OPORTUNIDADE, POPULAÇÃO, COMPARAÇÃO, CANDIDATO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Antonio Carlos Magalhães, Srªs e Srs. Senadores, quero tratar de um dos aspectos mais importantes que caracterizaram essas eleições no que diz respeito ao seu aperfeiçoamento e ao aperfeiçoamento da democracia no Brasil. Refiro-me à necessidade, que acredito ser imperiosa, da realização de debates entre os candidatos.

           Não há forma mais democrática que propicie mais oportunidades de a população estar avaliando as propostas, as ações, as atitudes, os valores de cada candidato senão por intermédio dos debates pelos meios de comunicação.

           É da tradição dos modernos países democráticos que haja o debate entre aqueles que se candidatam à chefia de governo. Importantíssimos foram os debates, por exemplo, quando Richard Nixon estava à frente de John Kennedy, nas pesquisas de opinião e, em dois debates, John Kennedy virou a situação, conseguiu se sair bem e acabou se elegendo presidente. Memoráveis também foram os debates entre George Bush, Ross Perot, Bill Clinton, no qual Bill Clinton acabou se saindo melhor em dois debates e venceu as eleições. Bill Clinton também enfrentou o experiente Senador Robert Dahl por duas vezes e venceu as eleições.

           Na França, Giscard D’Estaing e François Mitterand realizaram memoráveis debates, transmitidos pelos meios de comunicação e que, inclusive, acabaram sendo vistos por todos aqueles que, em diversos países do mundo, acompanham os canais internacionais de TV a cabo.

Em diversos Estados brasileiros, os debates se constituíram em peças-chave. Por exemplo, no Estado de São Paulo, por exemplo, houve dois debates entre os candidatos ao Governo: um transmitido pela TV Bandeirantes, com o apoio do Jornal da Tarde, o outro pela RTC, com o apoio da Folha de S. Paulo. Os debates tiveram altos índices de audiência e grande influência sobre o destino das eleições. Ao primeiro debate todos os candidatos compareceram, no segundo esteve ausente o candidato Francisco Rossi. Foram muitos os analistas a afirmarem que a ausência de S. Sª, a forma como a RTC mostrou sua cadeira vazia e a maneira como diversos órgãos da imprensa, inclusive a Folha de S.Paulo, classificaram a atitude do candidato de não democrática, de covarde, resultaram na queda acentuada da preferência dos eleitores.

Foi exatamente em função de seu excelente desempenho no primeiro debate, na Rede Bandeirantes, e de seu extraordinário desempenho no segundo, na RTC, que a candidata Marta Suplicy conseguiu um enorme crescimento na reta final das eleições, o que não foi devidamente registrado pelos institutos de opinião, a não ser quando já concluída a votação, foram divulgados os resultados de boca de urna, mostrando que ela praticamente estava empatada com o candidato Mário Covas.

Precisamos examinar melhor o que ocorre com os institutos de pesquisa de opinião. Houve erros dramáticos, injunções, e com isso os meios de comunicação puderam induzir os eleitores a deixar de votar na candidata Marta Suplicy em favor do candidato Mário Covas, como maneira de conseguir levar para o segundo turno alguém com possibilidade de vencer o candidato Paulo Maluf.

O que me traz hoje à tribuna é a importância das realizações de debates, porque o que mais senti durante o processo de sucessão presidencial foi a ausência por parte do Presidente da República aos debates com seus adversários: Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes, bem como os demais. Havia eu proposto que as TVs Senado e Câmara coordenassem um debate entre os presidenciáveis. Ao próprio Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Ilmar Galvão, enviei ofício logo depois que S. Exª me disse que, havendo iniciativa de um senador no sentido de que ele viesse a apoiar a realização de debates, que o faria. Mas não soube, depois, de qualquer empenho do Presidente Ilmar Galvão no sentido de que houvesse a realização desses debates entre os presidenciáveis, para que o processo democrático da escolha do Presidente da nação fosse aprimorado.

Ora, Sr. Presidente, diante da experiência obtida nessas eleições, resolvi apresentar hoje projeto de lei do Senado que altera a redação do art. 46 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, e dá outras providências, nos seguintes termos:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. O “caput” do art. 46, seus incisos I, II e III, da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 46. Independentemente da veiculação de propaganda eleitoral gratuita no horário definido nesta lei, a realização de debates sobre as eleições majoritárias deverá observar as seguintes regras (NR):

I - é obrigatória a transmissão, pelas emissoras de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens concedidos a empresas privadas e públicas, entidades autárquicas e fundacionais, bem como pelos canais de televisão por assinatura sob responsabilidade do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou das Câmaras Municipais de, pelo menos, dois debates, antecedentes a cada votação, entre os candidatos a cargos majoritários de entes político-administrativos correspondentes à circunscrição eleitoral que atinjam com suas gerações, devendo a apresentação ser feita (NR):

a) em conjunto, estando presentes todos os candidatos a um mesmo cargo eletivo (NR);

b) em grupo, estando presentes, no primeiro bloco, os candidatos de partidos com representação, respectivamente (NR):

1 - na Câmara dos Deputados, na eleição para Presidente e Vice-Presidente da República (NR);

2 - nas Assembléias Legislativas ou Câmara Legislativa do Distrito Federal, na eleição para Senador, Governador e Vice-Governador (NR); e

3 - nas Câmaras Municipais, na eleição para Prefeito e Vice-Prefeito e no segundo bloco os demais candidatos (NR);

II - são facultadas (NR):

a) a sincronização em rede de emissoras geradoras e repetidoras para operacionalização das transmissões (NR);

III - os debates deverão ser parte de programação previamente estabelecida e divulgada pela emissora (NR).”

Art. 2º. O § 2º do art. 46 da Lei nº 9.504, de 30 de dezembro de 1997 passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 46..........................

“§ 2º. A Justiça Eleitoral regulamentará o disposto neste artigo, podendo valer-se de auxílio da Associação Brasileira de Imprensa - ABI e da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.”

Art 3º. O § 3º do art. 46 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 46..........................

“§ 3º. O descumprimento do disposto neste artigo sujeita a empresa infratora às penalidades previstas no art. 56 e ausência injustificada a debate à suspensão de veiculação de propaganda eleitoral do candidato ausente no rádio e na televisão na primeira oportunidade seguinte à realização do debate e ao pagamento de multa no valor de até 10.000 (dez mil) UFIR, conforme regulamentação da Justiça Eleitoral (NR).”

Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

            O regime democrático não pode ser caracterizado unicamente pelo reconhecimento acrítico da “legitimidade” de opções majoritárias. Pressuposto necessário é a verificação de que o itinerário percorrido até o desfecho, isto é, até a adoção da decisão política preponderante a ser acatada pelos vencidos, não esteja a padecer de vício que invalide o processo decisório.

            Hannah Arendt, em sua obra mais recentemente publicada, a partir da consolidação de textos efetuada por Ursula Ludz (O Que é Política?, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1998), recorda que, na antiga polis, o conceito de isonomia indicava muito mais a idéia de igualação para decidir do que a eqüitativa aplicação da lei. Desde os primórdios da democracia, portanto, é patente o impacto de iguais oportunidades, livre confrontação de proposições e abertura para convencimentos recíprocos como elementos constitutivos necessários à consolidação de um desejável regime político, mais marcado pela persuasão do que pela força.

            Em sociedades de massa, complexas e conflitivas, nas quais o ideal democrático não pode prescindir de mecanismos de representação, a conformação de um agregado de cidadãos conscientes exige que os discursos dos que postulam a assunção a postos de governo tenham ampla difusão. Daí por que, com acerto, a legislação eleitoral prevê a propaganda eleitoral obrigatoriamente veiculada pelas emissoras de rádio e de televisão. Mas isso não é bastante. São muitas as dificuldades a serem transpostas, no sentido de uma mais equilibrada distribuição de tempo para divulgação de propostas entre os candidatos. Urge, por isso mesmo, que alternativas sejam encontradas, a fim de que a opção imaculada de cada eleitor seja fruto de um processo maduro de reflexão; que o voto seja resultado de absorção do máximo de informações pertinentes, do contraditório de posições e aferição das lacunas do credo e propostas de cada postulante.

Essa é a razão pela qual oferecemos à consideração de nossos Pares a presente proposição, a qual tem por escopo estabelecer a obrigatoriedade de realização de debates entre candidatos majoritários pelo sistema público de radiodifusão, inclusive com a participação das emissoras concessionárias. Advogamos uma alteração na legislação eleitoral, de forma que seja fixada uma dupla obrigação: de um lado, a do sistema estatal de rádios e TVs contribuir para o aperfeiçoamento da democracia, levando a efeito a realização compulsória de debates; de outro, a exposição dos candidatos ao crivo da crítica, mormente de seus adversários, como múnus público da candidatura. Isso para que, depois, os eleitores possam cobrar dos eleitos a coerência e o cumprimento de promessas, a fim de que o eleitorado não se sinta logrado, vítima do estelionato eleitoral e impotente para corrigir o equívoco de uma dada opção.

Note-se que a proposição elimina a possibilidade de ocorrência de debates entre candidatos a cargos proporcionais. É que a manutenção de um padrão normativo pelo qual a eleição se dá pelo sistema proporcional de lista aberta, com a disputa entre todos os candidatos em amplas circunscrições eleitorais, torna inexeqüível a realização de tais debates, sem que o princípio de eqüidade seja violado.

Acreditamos que, com a conversão deste projeto em lei, estaremos dando um significativo passo rumo ao aprimoramento e à consolidação de nossa democracia, fazendo com que, doravante, cada pleito possa representar uma festa da cidadania, e não o ritual amorfo e apático de confirmação como poder político daquelas elites que já detêm poder econômico e ideológico em nosso País.

São essas as proposições e a justificativa que temos para que, futuramente, no processo eleitoral brasileiro, haja a necessidade de debates entre candidatos majoritários a Senador, Prefeito, Governador e a Presidente da República.

O Sr. Ademir Andrade (Bloco/PSB-PA) - V. Exª concede-me um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo um aparte, com muita honra, ao Senador Ademir Andrade.

O SR. ADEMIR ANDRADE (Bloco/PSB-PA) - Senador Eduardo Suplicy, congratulo-me com V. Exª, que apresenta uma proposta de algo reclamado por toda Nação neste momento de eleição. V. Exª tenta resolver o problema dos debates, que se tornaram impraticáveis devido ao grande número de candidatos e à sua condição diferente de representatividade. Entendo que, ao elaborarmos a lei, preocupamo-nos em igualar direitos apenas para a questão do debate, mas não foi possível igualar esses direitos no que se refere ao tempo de televisão, ao tempo da propaganda de rádio e assim por diante. De forma que V. Exª resolve um dos problemas com seu projeto. Evidentemente, vamos debatê-lo, analisá-lo e, provavelmente, aprová-lo, pois o debate é salutar, é extremamente importante para que as pessoas decidam pelo melhor. Mas há dois outros pontos, Senador Eduardo Suplicy, também reclamados pela sociedade hoje em dia, em que poderíamos começar a pensar: um deles é a questão da forma como o programa eleitoral é apresentado. Vi figuras importantes deste País, dentre os quais destaco o Governador Mário Covas, fazendo considerações sobre a impropriedade da forma do programa de televisão. Os candidatos não falam mais por si mesmos, mas tornaram-se um produto de venda; são maquiados, são fantasiados, distorcidos na sua personalidade e na sua maneira de ser, para tornarem-se um verdadeiro produto de venda. Alguns “marqueteiros” o assumem, utilizando expressões como “fulano é um produto fácil ou ruim de ser vendido”. Isso é muito negativo para a democracia em nosso País. Fiquei muito atento aos noticiários durante o processo de apuração dos votos e percebi que muitas autoridades brasileiras condenavam a forma como o programa de televisão é apresentado, defendendo a tese de que os candidatos deveriam falar ao vivo. Deveria ser ampliada a oportunidade para o debate, e a manifestação deveria ser ao vivo, não ocorrendo essa transformação realizada pelos “marqueteiros” nos programas de televisão. Esse é outro ponto fundamental para o aperfeiçoamento do processo democrático em nosso País. É muito fácil para alguém que tenha a capacidade de falar bem e de convencer dirigir-se à população com mentiras, prometendo absurdos, iludindo. É muito difícil o povo saber julgar sem ouvir o contraditório. Senador Eduardo Suplicy, precisamos resolver ainda a questão das pesquisas. Está mais do que claro que os institutos de pesquisa do nosso País, como o IBOPE, o Brasmarket e o Vox Populi, venderam-se a quem pagou mais. Foram institutos que, na minha visão, cometeram verdadeiros crimes. Essas pessoas devem pagar pelo que fizeram. E a pesquisa não pode continuar sendo feita da forma como foi, porque ela induz o eleitor a tomar determinada decisão. Assistimos esse fato no Brasil inteiro, e, lamentavelmente, a esquerda foi a grande vítima, nesse processo eleitoral, dos institutos de pesquisas. Aqui e ali, houve alguma vítima ligada aos partidos de base do Governo, mas fomos a vítima na maioria dos casos. Amanhã, estarei apresentando neste Senado um pedido de CPI para investigar a ação dos institutos de pesquisas no nosso País, nos vários Estados do Brasil e em nível nacional. Mas precisamos também mudar a lei nesse aspecto. V. Exª foi bastante competente em apresentar essa proposta hoje, mas entendo que esses dois outros pontos têm de ser alterados na legislação eleitoral. Era a contribuição que desejava dar a V. Exª. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Senador Ademir Andrade, a realização de debates constitui a maneira de os candidatos estarem apontando quando houver qualquer forma de seu adversário estar propondo o inexeqüível, contradizendo-se ou apresentando propostas que não forem consistentes, em contraposição a outras que cada um poderá apresentar. O debate é justamente o momento mais alto de uma campanha eleitoral, o momento mais nobre, quando os candidatos, em igualdade de condições, podem colocar seus argumentos.

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1985, quando ambos éramos candidatos a Prefeito de São Paulo, indignou-se com a ausência nos debates do outro candidato que enfrentávamos, o ex-Presidente Jânio Quadros. Lamento que, desta vez, Sua Excelência tenha preferido esquecer suas críticas àquela ausência, ausentando-se do debate, em função de estar à frente nas pesquisas eleitorais. Isso, certamente, prejudicou muito o processo democrático. O próprio Presidente da República teria ganho maior respeito da nacionalidade brasileira se tivesse conseguido vencer submetendo-se ao debate com os outros candidatos, como Lula, Ciro Gomes e outros - e certamente elevar-se-ia o nível da campanha.

Espero que os meus Pares possam examinar esse projeto em profundidade, aperfeiçoando-o. Motivei-me a apresentá-lo porque, na minha campanha para o Senado Federal, em que pese tenha instado meus adversários a aceitarem participar dos debates propostos pela TV Bandeirantes, pela RTC e pela Rádio CBN, eles não se realizaram em função da recusa dos meus opositores. As suas coligações dispunham de maiores recursos do que aqueles que o Partido dos Trabalhadores colocou na minha própria campanha. Entretanto, a melhor maneira de os eleitores compararem nossas proposições e atitudes seria o confronto direto, que, infelizmente, não ocorreu. Mesmo assim, pude ter o reconhecimento dos paulistas, a quem agradeço os mais de 6.718 milhões de votos, esperando fazer jus à extraordinária confiança de todos eles e prosseguindo o meu trabalho em defesa do aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras e de uma nação justa. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/10/1998 - Página 13566